Já chegou a atingir valores acima dos 400 euros o quilo mas, neste momento, o preço que é pago ao pescador não ultrapassa os 200 euros. Em apenas um ano, o valor do meixão, a espécie melhor paga do rio Minho, desceu para menos de metade do preço e, na última lua, os valores pagos por quilo não ultrapassaram os 180 euros.
Sendo certo que o rio Minho é o único rio onde a captura do meixão é permitida, que o número de espécies não aumentou nem diminuiu em relação aos anos anteriores, mantendo-se, segundo os pescadores, mais ou menos estável, e que a procura do meixão, principalmente no mercado espanhol, continua a ser grande, impõem-se a pergunta: porquê esta queda vertiginosa no preço?
Os pescadores apontam uma explicação para tudo isto e todos são unanimes em afirmar que: “muito do meixão que é pescado de forma ilegal nos restantes rios portugueses é legalizado de forma ilegal no rio Minho, através de faturas falsas. O que acontece é que esse meixão entra no mercado como sendo pescado no rio Minho, o que de facto não corresponde à realidade. Ele vem de outros locais e, apesar da fiscalização e de por vezes serem apreendidas grandes quantidades de meixão pescado de forma ilegal, a verdade é que há muito que consegue passar.
Ao inundarem o mercado com meixão capturado noutros locais, o preço desce porque há mais oferta”, explicam.
A verdade, segundo os pescadores, é que se o meixão vendido fosse apenas aquele que é pescado no rio Minho, “e que é uma ínfima parte”, o preço seria final seria bem diferente. “Não tenho a menor dúvida até porque não há assim tanto meixão que justifique uma quebra tão drástica no preço ”, garantem.
Mas se é verdade que o preço que é pago aos pescadores por quilo do meixão é “muito baixo”, o mesmo não acontece com o que chega ao consumidor.
Segundo Ilídio Pita, pescador de Seixas, na primeira subasta de meixão que aconteceu em S. Juan de Arena, uma localidade espanhola, o preço chegou aos 3 mil euros o quilo.
“Estamos a falar do primeiro quilo que foi rematado para um restaurante muito famoso de Madrid. Depois disso os preços baixaram mas nunca para valores que justifiquem pagar tão pouco aos pescadores”.
A captura do meixão tem início em novembro e termina na lua de fevereiro. Depois desta data a sua captura é expressamente proibida e quem não obedecer, sujeita-se a pesadas coimas e apreensão das artes.
Cada lua tem uma duração aproximada de 10 a 12 dias e cada barco não pode pescar mais do que 3 quilos de meixão por dia.
Neste momento, os pescadores do rio Minho preparam-se para a última lua que deve arrancar lá para 12 de fevereiro. Esta é a última oportunidade para ganharem um pouco mais porque, apesar do preço ter baixado muito, “se der alguma coisa ainda vale a pena”.
Paulo Passos é agente da PSP e nas folgas dedica-se à pesca. Anda no rio porque gosta e porque isso o vai ajudando a equilibrar as contas.
“Sabe como é, temos que fazer pela vida porque as despesas são muitas!”
Filho de pescador, Paulo Passos aprendeu cedo os segredos desta vida dura. Tirou a cédula de pescador tinha apenas 16 anos e, apesar de não ser esta a sua principal atividade, nunca deixou de ir à pesca.
Desde novembro que Paulo Passos, à semelhança dos restantes pescadores do rio Minho, tenta a sua sorte na captura desta do meixão. Segundo revelou ao Jornal C a faina até nem tem corrido mal, mas o preço a que estão apagar este ano o meixão está muito baixo em relação aos anos anteriores.
“Este ano até tem dado uns meixões mas o que acontece é que o preço baixou muito. Não sei o que aconteceu porque no ano passado chegaram a pagar uma lua a 400 euros o quilo e este ano o máximo que pagaram foi 180 euros”, revela.
Segundo o pescador esta baixa de preço não se justifica até porque o meixão continua a ser revendido pelos intermediários a preços exorbitantes. “Estamos a falar de preços que podem chegar aos 700 ou 800 euros o quilo”.
O meixão que é pescado no rio Minho vai todo para Espanha, principalmente para a zona do País Basco ou então segue para a China.
“No País Basco é consumido como iguaria gastronómica e na China é utilizado para proteger os arrozais de determinadas pragas”, explica Paulo Passos.
A captura do meixão é feita com uma rede de malha muito apertada, a chamada tela, e uma rapeta que é uma espécie de coador de grandes dimensões que serve para retirar o meixão da água. Rapetar é um jogo de paciência que pode demorar várias horas. Às vezes, quando a sorte não ajuda, os pescadores podem estar horas seguidas a “coar água”.
“Nós lançamos a tela que é uma rede que depois de aberta com a força da água, forma uma espécie de U. O meixão vem com a água e ao bater na tela não consegue passar e sobe até ao barco onde nós estamos com a rapeta para os apanhar. Estamos assim durante umas cinco horas a coar água que é o tempo que dura uma maré”, explica.
