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Dem, a mais jovem freguesia de Caminha

 

É a mais jovem freguesia do concelho de Caminha e foi criada por Dec.Lei nº 48590 de Setembro de 1968.
“A festa da instituição realizou-se numa tarde chuvosa de domingo, em 26 de janeiro de 1969”, lê-se na monografia do concelho de Caminha.

A freguesia, formada pelos lugares de Pedras Frias, Carejos, Boucinha, Chã do Porto, Aldeia de Baixo e Aldeia de Cima, tem perto de 400 habitantes.

Das atividades económicas, destaque para  pequeno comércio, pequena indústria, agricultura e pecuária. Os enchidos de porco, o cozido à portuguesa e o cabrito à moda da Serra d’Arga são os ex-libris da gastronomia local. O artesanato também está bem presente, com destaque para a tecelagem, o linho e os trajes à lavradeira.

Do ponto de vista patrimonial, de referir a Igreja Paroquial, as capelas de Santa Lúzia e da Senhora da Serra/Senhora das Neves, o cruzeiro paroquial e ainda os nichos e alminhas espalhados pela freguesia.

Geograficamente, a freguesia estende-se numa área de 649ha, quase toda ela inserida na Serra d’Arga. Cerca de 11 quilómetros a separam da sede do concelho, Caminha.

Na monografia do concelho de Caminha, da autoria de Lourenço Alves, a freguesia de Dem é apresentada como uma freguesia “pobre” e sem grandes recursos. Efetivamente Dem pode ter nascido “pobre” mas a verdade é que, ao longo dos seus 46 anos de existência, esta freguesia sofreu uma grande evolução. O surto de emigração verificado nos anos 60,  a par de uma maior escolarização, contribuíram para a evolução da freguesia.

O deense Desidério Afonso, diretor artístico do Rancho Folclórico de Dem, explica que a freguesia “evoluiu em todos os sentidos e bastante”.

“Em termos económicos evoluiu por causa da emigração, isso é um facto, e não foi apenas a freguesia de Dem a registar esse fenómeno, o mesmo aconteceu noutras onde esse surto emigratório se verificou”, explica.

A emigração, associada a outros fenómenos, como é o caso da sua situação geográfica, relativamente perto da vila de Caminha, faz de Dem um “bom local para viver”.

“Outro dos fatores que contribuiu sem dúvida para essa evolução foi a escolaridade, cada vez maior, dos jovens da freguesia”.

Mas apesar de ter evoluído ao longo dos tempos, Dem e os seus habitantes souberam sempre preservar a sua genuinidade e salvaguardar as suas tradições, um aspeto que Desidério Afonso faz questão de salientar.

“O facto de sabermos preservar as nossas origens, aquilo que é nosso e nos foi deixado pelos nossos antepassados, também é uma evolução. É isso que nos identifica”, sublinha.

Rancho Folclórico de Dem, um embaixador das tradições

Rancho Dem
O traje azul, típico de Dem

Fundado em 1950 por Alfredo Moreira, em colaboração com o etnógrafo Pedro Homem de Mello, o Rancho Folclórico de Dem, é uma instituição que ao longo dos seus mais de 60 anos tem sabido preservar e divulgar as tradições genuínas da freguesia.

Os trajes, as danças, os cantares e o cotidiano de Dem, principalmente no que se refere às atividades agrícolas, são a base etnográfica deste grupo.

As desfolhadas, espadeladas do linho, o sachar do milho, as vindimas, romarias e pândegas formam um conjunto de acontecimentos que delineiam essa mesma base

O Rancho de Dem nasceu por inspiração daquilo que eram as rondas ou as rusgas e que ainda hoje se realizam. Grupos de jovens vinham das várias freguesias vizinhas e, partindo de Dem, no dia 28 de Agosto de cada ano, a pé, rumavam em direção à romaria de S. João d’Arga, onde todos se divertiam e cumpriam as suas promessas.

Tendo por base estas tradições, Alfredo Moreira e Pedro Homem de Mello decidiram reunir a mocidade da época e fundar o Rancho Folclórico de Dem, cuja atividade se mantem até aos dias de hoje, percorrendo o país de norte a sul e também o estrangeiro.

