Com o arranque dos anos 40, José Porto inicia um período de transição profissional para um novo e desconhecido mercado, a cidade da Beira em Moçambique. Consta que a sua viagem teria sido no ano de 1942, porém continua a desenvolver diversos projetos a norte de Portugal, principalmente no âmbito do prédio de rendimento, equipamentos ou edifícios públicos. Pode-se aqui frisar o edifício da Casa do Douro, situado no Peso da Régua, cujo projeto data do ano de 1941 e cuja obra foi inaugurada em 1944, acabando por coincidir com a sua viagem para terras de África.
Este é um projeto de cariz nitidamente urbano e institucional, com uma linguagem relacionada com a arquitetura imposta pela poética do Estado Novo, onde inclusive se pode observar o impactante revestimento a pedra natural polida, uma das imposições na arquitetura do regime para potenciar o consumo e impulsionar a indústria nacional. A sua grande dimensão, contrastante com a estreita rua onde se implanta, impõe um respeito de entidade pública, onde a linguagem clássica modernizada compõe todas as fachadas principais. Ao nível dos interiores, faz-se surgir uma linguagem art déco onde os grandes vitrais coloridos, da autoria do artista Lino António, dão vida a todo o espaço trabalhado arquitetonicamente de forma cénica e relativamente imponente.
Este edifício, como acontece noutras obras deste período, vê-se, provavelmente, privado da figura do arquiteto José Porto no decorrer da sua construção, motivado pelos largos períodos de trabalho em Moçambique, levantando a questão de quem de facto acompanhou a produção da obra e dos seus acabamentos. Sabendo que o arquiteto modernista Alfredo Viana de Lima acompanhou os acabamentos da Casa da Vilarinha do cineasta Manoel de Oliveira, cujo projeto era de José Porto, pode ser, portanto, levantada a possibilidade do próprio Viana de Lima ter também acompanhado a obra da Casa do Douro, devido à sua dimensão e importância, ou ter mesmo até acompanhado a casa do Sr. José Dias de Oliveira, fundador das indústrias Riopele, cujo projeto era também de José Porto. Todas estas possibilidades coincidem no mesmo, e curto, espaço de tempo, reforçadas pela sabida relação de amizade entre José Porto e Viana de Lima.
Reforçando esta probabilidade, está o projeto para a reabilitação do Grande Hotel Império do Porto, antigo Hotel Sul Americano, na Praça da Batalha, cujo anteprojeto é desenvolvido por José Porto e Viana de Lima no ano de 1942. Contudo o projeto final acaba por ser executado por Viana de Lima e Ricca Gonçalves no ano seguinte, justamente no período de estadia profissional de José Porto na cidade da Beira. Apesar do projeto aprovado para o hotel não ser de José Porto, a solução acaba por ser desenvolvida de acordo com as premissas e solução arquitetónica do seu anteprojeto. Este é um edifício que se considera, por alguns autores portugueses, como uma “aproximação a Le Corbusier em termos de edifícios altos”, considerando-o como uma peça notoriamente modernista para época, mesmo sendo de uma reabilitação. Hoje, é um edifício totalmente descaracterizado da realidade da solução desenvolvida.
No decorrer deste ano de 1942, José Porto desenvolve o anteprojeto para a remodelação do Teatro Águia D’Ouro, também situado na Praça da Batalha no Porto, onde faz sentir o seu traço e conhecimento neste tipo de programa arquitetónico, resultado de antigas participações no desenvolvimento do anteprojeto para a remodelação do Teatro Gil Vicente no ano de 1935, localizado nos jardins do antigo Palácio de Cristal, projeto esse premiado pela Câmara Municipal do Porto e parabenizado pela direção do espaço, realçando a sua beleza e necessidade urgente da sua realização. Porém, acaba este projeto por não ser construído, uma vez que o antigo complexo do Palácio de Cristal foi demolido em 1951 para a construção do atual edifício. Também nos seus antigos tempos de início de carreira na cidade de Paris, José Porto desenvolve, no ano de 1927, o anteprojeto para o novo Cinema Gaumont Palace nessa cidade. Uma solução que julgamos ser com a intenção de concorrer ao projeto para a construção, o qual não sai vencedor.
