Se não é a mais antiga, é seguramente uma das instituições mais antigas do concelho e uma das misericórdias mais antigas do país. Fundada em 1516, a Santa Casa da Misericórdia de Caminha (SCMC) prepara-se para comemorar, em 2016, 500 anos de existência. Fundada 18 anos depois da primeira Misericórdia do país, a de Lisboa, a instituição caminhense assume à data o mesmo compromisso que a sua congénere de Lisboa, fundada em 1498 pelo Frei Miguel Contreiras, com o apoio da rainha D. Leonor, de quem era confessor.
Celisa Alves, coordenadora geral da Santa Casa da Misericórdia de Caminha, refere a propósito que a instituição já está a preparar as comemorações dos cinco séculos, nomeadamente com a edição de uma obra “que resume precisamente esses 500 anos de história da instituição”.
“Estamos a falar de uma Misericórdia que surge 18 anos depois da fundação da primeira, a de Lisboa, e cujo compromisso é o mesmo apenas com algumas diferenças em termos de aplicação de um ou outro artigo, uma vez que se trata de dois territórios diferentes, com realidades distintas”, explica.
A importância que desde então, ao longo dos últimos 500 anos, as Misericórdias assumiram na sociedade portuguesa é notória. Ao longo do seu percurso passaram por diferentes fases, evidenciando sempre uma grande capacidade de sobrevivência a todo o género de vicissitudes. Trata-se portanto de um percurso singular, porque envolve épocas com contextos políticos, religiosos e sociais distintos. Defender a dignidade da pessoa humana, trabalhar pelo bem comum e praticar a solidariedade, são princípios fundamentais destas instituições, que assentam em 14 obras de Misericórdia, sete corporais e sete espirituais, que ainda hoje, passados 500 anos, se mantêm.
“A matriz de todas as respostas sociais que as misericórdias dão, desde há 500 anos, ainda hoje se mantém, não mudou. As realidades é que se foram alterando e as necessidades também, mas a matriz é a mesma. As misericórdias continuam a dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, a vestir os nus e a dar sepultura aos mortos. São princípios que ainda hoje vigoram, uns mais actuais do que outros mas permanecem. Repare, se calhar, há uns anos atrás o dar de comer a quem tem fome deixou de fazer sentido, hoje não é bem assim e a prova é que criamos há bem pouco tempo uma cantina social para precisamente dar de comer a quem tem fome. Esta é portanto uma das obras cuja actualidade é indiscutível”, sublinha Celisa Alves.
À data da sua criação, a Santa Casa da Misericórdia de Caminha tinha duas obras consideradas extremamente importantes: Dar a esmola aos pobres e acudir aos presos.
“Havia um membro da mesa denominado o visitador das esmolas, cuja tarefa era visitar os pobres e distribuir as esmolas conforme as suas necessidades, garantindo dessa forma a sua sobrevivência. Por outro lado visitar os presos era das maiores obrigações da misericórdia. Hoje em dia, e no caso concreto de Caminha, esta última já não fará muito sentido até porque nem existe aqui nenhuma instituição prisional mas noutras misericórdias isso ainda se faz através de grupos de voluntários”, explica.
Fazer parte de uma Misericórdia conferia prestígio e não era toda a gente que podia integrar a irmandade. No caso concreto da Misericórdia de Caminha, o número de irmãos não deveria exceder os 100 (50 nobres e 50 oficiais – não poderiam ser aprendizes nem obreiros), deveriam ter domicílio na vila de Caminha e ser maiores de 25 anos. Tinham que saber ler e escrever e ter bens próprios e meios que lhes permitissem sustentar-se comodamente para que a necessidade não os obrigasse a aproveitar-se dos bens que ficassem sob sua responsabilidade. Diz o compromisso, “que o tesoureiro devia ser uma pessoa nobre e abastada para que com grande zelo e verdade correse pela sua mão todo o rendimento e despesa da casa, deveria ser rico de bens materiais para que a necessidade própria o não obrigasse a tratar com menos fidelidade do que se requer o que corresse pelas suas mãos”.
Outras 2 figuras importantes eram, como já referimos, o mordomo dos presos e o visitador das esmolas. E se o primeiro deixou de fazer sentido no contexto actual, o mesmo já não acontece com o segundo.