O Rancho, formado por cerca de 60 elementos, tem procurado ao longo das suas mais de 6 décadas de existência, contribuir para a preservação do folclore português através de um trabalho intenso e rigoroso de pesquisa.

Desidério Afonso, diretor artístico do Rancho Folclórico de Dem, explica que o que caracteriza o grupo, “não é tanto a sua etnografia, mas sim o facto de nele estar enraizada a cultura popular, o folclore em si, o que permite manter o rancho a um nível alto não só no que se refere à sua representatividade mas também ao número de elementos”.

Desidério Afonso recorda que no concelho de Caminha chegaram a existir 8 grupos de folclore, mas neste momento só restam metade ou pouco mais do que isso. “Isto porque não está enraizado nas pessoas e nas freguesias esta característica que Dem tem e que se traduz numa forte cultura popular que vai sendo passada de pais para filhos”.

Para o diretor artístico, “o gosto e o orgulho” por aquilo que  são as tradições da freguesia é o grande motor para manter o rancho sempre a um nível superior quer de representatividade, quer de número de elementos, principalmente jovens.

“Para isso contribui muito a cultura familiar. Os bisavós transmitiram aos avós, os avós aos filhos e aos netos e assim sucessivamente. Este espírito de cultura popular e de folclore atravessa gerações”, explica.

Os trajes e as danças de Dem foram, segundo Desidério Afonso, heranças deixadas pelos antepassados e, quanto à sua originalidade, o diretor artístico do grupo tem algumas dúvidas.

“Para dizer a verdade nós não sabemos a origem exata das danças, ou seja, não sabemos se é desta ou daquela freguesia ou se é a junção de todas elas. Portanto dizer-se hoje que a Rosinha é de Dem não é uma certeza. A letra da Rosinha essa é de facto de Dem, mas a dança essa pode não ser porque de certeza que sofreu influências de outras freguesias. Um ou outro passo pode ter sido trazido da Meadela, Santa Marta ou Monção. Enfim as influências podem ser muitas. As letras, essas sim, poderão ter alguma genuinidade, mas e algo que nunca teremos certeza”.

A Tirana, a Cana Verde e principalmente a Gota, são as danças cuja originalidade estará mais próxima, afirma Desidério Afonso.

“No caso da Gota podemos afirmar, com quase 90 por cento de certeza, que ela será de Dem uma vez que ela não é dançada em mais lado nenhum do país e talvez do mundo. Só aqui é que ela se dança assim e por isso acredito que ela fosse mesmo de Dem e dançada pelos dançarinos locais”, garante.

O traje feminino é formado pelo traje à lavradeira de Dem, traje de trabalho, traje domingueiro, traje de noiva, traje de mordoma, entre outros. O traje masculino é formado pelo traje de romaria e o traje de trabalho.

“Eu entendo que se nós vamos representar o folclore, o devemos representar o mais fiel possível e devemos recuar no tempo o mais possível. As mulheres não podem ir pintadas, com manicure, nem com fatos adulterados. O fato de lavradeira de Dem, predominantemente azul, devia ser não o atual, mas sim aquele que era utilizado nos anos 50”.

Segundo Desidério Afonso, ao longo dos anos, o fato foi sendo adulterado, principalmente nas barras pretas, “que passaram, erradamente, a ser bordadas com lentejoulas, vidrilhos e cores variadas, com floreados que não correspondem ao original, as sais mais curtas, fugindo uma vez mais ao original”.

Manter as características originais tem sido a grande luta do diretor artístico do Rancho de Dem, que se recusa render aos modernismos que só servem para adulterar o original.

“Devemos manter o mais possível embora eu reconheça que há aspetos que não conseguimos. E evidente que gostávamos de ver as moças com aqueles caracóis nos cabelos como elas usavam antigamente, a tradicional rosca de cabelo onde prendiam o lenço. Isto eram características da época que hoje compreendemos que não é possível por em palco, mas aquilo que é possível, acho que é uma obrigação preservar o mais original possível”.

Mas o que distingue uma lavradeira de Dem, de uma lavradeira de Viana. Desidério Afonso garante que não é apenas a confeção ou a cor dos fatos.

“A lavradeira de Dem tem uma postura completamente diferente. O rebordar dos lenços no peito, os lenços da cabeça, os coletes e a própria cintura nada tem a ver com as demais”, garante.

