Vila Nova de Cerveira acolhe, entre 7 e 8 de Novembro, a VII edição do Simpósio Ibérico sobre a Bacia Hidrográfica do rio Minho, um espaço de debate abrangente com a apresentação de diferentes perspectivas de vários especialistas portugueses e galegos. As espécies exóticas e as alterações climatéricas vão ser dois dos temas em destaque neste Simpósio, a que se juntam várias comunicações de investigadores portugueses e espanhóis.
O I Simpósio Ibérico sobre a Bacia Hidrográfica do rio Minho realizou-se pela primeira vez em 1996 e surgiu com o propósito de reunir os investigadores, estudiosos e interessados nas diversas temáticas relacionadas com a bacia daquele rio, bem como divulgar publicamente o projeto do Aquamuseu.
Com uma periodicidade bienal, muitos foram os temas discutidos ao longo das edições que se foram sucedendo. Temas pluridisciplinares que vão desde os recursos naturais, atividade humana, educação ambiental, entre outros e que permitiram reunir documentação que tem vindo a ser consultada por todos os interessados.
Carlos Antunes, biólogo do Aquamuseu do Rio Minho, uma das entidades organizadoras do Simpósio, explica que o certame não é propriamente um encontro só para especialistas ou investigadores. “Pretende-se que possam também participar grupos específicos, nomeadamente pesadores, que de resto já têm participado e apresentado os seus pontos de vista sobre determinados assuntos. No fundo o que se pretende também é confrontar os resultados da atividade cientifica com a opinião e saber de outras comunidades”. Carlos Antunes fala mesmo de um encontro “informal” onde se pretende que haja um “cruzamento de saberes” e a sua atualização.
“Tem sido esta a filosofia das últimas edições e que queremos manter”.
O rio Minho, como de resto todos os cursos de água, tem vários problemas, uma situação que Carlos Antunes considera “normal” desde que haja intervenção do homem. “E por vezes nem é preciso haver essa intervenção porque a própria natureza também tem os seus efeitos”. A questão do assoreamento junto à foz, que dificulta a navegabilidade no rio, é um problema mas não é uma questão nova como refere o biólogo que lembra que já no século XIX a questão do assoreamento era uma preocupação.
“O rio Minho sempre foi um rio com problemas a esse nível. Sempre foi um estuário bastante assoreado, há inclusive registos do século XIX que dizem isso mesmo. Com o tempo a situação agravou-se, principalmente a partir do momento em que se começaram a construir as barragens”. Mas esta é apenas uma questão a juntar a outras, como é o caso, por exemplo das espécies exóticas, uma temática que irá ser amplamente discutida nesta VII edição do Simpósio.
Segundo Carlos Antunes a questão das espécies exóticas, ou espécies introduzidas, são um problema porque há cerca de 15 ou 20 anos, a falta de informação, classificava o rio Minho como um rio virgem em termos de espécies exóticas. “A partir do momento em que se começou a estudar, verificou-se que isso não era verdade e neste momento, por exemplo, das 15 espécies de água doce existentes no rio Minho e que são conhecidas, mais de metade são exóticas”. O problema destas espécies é que elas podem competir com as nativas em termos de alimentação, como explica Carlos Antunes. “Estamos a falar de espécies predadoras como é o caso do Achigan e mais recentemente da perca sol que podem alimentar-se de espécies com interesse ecológico para o sistema do rio Minho”. Mas existe outras espécies que não sendo predadoras, podem interferir na medida em que se alimentam de ovos e larvas, como é o caso das Parcas e das Tenças que já existem no rio Minho.
Mas como é que estas espécies foram parar ao rio Minho? E de que forma é que se pode prevenir que outras não sejam futuramente introduzidas naquele curso de água. Carlos Antunes explica que é assumido que a introdução de peixes é, em grande parte, da responsabilidade do homem, no entanto admite outras vias indiretas como é o caso dos navios que podem transportar organismos de uns sítios para os outros através das águas de lastro, ou até mesmo as próprias aves. São as chamadas introduções indiretas “Os peixes, pelo histórico e pelos dados que existem, é assumido que a responsabilidade das introduções é do homem e podem ser por várias vias”. A pesca desportiva que utiliza várias espécies de peixe como isco vivo para apanhar outros peixes é um dos veículos de introdução, a que se junta também a aquariofilia. “Há pessoas que têm peixes em casa e que quando não os querem os libertam nos rios e nos lagos”. A componente informação é segundo o biólogo “extremamente importante” para evitar este tipo de situações. “O importante é que os diferentes grupos percebam que é errado transportar animais de um sistema para o outro. Este é um principio sagrado até pelas consequências que pode trazer”.