Em noite de temporal é quando geralmente dá mais meixão garante este pescador que, no entanto, não sabe explicar o porquê da preferência da espécie pelo mau tempo. “Não sei porquê, o que sei é que quando está mau tempo dá mais”.
Pescador há mais de 20 anos, Paulo Passos não nota que o meixão esteja a desaparecer no rio Minho. Na opinião deste pescador tem-se mantido uma certa estabilidade.
“É verdade que há anos que pode dar um bocado mais do que outros mas de uma forma geral julgo que se tem mantido. Não é uma espécie que se apanhe em grandes quantidades mas no ano passado, por exemplo, tive luas de apanhar 4 e 5 quilos e até mais. Este ano por exemplo também já se pescou alguma coisa. Posso-lhe dizer que na última lua fui lá várias vezes e ao todo apenhei cinco quilos. Já não é mau”.
O rio Minho é o único rio português onde a captura desta espécie é legal. O caráter de excecionalidade fica a dever-se ao facto deste ser um rio internacional e, como Espanha não proíbe a captura do meixão, os pescadores portugueses também o podem fazer.
“Não fazia sentido os pescadores espanhóis poderem pescar e nós, que andamos no mesmo rio, não o podermos fazer. É por isso que só no Minho é que a captura desta espécie é permitida. Nos restantes rios portugueses essa captura não se faz, pelo menos de forma legal”.
Enquanto Espanha não proibir a captura desta espécie os pescadores portugueses do rio Minho vão estar protegidos pela lei espanhola.
“Se um dia isso acabar vai ser complicado porque a pesca do meixão ainda continua a ser uma boa fonte de rendimento para os pescadores desta zona” explica.
O RIO MINHO É A MAIOR EMPRESA DO ALTO MINHO
Mais a norte, na freguesia de Seixas, também se aguarda com expetativa a última lua de fevereiro. Ilídio Pita, Osvaldo Cacais, Joaquim Ferreira, António Cacais, Aurélio Rego e José Oliveira, são todos pescadores que tiram do rio Minho o seu sustento. Ao todo, entre portugueses e espanhóis, são perto de 700 pescadores que ali exercem a sua atividade. São muitas famílias que dependem deste recurso natural, algumas delas em exclusivo e é por isso que alguns não hesitam em afirmar que o Minho é sem dúvida a maior empresa do Alto Minho.
A afirmação é feita por Joaquim Ferreira, pescador há vários anos mas que pelo meio experimentou outras profissões. Tal como muitos também ele teve necessidade de recorrer à pesca para conseguir ganhar a vida. A crise na construção e a falta de emprego assim o ditou e o “Quim” como é conhecido pelos companheiros, não é exceção.
“Isso tem vindo a acontecer e não falamos em um ou dois casos, são muitos. Repare a construção civil está parada, muitas pessoa perderam o seu emprego e a verdade é que o rio ainda vai dando para muita gente se safar”.
Tal como em Caminha, também os pescadores de Seixas se queixam dos preços baixos que são pagos pelos compradores.
“O problema é que só há um ou dois compradores, e são eles que ditam as regras e nós temos que nos sujeitar porque não podemos ficar com o peixe por vender”.
Quando saem para o rio os pescadores não sabem a como os compradores vão pagar. “Podemos sair com o preço a 180 euros o quilo e no regresso já estar a 120, independentemente de pescarmos muito ou pouco. Mas também se pode dar o caso de aumentar no dia a seguir, andamos nisto, são eles que têm o monopólio”, explica Aurélio Rego.
O destino do meixão capturado no rio Minho é Espanha e Sul de França. Neste momento já não vai para o Oriente porque, explica Ilídio Pita, “existe uma normativa comunitária que proíbe a exportação para fora da Europa.
“Também vai muito para a Alemanha para criação de enguias. Só para ter uma ideia, 100 quilos de meixão podem dar origem a 40 toneladas de enguia”.
INTRODUÇÃO ILEGAL DE MEIXÃO NO MERCADO ATRAVÉS DO RIO MINHO
Contatada a Capitania do Porto de Caminha, entidade designada para a fiscalização do cumprimento do Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, o Capitão do Porto, Comandante Gonzales dos Paços, confirmou ao Jornal C a existência de “fortes suspeitas de que o meixão pescado ilegalmente noutros rios, esteja a entrar no mercado através do sistema de venda que está implementado no rio Minho”. Apesar das suspeitas o Comandante adianta que “até ao momento ainda não foi possível obter provas sólidas para incriminar os eventuais infratores”.
O Capitão do Porto explica que devido à distância ao posto de vendagem de Caminha, a Direção Geral de Recursos e Segurança Marítima (DGRM), concede autorizações de venda direta ao pescadores cujos fundeadouros das embarcações se situam a montante de Seixas.
