Vindo, desde o seu regresso a Portugal, a construir um caminho de uma arquitetura de linguagem modernista e de provável pioneirismo, José Porto encerra os anos 30 com uma das suas mais notáveis encomendas, ao nível da habitação unifamiliar, e que viria a tornar-se uma obra icónica na cidade do Porto. A única, até ao momento, classificada com património.
Abordamos a casa do cineasta Manoel de Oliveira, que acabaria por construir uma relação de amizade com o arquiteto. Na Casa da Vilarinha, na rua do mesmo, cujo projeto data do ano 1939/40, José Porto teve total liberdade para dar asas à sua criatividade, aplicando notoriamente os seus conhecimentos, fruto da experiência evolutiva e saberes trazidos de Paris.
Citando Manoel de Oliveira, entrevistado pelo jornal Expresso em 2003, onde demostra a qualidade e reconhecimento do arquiteto: “Tive conhecimento da figura de José Porto, que trabalhava por essa época, 1938-39, para os Engenheiros Reunidos, que então funcionavam na Rua Passos Manuel, por um amigo meu, o Mário Vieira, que me falou dele e do seu génio. Não o conhecia pessoalmente, mas sabia por ter ouvido falar sobre diversos trabalhos dele que ganharam diferentes concursos de um modo destacado como os melhores entre todos os outros”
Se até este momento a linguagem do arquiteto se prendia com um modernismo principalmente retilíneo, onde a geometria curva surgia de forma discreta e pontual, nesta obra a curva é aplicada de uma forma nunca antes vista na sua linguagem. A curva passa a ser a identidade máxima na habitação, deixando de ser apenas um elemento introduzido nas fachadas para passar a ser o próprio conceito, o que demonstra o pioneirismo arquitetónico à época, conferindo o mérito de figurar na história do modernismo português e na bibliografia respetiva. Infelizmente, raras e dispersas são as referências sobre o seu trabalho.
O mote de um volume curvo de extrema elegância que ordena toda a habitação, faz intuir a alusão a uma lente de uma câmara de filmar, como se fosse a filosofia do projeto e a essência do seu proprietário.
Recordemos que estamos em pleno regime ditatorial, que começava a controlar os traços da arquitetura à sua imagem nacionalista. Porém não surgem, ainda, refletidos na Casa da Vilarinha os valores limitadores impostos pelo Estado Novo, apesar de ser produzida no momento da célebre Exposição do Mundo Português em Lisboa. Um evento de notória ode ao regime de Salazar.
Neste momento existia ainda alguma liberdade pelo norte de Portugal, o que já não acontecia na capital, mas que não tardaria a ser monopolizada ou reconduzida pelo regime. Mesmo com esta mudança do paradigma da arquitetura em curso em Portugal, José Porto demonstra um pronunciado cuidado nas relações da casa, da qualidade do seu interior como percurso humanizado e da intimidade da relação com o exterior, vinculando uma racionalidade de espaços com o funcionalismo do uso.
A Casa da Vilarinha viu o início da sua construção no ano de 1941, pouco tempo após o despoletar da 2ª guerra mundial, o que acabaria por fazer evidenciar problemas logísticos e de produção de materiais de construção, mas que não faria abdicar de uma qualidade ímpar na obra.
A produção desta obra coincide com a primeira longa-metragem do seu proprietário, o filme “Aniki-Bóbó”, cujos cenários são também desenhados por José Porto e produzidos nos estúdios Tobis em Lisboa, nomeadamente os da escola com o seu alto banco do castigo com o “chapéu de burro” ou a famosa “Loja das Tentações”.
Após a estreia do filme em 1942, Manoel de Oliveira ficou 14 anos sem conseguir produzir cinema pela impossibilidade de encontrar financiamento e pela censura do regime de António de Oliveira Salazar, já que o Estado Novo tomava o seu modernismo e arrojo como uma afronta, e como tal deveria ser travado. Pode ser deduzido que todas as pessoas associadas a ele e ao seu trabalho, seriam alvo de esmiúça. Se relacionarmos José Porto à conceção da casa de Manoel de Oliveira e, consequentemente, aos cenários do filme, pode ser entendida e justificada, do ponto de vista político, a mudança na linguagem arquitetónica que o arquiteto assume a partir daí em território nacional.