“Se nós pegarmos no mesmo fato e mandarmos vestir uma lavradeira de Viana ou uma lavradeira Dem, a postura é completamente distinta. É uma coisa que vem de trás, que é passada de mãe para filha”.

E desenganem-se aqueles que pensam que vestir um fato à lavradeira é tarefa simples. Segundo Desidério Afonso não é possível a uma lavradeira vestir-se sozinha. “Tem que haver pelo menos uma segunda pessoa para colocar os lenços e o ouro que é pregado à roupa”.

É rara a mulher de Dem que, desde pequena, não possuiu o seu próprio fato.

“Na maior parte das vezes até mais do que um, de várias cores”.

E porquê a predominância do fato azul? Sem certezas, Desidério Afonso avança uma possível explicação: “eu julgo que pode ter a ver com o aliviar do luto, isto é passar do um luto muito pesado e forte, do preto, para uma cor mais intermédia, sem ser o vermelho. Penso que esta é a explicação mas sem grandes certezas”.

Encontrar uma mulher de luto por estas bandas não era difícil, uma vez que a própria emigração era considerada luto. “Se o marido e o pai fosse para França, as mulheres da casa já não vestiam vermelho e por isso o azul era a cor eleita porque já não parecia tão mal aos olhos dos outros”, explica.

Em 1968 o Rancho Folclórico de Dem sofre um duro golpe com a morte da sua cantora principal, a Avelina, que por sua vez era noiva do Mateus, que era ensaiador e diretor artístico.

“O rancho ficou de luto e isso, associado a um surto grande de emigração principalmente dos homens, fez com que o rancho só se fizesse representar com um ou dois pares e com a bandeira”.

Depois deste interregno houve várias tentativas para reorganizar o rancho mas sem sucesso.
Na década de 80, desafiado por Pedro Homem de Mello, Desidério Afonso põe mãos à obra e avança com a reorganização do rancho.

“Começou por ser uma mentira. Inventámos que era uma homenagem ao Pedro Homem de Mello que nunca aconteceu. Começámos pelo rancho infantil, fui falar com as professoras e todas, sem exceção, aderiram. Depois fizemos cortejos para comprar fatos e as concertinas e o apoio da população foi muito importante”, recorda.

Atualmente o rancho de Dem está bem e recomenda-se e a direção já tem sido obrigada a recusar entradas porque os elementos não podem exceder um determinado número “por causa do transporte”, explica Desidério Afonso.

Manter o nível do grupo e continuar a recolher as tradições da freguesia e a preservá-las para que não se percam, é o grande objetivo do Rancho Folclórico de Dem, um grupo que ao longo dos anos tem sido um embaixador não só da freguesia de Dem, mas de todo o concelho de Caminha.

Casa das Carvalhas: onde mora a tradição

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Aida Martins e a mãe, D. Lurdes Carvalhas

Aida Martins foi a primeira pessoa a ser registada na freguesia de Dem. Nasceu em Outubro de 1968, um mês depois da criação da freguesia, e só não foi aí batizada porque na altura a igreja ainda estava em construção.

“Tive que ser batizada em Santo Ajinha porque segundo conta a minha mãe, a igreja estava em obras”.

Natural da freguesia de Dem, Aida Martins dedica-se à confeção dos fatos regionais, uma arte que aprendeu com a mãe Lurdes Carvalhas e com a tia Florinda Carvalhas, esta última infelizmente já falecida.

Depois de ter trabalhado durante alguns anos numa fábrica de volantes, Aida Martins decidiu um dia abraçar a arte das mulheres da família, e dedicar-se aos bordados e à tecelagem.

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Aida Martins

Para além de confecionar os tradicionais fatos à lavradeira, Aida também gosta de aplicar a sua arte em peças mais modernas que vai criando.

“Normalmente são peças de vestuário que as pessoas usam no dia a dia, e às quais dou um toque regional. Ainda hoje de manhã estive reunida com uma cliente de Lisboa, com quem estive a criar duas peças que julgo quer vão ficar lindíssimas. É uma coisa que gosto de fazer e que tem bastante procura”, explica.

Para além das peças mais modernas que vai criando, Aida Martins também se dedica à confeção dos tradicionais fatos à lavradeira. “Faço as peças todas menos os lenços e as meias. As camisas,  as saias, os aventais, as algibeiras e os coletes é tudo feito por mim, inclusive os panos das saias que são tecido no tear”.

