A EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO E A AÇÃO DA PNEUMÓNICA
No Gráfico 1, a observação dos dados referentes aos recenseamentos realizados entre 1864 e 1920, na cidade de Viana do Castelo e concelhos de Caminha e Cerveira permite concluir que, à exceção deste último concelho (que mantém uma certa estagnação populacional) a evolução da população foi positiva até 1911. Porém, entre esta data e 1920, ou seja, durante toda uma década, na cidade de Viana de Castelo somente se registaram mais 267 indivíduos. Por sua vez, no concelho de Caminha, verificou-se uma redução de 1090 pessoas e, em Cerveira, um ligeiro aumento de 63. Este panorama indica um recuo demográfico, certamente ligado à sobremortalidade associada às epidemias, em particular, à pneumónica. Só após 1920, é que podemos verificar um claro relançamento demográfico.
Constatou-se igualmente uma depressão populacional no recenseamento de 1920, como taxas de crescimento anual médio praticamente nulas. De notar que, no recenseamento de 1890, se observaram também taxas negativas nos concelhos de Caminha e de Cerveira. Nesta data, tinha deflagrado a epidemia gripe russa ou influenza (da mesma estirpe que a pneumónica) que provocou igualmente um importante travão no crescimento populacional.
Os efeitos produzidos pela pandemia pneumónica podem ser observados nos movimentos fisiológicos dos concelhos, como é o caso de Caminha no gráfico seguinte. elaborado a partir dos registos paroquiais de nascimentos e de óbitos. O saldo é negativo entre 1918 e 1919, anos em que a morte ganhou espaço à vida. Se no primeiro ano, a pandemia parece encontrar-se na origem deste saldo, no segundo deu-se uma série de surtos sucessivos – pneumónica larvar, varíola, tifo exantemático, tuberculose – que explicam o continuado definhamento populacional. O ano de 1920 reflete ainda valores associados à debilidade física generalizada.
Podemos observar o volume comparado de óbitos nas duas paróquias vianenses entre 1916 e 1920 (Gráfico 3). Podemos verificar a enorme elevação de óbitos durante o ano pandémico, atingindo praticamente o dobro dos demais anos analisados. Comparando o volume de óbitos ocorridos no ano de 1918 nas duas freguesias, conclui-se que é muito idêntico. Nos anos seguintes e, ultrapassada a pandemia, o volume de óbitos voltou à normalidade, se tivermos em conta os anos enquadrantes.
Durante o período pandémico, nos registos na paróquia de Monserrate incluímos os óbitos de militares (domiciliados na paróquia ou falecidos no Hospital do Quartel Militar). Já na paróquia de Santa Maria Maior, introduziram-se os óbitos ocorridos nos hospitais da Misericórdia e da Caridade e no Asilo das Meninas Órfãs.
No Gráfico 4, calculámos o movimento sazonal de óbitos na cidade de Viana do Castelo, desde janeiro de 1916 a dezembro de 1920. O pico pandémico destaca-se claramente entre agosto e dezembro de 1918, com o seu máximo durante o mês de outubro no qual, pelo cruzamento das várias fontes referidas, se atingiu um total de 163 óbitos.
No Gráfico 5, podemos acompanhar o movimento sazonal de óbitos no concelho de Caminha em idêntico período. No mês de outubro de 1918 assinalam-se 132 óbitos, sendo que no mês seguinte se verificou ainda um volume severo de 94 mortes. Até ao final de 1920, prevaleceu um movimento bastante instável, que se associa ainda a alguns casos de pneumónica, mas também aos já referidos surtos de varíola e de tifo exantemático, registados entre as patologias dos doentes internados no Hospital.
Em idêntico período, no concelho de Cerveira (Gráfico 6), podemos testemunhar a progressiva elevação de óbitos já a partir do mês de agosto, atingindo o seu pico também em outubro. O mês de novembro ainda revela sobremortalidade ao óbito, se bem que este movimento caia a pique em dezembro. No ano de 1919, novo pico de igual dimensão se observa entre agosto e setembro, o que mais uma vez associamos a surtos violentos de varíola e de tifo exantemático. No jornal Echos de Cerveira lamentava-se: Cerveira acha-se assaltada por mais uma epidemia! O tifo, há tempos, causou perdas irreparáveis a este inditoso concelho. Hoje, novamente se vê atribulado, enlutado! Triste fadário o seu!”. A primeira vítima será uma menina de 8 anos, acometida da doença a 30 de julho e falecida a 8 de agosto.
Sabemos que, durante a crise pandémica, nem todos os óbitos lançados foram consequência da gripe, mas tudo leva a crer que a grande maioria o foi, além desta atuar e agravar outras patologias associadas a nível respiratório ou cardíaco. Sendo inquestionável a ação da pneumónica no movimento de óbitos de 1918, particularmente, nos meses entre agosto e dezembro, pretendemos agora indagar acerca do volume de óbitos nas diferentes faixas etárias. Através da Figura 1, podemos verificar que foram mais atingidos os indivíduos até aos 40 anos de idade. Em Viana do Castelo, estes somaram 71,9% dos falecidos, no concelho de Caminha 58,2% e em Cerveira 62,8%.
Articulando os dados das figuras anteriores, calculámos, na Figura 2, as idades médias anuais ao óbito entre 1916 e 1920 e, ainda, as dos indivíduos falecidos durante a crise pandémica. Concluimos que a idade média diminuiu consideravelmente durante o ano de 1918, sendo que, durante os meses de crise, desceu ainda mais (entre 6 a 11 anos), confirmando o ataque da pandemia às camadas mais jovens. Tomemos como exemplo o caso extremo de Cerveira. Entre 1916-1917, a média de idades ao óbito foi de 50,1 e 57,4 anos. Em 1918, caiu para 45,9 anos. Porém, durante a crise pneumónica, a média de idades desceu 10 anos, ou seja para 35,5 anos.
Esta constatação entronca com a eclosão da gripe russa entre 1889-1890, atrás mencionada. Tudo indica que as gerações que sofreram os seus efeitos ficaram mais imunizadas à passagem da pneumónica de 1918, sendo um vírus da mesma família (Frada, 2005: 114). Mas não só. A debilidade devido à desnutrição ou condições sanitárias, por exemplo, permitiu que o vírus da gripe atuasse de forma mais contundente em organismos mais jovens e empobrecidos (Sousa, Castro, Lima, Sobral, 2008: 478).
Para a leitura completa do Artigo ver Revista de Estudos Regionais do CER, Viana do Castelo, II Série, nº 14, pp. 13-43.