Pela investigação que tem sido feita, sabe-se que no caso do rio Minho a introdução de espécies como a ameijoa asiática, que os pescadores conhecem bem porque aparece muitas vezes nas redes, está a atingir uma densidade altíssima. Esta introdução, que ainda não se sabe muito bem como foi feita, contribuiu para a diminuição das espécies nativas que existiam no rio, como é o caso dos mexilhões grandes que deixaram de se ver.
Outra espécie invasora é o lagostim vermelho americano que também é considerado uma praga. “Quer um quer outro, são considerados espécies invasoras e ocupam áreas geográficas enormes que têm consequências no ecossistema”, explica Carlos Antunes que acrescenta que estas duas espécies têm sido seguidas nos últimos anos no rio Minho.
A exploração dos recursos é outros dos problemas do rio Minho, um dos rios mais importantes no contexto ibérico no tocante às espécies migratórias, como é o caso do sável, da lampreia, do salmão e da enguia. “É um rio importante e só o conhecimento e a atuação poderão fazer com que no futuro se consigam manter algumas populações funcionais, principalmente as espécies que vêm ao rio para reproduzir como é o caso do sável, da lampreia e do salmão”.
Mas o mais dramático para a questão dos peixes migradores foi sem dúvida a construção das barragens, na medida em que provocaram uma perda de habitat tremenda o que segundo o biólogo provoca um aumento de pressão sobre as povoações. “O ideal seria aumentar os corredores para as espécies subirem mais, principalmente o salmão e a lampreia”. A qualidade da água associada à descarga orgânica também é outra questão apontada por Carlos Antunes. “Temos o conhecimento de que há problemas de carga orgânica se bem que tem havido algum esforço nos últimos anos no que diz respeito à melhoria dos tratamentos de efluentes domésticos. Sabemos que nos últimos anos tem havido um aumento no que diz respeito à produção de vinho e a verdade é que não há muita informação a que nível é que isso pode interferir, nomeadamente por causa da utilização de herbicidas e fungicidas”.
Alterações Climáticas podem mudar tudo
Numa altura em que começam a aparecer sinais de que a questão das alterações climáticas é um processo que está em curso, este vai ser outro dos temas em debate na VII Edição do Simpósio Ibérico. “Se os cenários mais pessimistas se confirmarem isto vai realmente mudar a vários níveis. No caso das espécies migradoras ou migratórias como o salmão e a truta, as previsões são de que estas espécies se desloquem para norte porque como são peixes de água fria e se realmente acontecer o aquecimento global, eles vão desaparecer”.
O que se pretende com a introdução deste tema é, segundo o biólogo do Aquamuseu, “alertar e sensibilizar determinados setores com responsabilidade, nomeadamente, políticos, para a importância de ter este aspeto em conta. A forma como vai ser feita esta abordagem diz respeito ao planeamento do ordenamento do território e por isso a questão das alterações climatéricas deve ser tida em conta”. A estes dois temas que irão resultar em de dois workshop, vão juntar-se diversas comunicações de docentes da Universidade de Vigo, Universidade de Santiago de Compostela e do Porto que irão versar temas diversificados.
“O rio Minho precisa de um estratégia”
O que o rio Minho necessita é de uma estratégia, defende Carlos Antunes que explica que apesar de existir alguma informação, neste momento ainda não se conseguiu definir uma estratégia para aquele curso de água. “Acho que falta uma estratégia, penso que era importante chegarmos a um ponto e perguntarmos para onde queremos caminhar. Saber se é para conservar e manter determinado tipo de recursos ou não?” Para o biólogo não basta dizer que é importante manter a lampreia, o sável, ou o salmão. “É preciso ter uma estratégia para todo o terreno”, explica. O importante defende Carlos Antunes é atuar para minimizar algumas questões. “Não podemos ficar neste impasse, tem que haver mais investimento ao nível do conhecimento e da investigação e esse investimento tem que ser continuo”, defende.