A ida da José Porto para a cidade da Beira surge referida nas, poucas publicações de estudos sobre ele, como no ano de 1942. No entanto, o arquiteto foi o autor do projeto do Cinema Olympia na Beira, sendo que, de acordo com os arquivos fotográficos, a inauguração do edifício data de dia 1 de Janeiro de 1942, logo o projeto teria de ser, na melhor das hipóteses de 1941, colocando José Porto na cidade nesse mesmo ano. Notória é a qualidade e método de trabalho do arquiteto ao conseguir, num tempo em que a tecnologia era inexistente face aos dias de hoje, produzir diversos projetos em simultâneo tanto na cidade do Porto como na Beira.
Neste cinema implantado num lote de gaveto e de escala relativamente reduzida, José Porto ensaia um modernismo que traduz uma ténue génese do modernismo Stream Line americano, onde o edifício ganha uma vida geometrizada por um conjunto de traços, em alto relevo, que o percorrem e onde surge o elemento vertical saliente, centralizador da porta principal do equipamento. Nesta obra, o arquiteto recorre à introdução da pedra natural nas fachadas ao nível do transeunte, solução que não é vulgar na sua linguagem modernista. De ressalvar que a introdução deste modernismo na cidade da Beira, revela-se, ainda nesta altura, como uma novidade extrema.
Nesta Colónia portuguesa José Porto intervém numa escala de cidade, desenvolvendo o Ante-Projeto de Urbanização da Cidade da Beira. Um trabalho “apresentado em concurso público e unanimemente classificado em primeiro lugar” , “aberto pela Câmara Municipal em 23 de Janeiro de 1943”, e que pretendia levar evolução, modernidade e turismo endinheirado à região, formalizando a sua organização urbana a um sistema misto, radial e de avenidas principais direcionadas e cruzadas por ruas perpendiculares, sem nunca esquecer os espaços verdes sociais. Este conceito recebe influências das dinâmicas das cidades europeias, vibrantes e proporcionadoras de vida e momentos comunitários.
Com esta definição, pode caracterizar-se José Porto como, também, um urbanista conhecedor e capaz de resolver, de forma eficaz e com visão, a plataforma para a criação de uma nova cidade, onde aplica os conhecimentos urbanos vividos e absorvidos anteriormente na sua estadia profissional na cidade de Paris, e noutras viagens que muito provavelmente fez.
Contudo esta cidade proposta, recebe duras críticas por parte do Arq. João António de Aguiar, adjunto do Gabinete de Urbanização Colonial, onde refere aspetos como as características das ruas e sua malha urbana que ele caracteriza como “muito afastado das verdadeiras necessidades da cidade e em desacordo completo com os mais elementares princípios que costumam orientar um trabalho desta natureza”. A bem de uma lógica análise e verdade, a proposta desenvolvida por José Porto segue uma estrutura europeia do modernismo urbano, com casos mais antigos, perfeitamente válidos e testados, como Paris ou Barcelona.
O direito de resposta de José Porto e do seu colega Eng.º Ribeiro Alegre veio em forma de livro, com a edição da “Resposta ao parecer do Gabinete de Urbanização Colonial, acerca do Anteprojeto de Urbanização da Cidade da Beira” no ano de 1946, produzido em 3000 exemplares, e onde defendem e fundamentam todas as decisões tomadas na conceção do projeto, desmontando as críticas recebidas.
Devido ao percurso social e político do país, o plano projetado acaba por não ser implementado na sua totalidade, mas é evidente, aos dias de hoje, a estruturação de uma significativa parte da cidade com base no seu projeto, refletindo-se na organização do território e da atual malha urbana.
É aqui na cidade da Beira que passa a desenvolver uma diversidade de projetos, sempre em paralelo com a produção de prédios de rendimento na cidade do Porto, alguns ainda hoje considerados ex libris da cidade, e que abordaremos no próximo artigo.