Aida aprendeu a tecer com a tia Florinda que lhe passou todos os segredos do tear.

“Era ela que até há dois anos me ajudava e foi com ela que aprendi a arte de tecer”.

Na Casa das Carvalhas os trajes à lavradeira são confecionados de forma tradicional. Os materiais são todos selecionados e a qualidade é palavra de ordem. “Foi sempre assim e assim vai continuar a ser”, garante Aida Martins.

O atelier funciona num anexo da casa e foi lá que conhecemos a mãe de Aida, a D. Lurdes Carvalhas. Sentada à “velha” máquina de costura, tem entre mãos um avental que borda quase que por instinto, tal é o treino. As marcações estão todas na cabeça e raramente precisa de riscar no pano “são muitos anos a fazer isto”, conta.

Ao fundo está instalado o tear e ao lado, deitada num tapete, está a Diana, a cadela labrador, companheira inseparável e uma ajuda preciosa, conta entre risos Aida Martins. “É que ela está sempre à espera que eu deixe cair a lançadeira do tear ou qualquer outra coisa para depois a apanhar e me entregar”.

No tear, Aida tece o pano que será utilizado na confeção de uma saia à lavradeira. Ao azul predominante, juntam-se pequenas listas de rosa, verde e amarelo. A julgar pela cor, é uma saia típica de Dem. “Depois de tecida, aplico-lhe a barra que normalmente é escolhida pelo cliente. Pode ter mais ou menos bordado, conforme o gosto”.

Aida prefere as mais simples como manda a tradição, “mas a verdade é que temos que fazer para todos os gostos”, explica.

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Saia típica de Dem

Do baú de madeira, vão saindo saias, aventais, algibeiras e coletes, feitos e bordados pela mão da Aida e da sua mãe. São verdadeiras obras de arte que não deixam ninguém indiferente. Muitas horas de trabalho e dedicação, um trabalho quase impossível de contabilizar mas que as duas mulheres fazem com gosto e reconhecem apenas com um olhar.

“A minha mãe consegue dizer com toda a certeza se determinado trabalho foi ou não feito por ela, nem que tenha 20, 30 ou 40 anos. Quantas vezes estamos a ver uma ou outra peça e ela diz: isto foi feito por mim. Não me pergunte como, mas ela consegue perceber isso.”

Do atelier de Aida só não saem as chinelas e os lenços que normalmente são comprados em Viana. Um lenço original, da antiga fábrica dos lenços que encerrou pouco depois do 25 de Abril, pode custar até 500 euros.

“Há pessoas que os têm e que vendem mas são muito caros, podem custar até 500 euros. São os chamados lenços verdadeiros, que já são muito raros”.

Aida explica que existem diferenças entre um lenço verdadeiro e um lenço falso. “O desenho é basicamente igual mas o toque é diferente, é mais grosseiro, não tem o toque dos antigos que eram feitos numa lã mais fininha, mais suave. É diferente”, garante.

Na confeção dos fatos Aida tenta, sempre que possível, seguir o modelo original.

“Existem vários tipos de saias: as chamadas lisas, que são as mais simples, as de cordões e as levantadas. Depois também existem várias barras com várias medidas, umas mais altas do que outras, dependendo do gosto da pessoa. Normalmente é o cliente que escolhe embora eu dê uma ou outra opinião tentando sempre aproximar o mais possível do original. Às vezes consigo outras vezes não, mas na maioria dos casos as pessoas seguem o meu conselho. Depois nas barras há quem goste com mais ou menos bordados, com mais ou menos lentejoulas, com mais ou menos vidrilhos, depende. Eu pessoalmente gosto das mais simples, é uma questão de gosto”.

Os coletes são outras das peças fundamentais do fato à lavradeira, e tal como nas saias existem variadíssimos motivos.

“Temos os coletes domingueiros, o da lavradeira e o de trabalho. O domingueiro leva algum bordado mas pouco, o de trabalho não leva qualquer bordado e o de lavradeira, esse sim, é o mais rico com mais bordado”.

Aida explica que os coletes de Dem são particularmente bonitos porque são muito ajustados ao corpo tornando a mulher mais elegante. “Estamos a falar de uma peça que tanto pode ser usada num fato à lavradeira como com umas calças de ganga numa romaria tradicional. Fica muito bem, é uma peça atual”.