Há 10 anos a estudar as “invasoras” do rio Minho
Ronaldo Sousa é professor na Universidade do Minho UM e desde 2004 que se dedica à investigação das espécies invasoras do rio Minho, principalmente a ameijoa asiática e o lagostim vermelho. O docente da UM vai ser um dos palestrantes da VII edição do Simpósio Ibérico sobre a Bacia Hidrográfica do rio Minho para falar sobre os impactos dessas espécies naquele sistema aquático. A ameijoa adaptou-se às condições e ocupou o espaço, quase eliminando outras espécies. Em entrevista ao Jornal C o investigador revela algumas particularidades dessas espécies que em locais como o rio Minho, já são consideradas uma praga.
Jornal Caminhense (JC) – Sei que vai estar presente na VII Edição do Simpósio Ibérico sobre a Bacia Hidrográfica do rio Minho. Que tema elegeu este ano para a sua comunicação?
Ronaldo Sousa (RS) – De facto já não é a primeira vez que participo neste Simpósio e este ano vou voltar a estar presente. Vou falar das espécies invasoras, nomeadamente a ameijoa asiática, muito conhecida aqui na zona principalmente pelos pescadores, e também o lagostim.
J.C. – A ameijoa asiática tem invadido os rios aqui a norte…
R.S. – A norte e não só, neste momento podemos dizer que está presente nos maiores rios portugueses. Mas sim, de uma forma geral o local de Portugal onde a densidade é mais significativa ou onde a distribuição espacial e maior, é de facto no Minho .
J.C. – Estamos a falar de espécies que podem ser aproveitadas, que podem ser consumidas pelas pessoas?
R.S. – A espécie não é comestível na Europa e por isso não tem qualquer valor comercial. É uma espécie comercializada na Ásia mas na Europa não há tradição de comer ameijoa de água doce e portanto não é comercializada. Esse é o principal problema.
J.C. – Podemos considerar a ameijoa asiática uma praga?
R.S. – Em alguns locais sim e no caso concreto do rio Minho, onde a densidade que existe por metro quadrado é muito elevada, também.
J.C. – Começa a ser um problema?
R.S. – Já é um problema há muitos anos. Quando comecei a vir para aqui em 2004 fazer estudos já era um problema. Há anos em que a densidade da espécie é maior do que outros mas sim, estamos a falar de uma biomassa muito elevada.
Ameijoa Asiática – Vários rios portugueses, incluindo o Minho, foram invadidos por uma espécie de amêijoa asiática. Por cada metro quadrado, há mais de mil ameijoas que estão a ameaçar a sobrevivência de diversas espécies. Vários rios portugueses foram invadidos por esta praga de ameijoa asiática – a Corbicula Fluminea – que não pode ser combatida. Por cada metro quadrado de rio, há mais de 1000 amêijoas que ameaçam a sobrevivência de várias espécies. Ninguém sabe como cá chegou, e não há forma de a combater, estando este bivalve a afetar sobretudo os rios do Minho. A ameijoa asiática foi detetada pela primeira vez no rio Minho em 1989.
Achigã – Foi introduzido em Portugal em 1898. Teve uma excelente adaptação espalhando-se por todas as bacias hidrográficas. É considerado um dos predadores que mais tem contribuído para uma diminuição de outras pequenas espécies.
Tenca – É um peixe muito comum, que se distribui pela maior parte da Europa. Embora a sua origem seja europeia, a sua popularidade para pesca desportiva provocou a sua introdução em cursos de água.
J.C. – A presença desta espécie tem vindo a aumentar ou a diminuir ao longos destes dez anos?
R.S. – Digamos que está mais ou menos estável. Há uns anos em que há mais e outros em que há menos. Se for um ano mais seco elas morre em grandes quantidades mas depois no ano a seguir recuperam. Digamos que há flutuações mas nos últimos dez anos tem estado mais ou menos estável.
J.C. – Tem ideia como é que essa espécies foi introduzida nos cursos de água europeus e de Portugal em particular?