“Os anos passaram, os nomes mudaram mas as necessidades, essas, mantêm-se. Hoje os termos utilizados são diferente, fala-se em exclusão social, solidariedade, desigualdades económicas numa sociedade que vive tempos difíceis, com graves situações de desigualdade”.
Mantendo a matriz das 14 obras de Misericórdia, a SCMC, ao longo dos seus quase 500 anos de história, tem desenvolvido múltiplas actividades de carácter social e religioso, de apoio à população do concelho de Caminha, através da dinamização de um conjunto de respostas sociais que, actualmente, se traduzem em creche, jardim-deinfância, lar de idosos, serviço de apoio domiciliário, cantina social e igreja da misericórdia.
“De todas as valências aquela que neste momento nos preocupa mais em termos da sua sustentabilidade é a creche e jardim de infância. Com uma capacidade instalada para 66 crianças, a verdade é que nos últimos anos não temos atingido essa capacidade. Actualmente estamos com 51 crianças e as perspectivas para o próximo ano lectivo, que se inicia em setembro, não são as melhores. Isso coloca-nos alguns problemas, nomeadamente na gestão dos recursos humanos”.
A diminuição gradual da taxa de natalidade, o desemprego das mães e o aumento da oferta por parte de outras instituições do concelho, originaram esta diminuição na procura. Celisa Alves considera mesmo que “neste momento existe mais oferta do que procura”.
Sinal de que o país está a envelhecer, a situação na valência lar inverte-se. Apesar da lista de espera ter diminuído em relação a anos anteriores, ainda é preciso esperar por vaga para que um idoso possa entrar no Lar de Santa Rita de Cássia.
“Neste momento temos 37 idosos no lar, está portanto lotado. Temos lista de espera mas devo dizer que também aqui houve uma diminuição. Com o desemprego as pessoas têm mais disponibilidade para cuidar dos idosos”.
O apoio domiciliário é outra das valências da SCMC que neste momento presta apoio a cerca de 17 pessoas.
“Temos vários serviços que vão desde a higiene pessoal, habitacional e alimentação, ao tratamento de roupas e acompanhamento psicológico”.
Face à crise económica que o pais atravessa, de dimensão extraordinária, as situações de alarme social são cada vez mais visíveis e a instituição é procurada como centro de recursos para resolver problemas sociais. Atendendo a esta realidade, a SCMC criou recentemente uma loja social e uma cantina social que presta apoio aos mais necessitados.
“A loja social, a funcionar há alguns meses aqui em Caminha, está aberta à quarta-feira e funciona exclusivamente em regime de voluntariado. Temos tido bastantes solicitações e temos dado resposta a nível de roupa, calçado, material escolar e ajudas técnicas. Relativamente à cantina social ela ainda está a dar os primeiros passos. Neste momento já fornecemos refeições a 8 pessoas mas temos capacidade para servir 30 refeições diárias”.
Segundo Celisa Alves esta é uma valência que se justifica na medida em que “existem situações de pobreza extrema. Não são muitas mas existem, principalmente nas zonas mais urbanas”.
Apesar do papel importante que desenvolvem, a maior parte das IPSS convivem com os limites da sustentabilidade. A SCMC não é excepção. A instiuição, que dá trabalho a meia centena de pessoas é uma das maiores entidades empregadoras do concelho. Preservar os postos de tabalho de todos os colaboradores é um dos grandes desafios da instituição que tal como as restantes IPSS está a aprender a adaptar-se às novas exigências.
“Temos uma população envelhecida, uma taxa de desemprego preocupante e algumas situações criticas de pobreza. São estes os 3 vectores que deverão nortear as acções a desenvolver”, sublinha a coordenadora da instituição.
Apesar das dificuldades a SCMC tem projectos para o futuro que passam, a breve prazo, pela conservação do património da instituição, nomeadamente algumas obras na igreja e a recuperação do edifício quatro quartéis de esquadra. A longo prazo a instituição quer dar uma nova utilidade ao espaço que era ocupado pela piscna entretanto desactivada. Ali a SCMC quer criar uma residência para idosos. Comemorar com dignidade os 500 anos da instituição é outro dos projectos desta instituição que, tal como no passado, ainda hoje presta apoio aos que mais precisam.