Confecionar um fato à lavradeira demora muito tempo garante esta artesã.

“Pode demorar um, dois meses, depende. Imagine o que é tecer uma saia no tear fio por fio, olhe para ser sincera nem sei bem, são muitas horas de trabalho às vezes estou tão entusiasmada que até me esqueço das horas. Gosto muito do que faço”.

O toque final é dado pela algibeira, uma peça toda feita à mão. “Estamos a falar de uma peça que não leva um único ponto de máquina, é toda cosida manualmente. São peças lindíssimas e normalmente são feitas pela minha mãe”.

Quanto ao preço, Aida Martins diz que varia conforme o trabalho de cada fato. “Não sei muito bem, depende. Por exemplo, uma saia, que normalmente é a peça mais cara, pode custar entre 200 euros a mais básica, até 600 euros se for mais elaborada. É difícil dizer-lhe o preço de um fato completo porque normalmente as pessoas não encomendam tudo de uma vez, mandam fazer as peças soltas porque custa menos”, explica.

Os clientes esses, estão espalhados pelos quatro cantos do mundo. “Temos clientes daqui e outros de fora. Já trabalhei para o Canadá, França, Espanha, Luxemburgo, Andorra, enfim para muitos lados”.

O trabalho da Casa das Carvalhas é dado a conhecer pelo boca a boca.

“Já pensei em fazer um facebook  mas olhe ainda não tive tempo. A verdade é que também ainda não senti necessidade disso porque os clientes vão aparecendo e isso vai ficando adiado. Mas não está fora de questão”.

Entre os fatos à lavradeira e as peças que vai criando Aida Martins sente-se feliz com o que faz e não se arrepende de um dia ter trocado os volantes pela arte da mãe e da tia, as duas mulheres com quem aprendeu e a quem deve tudo o que sabe.


Dem é terra do bom chouriço e do melhor presunto

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Maria Olívia

A par de muitas outras tradições, Dem é também famosa pela qualidade do seu fumeiro. O chouriço é feito com as melhores carnes, de porcos criados em casa, a que se juntam  os melhores ingredientes. Maria Olívia, natural da freguesia de Dem, tem mão de ouro para a confeção dos enchidos. Segundo explica o segredo do sabor está, em primeiro lugar, na qualidade da carne.

“A carne tem que ser de porco criado em casa, a carne é completamente diferente e o gosto não tem nada a ver”.

Em casa de Maria Olívia o porco é criado desde pequenino e alimentado com os produtos da terra. “Faz toda a diferença porque eu conheço pessoas que já tentaram fazer com carne comprada no talho e o sabor é completamente diferente, não tem nada a ver uma coisa com a outra”, garante.

O tempero também é importante, principalmente o pimentão que normalmente é comprado em Espanha. “A qualidade é melhor”, explica.

A carne para os chouriços é toda selecionada e depois de preparada é temperada com sal, alho, pimentão, louro e água ou vinho, dependendo do gosto. Feito o tempero a carne vai ficar a tomar gosto durante um ou dois dias e só depois é que se enchem os chouriços.

“Durante esse tempo vai-se mexendo e provando para ver se é preciso acrescentar algum tempero. Quando a carne estiver com o gosto então enchemos os chouriços. A escolha da tripa também é muito importante”, revela.

A forma como o fumeiro é feito, nomeadamente a lenha que se escolhe, também tem grande influência no resultado final. A lenha de carvalho bem seca ou o azevinho é a melhor.

“Se a lenha for de fraca qualidade pode deixar  gosto nos chouriços e por isso é muito importante escolher lenha boa e bem seca”.

A intensidade do lume é outro dos aspetos a ter em conta “porque se não tivermos cuidado pode queimar. O ideal é que seja um fumo lento a uma altura ideal”.

Em casa de Maria Olívia já se mataram 2 porcos, um em fins de Outubro e outro em fins de Novembro. Em Fevereiro vai voltar a haver matança e Maria Olívia vai voltar a dedicar-se ao fumeiro.

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Sr. Joaquim

Para quem não conhece o chouriço e o presunto de Dem, aconselhamos uma visita à Tasquinha do Sr. Joaquim do Rio, situada em pleno centro da freguesia, mesmo em frente ao edifício da Junta.