R.S. – Para aqui não se tem ideia, mas sabe-se que na Europa um dos primeiros sistemas a ser invadido foi o Tejo. Existem duas hipóteses possíveis para essa invasão: uma é ter sido trazida por emigrantes asiáticos uma vez que na Ásia a espécie é comestível, e outra é vir como lastro nos navios. A água de lastro é deitada fora e dentro dessa água podem vir larvas e assim ser feita a introdução da espécie. A partir do momento em que ela está em Portugal a sua proliferação tem várias hipóteses.: às vezes são os próprios pescadores que utilizam a espécie como isco passando assim de uns rios para os outros, podem-se meter nas botas dos pescadores e ao deslocarem-se de um sistema para o outro podem transportar as larvas, e finalmente temos ainda os mecanismos naturais, ou seja, podem ir nos pelos das aves e dos mamíferos passando de uns sistemas para os outros. Mas é evidente que muitas atividades humanas têm contribuído para dispersão.
J.C. – Quais são os principais efeitos destas espécies nos ecossistemas onde se instalam?
R.S. –No caso concreto da ameijoa asiática estamos perante uma espécie filtradora ou seja, espécies que filtram muito a água, nomeadamente o fitoplancton que desta forma deixa de estar disponível para as outras espécies Este é um aspeto que podemos considerar negativo. Outro aspeto mais positivo é que a sua presença torna as águas mais claras. Outra situação é o facto destas invasoras poderem competir os recursos com as outras espécies nativas de bivalves. O que se tem verificado é que algumas dessas espécies têm desaparecido do sistema. A possibilidade da ameijoa ser utilizada como alimento de outras não é muito significativa uma vez que têm uma casca muito robusta e as espécies existentes no rio não têm capacidade para as consumir diretamente, só quando morrem e parte mole vêm à superfície é que os peixes as conseguem comer. Dependendo da perspectiva podemos dizer que existem aspetos positivos e negativos.
J.C. – E em relação ao lagostim vermelho?
R.S. – Em relação a essa espécie temos menos trabalhos, embora seja uma espécie que nos interessa pelos impactos que provoca. É uma espécie muito conhecida nos sistemas mediterrânicos e também existe no rio Minho e alguns afluentes.
J.C. – O que é que a sua presença provoca nos locais onde aparece?
R.S. – É uma espécie que pode consumir plantas, remexe o sedimento tornando as águas um pouco mais turvas. Pode consumir larvas de peixes e em alguns sítios fazem buracos juntos às margens o que pode aumentar a erosão do próprio sistema. Aqui nominho há um local ou outro onde esses buracos junto à margem são visíveis.
J.C. – E relativamente às outras espécies invasoras?
R.S. – Existem outras espécies de peixes invasores como é o caso da carpa, do achigân, entre outras mas, nesses casos a densidade não é tão preocupante como a da ameijoa ou do lagostim. A densidade para já é pequena mas no futuro não quer dizer que isso não se possa alterar e por isso temos que estar atentos.
Lagostim Vermelho – É proveniente do Estado da Louisiana, EUA. Foram transportados para a Península Ibérica em 1973. É considerada uma espécie invasora em Portugal. Os seus habitats preferidos são os lagos e rios com pouca corrente. Quando o nível das águas desce, enterram-se no solo. Os lagostins são omnívoros, têm uma dieta alimentar muito variada, alimentam-se de plantas aquáticas, podem consumir detritos e carcaças de peixe. Também comem moluscos, insetos, vermes, larvas, girinos e mesmo alguns peixes.?Os alimentos mais consumidos são no entanto de origem vegetal.
Perca-sol – Terrivelmente territoriais, competem com qualquer outro animal que tente “ocupar” o seu lugar (habitat). Foram levados da América do Sul para a Europa para a pesca desportiva, sendo assim considerada uma espécie invasora.
J.C. – Para além da monitorização é possível fazer mais alguma coisa?
R.S. – No caso concreto da ameijoa que é um organismo que está no sedimento, é muito difícil gerir o processo. Como lhe disse há pouco se a espécie fosse comercial e houvesse apanha, em teoria essa densidade iria diminuir e por consequência os impactos iam ser menores.
J.C. –Relativamente ao Simpósio que apreciação faz do certame?
R.S. – Pessoalmente gosto muito porque tem duas vertentes distintas: uma mais cientifica e outra menos cientifica que nos dá uma perspectiva diferente relativamente a outros problemas para os quais não estamos tão vocacionados. Isso dá-nos pistas para outros problemas que futuramente podem ser alvo de estudo.
J.C. – Vai continuar a estudar o rio Minho?
R.S. – Isso sem dúvida…