“Isto quer dizer que os pescadores que não são de Caminha não são obrigados a ir à lota com o peixe. É-lhes fornecido pela DGRM um livro de faturas e as guias de transporte e apenas tem que entregar os documentos na Docapesca até ao dia 15 do mês seguinte, mas devem comunicar essas capturas nas 48 horas subsequentes”.”. Portaria nº 247/2010
Soluções para combater esta atividade ilegal, o comandante aponta uma: “Na minha opinião uma das soluções seria acabar com as vendas diretas e criar postos de vendagem ao longo do rio. Mas para que isso aconteça terá que haver uma intervenção por parte das enti-dades competentes que neste caso é a Docapesca”.
Estabelecer uma relação direta entre esta infração e a baixa do preço “não tenho dados que permitam fundamentar esta afirmação sendo uma área que já foge ao meu âmbito de competência” explica o comandante.
ASSOREAMENTO DO RIO É OUTRO PROBLEMA GRAVE
Mas o preço cada vez menor que é pago pelas espécies capturadas no rio Minho, às quais se juntam também a lampreia que, apesar de estar praticamente no início, já está a ser paga “ao preço da chuva”, não é o único problema dos pescadores.
O estado de assoreamento em que o rio se encontra, dificultando a entrada de espécies e a navegação naquele curso de água, é outro dos problemas com que os pescadores se debatem no dia a dia.
Em Seixas a opinião é unânime: “O que era preciso era uma intervenção a sério. Um desassoreamento como aquele que fizeram em Vila Praia de Âncora em que as areias retiradas foram depois depositadas em alto mar. Aquilo que estão a fazer em Caminha, tirar a areia de um lado e pôr no outro, não serve para nada, só serve para por o rio ainda pior. Não adianta porque ao retirarem a areia e ao colocarem-na 200 ou 300 metros mais à frente, de certeza que ela vai voltar ao mesmo sítio”.
O rio está todo seco e já começa a ser impossível trabalhar, garantem os pescadores. “Em Pedras Ruivas mais um ou dois anos e já não se passa. Na maré vazia a água mais profunda naquela zona não vai além do meio metro e já nos estamos a ver à rasca para conseguirmos passar para Caminha”.
Uma dragagem da barra para cima era a situação ideal, defendem os pescadores. “Isso é que era”.
Aos problemas do rio Minho os pescadores juntam ainda uma “grande falta de apoio” por parte das entidades responsáveis.
“Há muito que as autoridades competentes não fazem nada pelos pescadores e a situação mantem-se. As promessas em terra não interessam para nada, o que nós queríamos é que fizessem alguma coisa em cima da água, a tal dragagem que falávamos há pouco. Sou pescador há mais de 30 anos e a verdade é que neste anos todos pouco ou nada se fez, continua tudo na mesma”, lamenta Aurélio Rêgo.
A falta de uma associação de peso, capaz de representar e defender os interesses dos pescadores, é outra das lacunas apontadas.
“O que nós precisamos é de uma associação forte que nos represente e que defenda os nossos interesses. Na nossa opinião em vez de existirem tantas associações devia existir só uma mas que fosse forte”, defendem os pescadores.
LAMPREIA AO PREÇO DA CHUVA
Enquanto a lua do meixão não chega, os pescadores do rio Minho dedicam-se à pesca da lampreia uma espécie que este ano parece tardar em chegar.
Mas apesar de haver poucas e de ser considerada uma das melhores, a lampreia do rio Minho está a ser paga a um preço muito baixo. Até agora os pescadores não conseguiram vender a lampreia a mais de 20 euros as maiores e 10 as mais pequenas.
“A lampreia está a um preço ridículo. Não se percebe porque é que por uma diferença de apenas 50 gramas, uma lampreia passa logo a custar metade. É o que está a acontecer neste momento. Se uma lampreia pesar 1quilo e 200 gramas custa 20 euros, mas se pesar só 1 quilo e 150 gramas, por exemplo, já só pagam 10 euros. Mas depois são todas vendidas a 20 euros porque a diferença é mínima. Isso não é justo, a lampreia, tal como o outro peixe, devia ser paga ao quilo e assunto arrumado”, defendem os pescadores.
Longe vão os tempos em que as lampreias eram vendidas a sete e oito contos cada uma. “Isso nunca mais aconteceu. Hoje em dia as gerações mais novas não gostam de lampreia e isso faz com que sejam muito menos procuradas. Antigamente as pessoas de mais idade gostavam e apreciavam e por isso é que as primeiras que apareciam eram vendidas a preços altos. Até vinham de propósito à praia ter com os pescadores para as comprarem. Isso hoje acabou. Por outro lado temos o problema dos compradores que não pagam mais e nós temos que vender ao preço que eles querem.
Não se compreende que na lota em Caminha a lampreia seja paga a 20 euros e em Viana paguem a 50. Há aqui alguma coisa que não bate certo”.
A escassez da lampreia é normal dizem os pescadores porque ainda é cedo. A água doce não entra no rio e isso afasta a espécie. Uma coisa é certa se as poucas que vai havendo são pagas a preços tão baixos, se houver muita lampreia ela vai ser vendida ao “preço da chuva”.
“No ano passado chegamos a vender lampreias a dois euros e meio, é ridículo”.