A funcionar há quase 50 anos, a venda do Sr. Joaquim é um ponto de paragem obrigatório para quem se desloca à freguesia de Dem.

Para além do famoso chouriço, na tasquinha do Sr. Joaquim sempre se bebeu bom vinho. “Tive sempre esse capricho, escolher um bom vinho para servir ao meus clientes”.

Um lanche na Tasquinha do Joaquim do Rio é a sugestão que lhe deixamos. Não se esqueça de pedir o chouriço, o presunto e, claro, uma garrafinha para acompanhar.

 

Samuel Marouço, um jovem pastor

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Samuel Marouço (à direita)

Tem 28 anos, chama-se Samuel Marouço e é pastor. Natural e residente na freguesia de São Lourenço da Montaria, o Samuel conhece bem a freguesia de Dem, local para onde costuma levar o seu rebanho e onde tem alguns amigos.

Começou por trabalhar na construção civil mas, há oito anos, quando a crise se instalou no setor, Samuel decidiu mudar de profissão. Nascido e criado numa casa de lavoura, o jovem decidiu seguir as pisadas de alguns elementos da família e tornou-se pastor.

Apesar das muitas dificuldades e burocracias, Samuel não se arrepende de ter mudado. A profissão é dura, principalmente no Inverno, por vezes a solidão aperta mas, ainda assim, o Samuel gosta do que faz.

“Isto não é fácil, não há sábados nem domingos, é sempre a dar-lhe”, explica.

Perto do cruzeiro, junto à estrada, aguardamos a chegada do rebando que, depois de um dia na serra, está prestes a recolher à corte. São mais de 160 cabeças que a mãe de Samuel, a D. Lurdes, conta uma a uma, para se certificar que nenhuma ficou para trás.

O dia foi de grande trabalho conta o Samuel.

“Só hoje nasceram 8 cabritos e eu tive que andar num corrupio, monte abaixo monte acima, para os trazer para casa por causa do frio. Foi um pouco cansativo”, conta divertido.

Começou por andar sozinho mas há coisa de um ano, quando o lobo atacou o rebanho, decidiu levar um ajudante.

“Fez em Dezembro um ano que só num dia perdi sete cabeças. A partir daí decidi ir com outra pessoa porque sozinho é muito difícil controlar tudo”, explica.

A acompanhar o rebanho vão 3 cães, uma ajuda preciosa para Samuel. Por volta das 10 da manhã o gado ruma à montanha e o regresso só é feito ao escurecer. É deste e de outros rebanhos como este, que é retirado o famoso cabrito que, em Dem, é confeccionado à moda da Serra d’Arga.

“A melhor altura para vender é na Páscoa porque é uma altura em que se consome mais este tipo de carne”, refere.

Samuel explica que o sabor da carne destes animais está relacionado com o tipo de pasto que comem e também com o facto de andarem a pastar em liberdade. “Se comparar o sabor da carne de um cabrito que é criado nos terrenos aqui em baixo e outro que for criado no monte, a diferença é grande. A carne, embora um pouco mais rija e fibrosa, é mais saborosa”, explica.

Lá em cima, na serra, Samuel garante que não há espaço para o tédio porque não consegue estar muito tempo parado. “Tenho que andar sempre de volta delas e o tempo passa rapidamente, às vezes nem damos por ela”.

Na corte já estão 20 cabritos que nasceram nos últimos dias mas Samuel espera que esse número aumente nos próximos dias. “Se correr bem podemos chegar aos 80”.

Ao fim de oito anos nesta profissão,  Samuel garante que não está arrependido e só lamenta não ter começado mais cedo.

“Se tivesse começado antes tinha ganho mais dinheiro. Gosto do que faço, tenho liberdade para gerir o meu tempo e estou satisfeito”.

Os poucos incentivos, a muita burocracia e as leis cada vez mais exigentes, estão a afastar, segundo Samuel, as pessoas desta atividade.

“Acredito que se houvesse mais ajuda e menos burocracia talvez outros jovens apostassem nesta atividade. E muita papelada e as pessoas chateiam-se e acabam por largar”, lamenta.

Para além das mais de 160 cabras, o Samuel tem sete vacas, 2 cavalos, ovelhas entre outros animais.

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