A qualidade arquitetónica de José Porto no momento da produção da Casa da Vilarinha era tão valiosa, que, em 1978, o arquiteto e professor Nuno Portas considerava a Casa Manoel de Oliveira “como um dos raros (e primeiros, em 1942) exemplos de predominância das preocupações pelo espaço interior – pela continuidade, muito dinâmica, de ambientes bem caracterizados, utilizando os acessos como espaços de transição e não como soluções de continuidade de espaços simples, tal como era corrente. A experiência interna do espaço desta moradia faz-se, passe a imagem, como um “travelling” ininterrupto e por essa razão viria a ser valorizada pela nova vaga dos anos 60 (…)”. E aqui frisamos, que o comentário de Nuno Portas surge no fim dos anos 70 tendo a obra sido produzida 40 anos antes, o que configura uma janela temporal pertinente para a analise e comparação com tudo o que foi produzido nessas décadas seguintes, o que mais valoriza a opinião e a obra.
A valorização e o contributo desta moradia no património arquitetónico português, leva-a a ser reconhecida com a classificação de Monumento de Interesse Público, no ano de 2015. Como pode ser consultado na descrição da Portaria 120/2015, esta foi uma obra “na qual trabalharam três grandes vultos do modernismo português: José Porto foi o arquiteto responsável pelo projeto da casa, Viana de Lima realizou o projeto de interiores e Cassiano Branco o projeto dos espaços exteriores”.
Mais se reforça a importância da obra, tendo recebido mais recentemente intervenções do arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles ao nível dos jardins, Eduardo Souto Moura na piscina, ginásio e court de ténis e, na reabilitação da moradia, o Arquiteto Alexandre Burmester, vencendo, com esta intervenção, o Prémio João de Almada.
Mas, no âmbito da moradia unifamiliar, não só a casa de Manoel de Oliveira é reveladora da importância do arquiteto José Porto. Pode ser aqui introduzida também a casa da família José Dias de Oliveira em Vila Nova de Famalicão, importante industrial fundador das indústrias Riopele, cujo projeto e obra é desenvolvido em simultâneo com a da Casa da Vilarinha.
Esta é uma habitação, que aos dias de hoje, se encontra em perfeito estado de conservação devido à remodelação efetuada no início de 2000, respeitando os traços originais do arquiteto José Porto. Era uma obra ainda desconhecida, sem qualquer projeto ou levantamento arquivado, existindo apenas um desenho de implantação geral no espolio do arquiteto na Fundação Instituto Marques da Silva. Coube ao trabalho de investigação desenvolvido na tese “José Porto, à descoberta de um contributo no modernismo português” registar e estudar também esta obra, para que esteja ao dispor de futuras investigações sobre o arquiteto.
A importância dos clientes que procuravam o arquiteto, como cineasta Manoel de Oliveira ou industrial José Dias de Oliveira, são comprovantes da notoriedade e do destaque da sua linguagem, reforçando a garantia de ser um arquiteto de renome no momento. Para este último cliente, José Porto projetaria, anos mais tarde, obras que ficariam como ex libris da cidade do porto.
No ano de 1942, aquando da construção da Casa da Vilarinha e da Casa José Dias Oliveira, José Porto muda-se para Moçambique onde fica a residir até ao fim da década de 40, onde desenvolve projetos de arquitetura e urbanismo em nome dos “Engenheiros Reunidos” para a Sociedade Portuguesa de Fomento, provavelmente contratados pela Companhia de Moçambique. Nesse período visita Portugal esporadicamente, onde, em paralelo, desenvolve projetos, principalmente, para a cidade do Porto, que abordaremos no próximo artigo.