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Quinta-feira, 28 Março, 2024
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Cogumelos sim mas primeiro há que os conhecer melhor

 

 

Presume-se que os seres humanos começaram a recolher cogumelos como alimento em tempos pré-históricos. Os Cogumelos foram descritos pela primeira vez nas obras de Eurípedes (480-406 aC). O filósofo grego Teofrasto de Eresos (371-288 a.C.) foi talvez o primeiro a tentar classificar sistematicamente as plantas. Os cogumelos foram consideradas plantas ausentes de certos órgãos. Mais tarde, foi Plínio, o Velho (23-79 d.C.), que escreveu sobre as trufas na sua enciclopédia Naturalis Historia. A palavra micologia vem do grego que significa “fungo” e o sufixo (logia), que significa “estudo”.
A Idade Média viu pouco avanço no corpo de conhecimento sobre fungos. Em vez disso, a invenção da imprensa permitiu que alguns autores divulgassem as superstições e equívocos sobre os fungos que foram perpetuadas pelos autores clássicos.
O início da era moderna da micologia começa com a publicação de Nova plantarum genera de Pier Antonio Micheli, em 1737. Publicado em Florença, este trabalho seminal lançou as bases para a classificação sistemática de ervas, musgos e fungos. O termo micologia e o complemento micólogo foi utilizado pela primeira vez por M.J. Berkeley, em 1836.
Com as primeiras chuvas de Outono começam a aparecer nos campos, prados e nos bosques, de norte a sul do país, os cogumelos.
De diversas cores, formas e feitios, nascem debaixo da terra e são muitos os apreciadores dos fungos, que podem ser benéficos mas também mortíferos.
Em Portugal existem várias espécies de cogumelos oferecidas pela mãe natureza: míscaros, tortulhos, boletos, laranjinhas entre outras que proliferam pelas matas de norte a sul.
De aspeto apetitoso, os cogumelos podem ser muito bons mas também podem ser letais e por isso torna-se obrigatório conhecê-los.
Quantas pessoas já não foram parar às urgências dos hospitais por intoxicação de cogumelos e quantas já não perderam a vida? Muitas…
Mas então o que se deve fazer? Comer apenas cogumelos de supermercado, não confiando nos silvestres?
Foi a resposta a estas e outras questões que envolvem este mundo quase mágico dos cogumelos, que fomos procurar obter junto de quem sabe.
António Queirós, vice-presidente da Associação “A Pantorra”, uma associação micológica com sede em Mogadouro, Trás-os-Montes, que se dedica à promoção do conhecimento científico, técnico e gastronómico do cogumelo, bem como os aspetos ecológicos culturais e sociais, desvendou alguns dos mistérios dos cogumelos.

Natural de Paredes de Coura, António Queirós conhece bem esta zona e por isso sabe o que se pode encontrar nos bosques e campos do Alto Minho. Para além de os estudar, este especialista em micologia há muito que apanha cogumelos para fins gastronómicos.
O mundo dos cogumelos “é um mundo muito grande”, revela o conhecedor que garante que de ano para ano aparecem sempre novas espécies nos bosques e campos. Conhecer as suas caraterísticas é portanto fundamental pois qualquer erro pode ser fatal.

“É fundamental que as pessoas quando apanham cogumelos para fins gastronómicos, saibam bem o que estão a fazer para não se intoxicarem. Isto dos cogumelos é um assunto muito sério porque pode pôr em risco a saúde e até a vida das pessoas.

É por isso que a seleção das espécies tem que ser feita uma a uma e por pessoas experientes. Há espécies que são muito parecidas e podem confundir-se”, explica.

Assim quem não conhece não deve arriscar e o melhor é mesmo optar pelos que são vendidos em lojas ou supermercados porque esses sim, garante António Queirós, “são selecionados por quem sabe”.

Mas aprender a conhecer os cogumelos também é possível no entanto há que ter em conta que não existem regras gerais. Atualmente existem muitas publicações que ensinam a conhecer estes fungos e pessoas com conhecimento científico e moderno que partilham o seu saber.
“Os cogumelos têm que ser seguidos um por um, não há regras gerais. Normalmente as pessoas intoxicam-se porque usam regras falsas ou porque não sabem interpretar aquilo que vem nos livros. São pessoas que vivem no campo, que por vezes passaram a vida a recolher cogumelos e que por sorte nunca se intoxicaram. Mas isso não quer dizer que mais tarde ou mais cedo isso não possa acontecer e é por isso que o conhecimento é fundamental”, sublinha.

 

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OS MINHOTOS SÃO MICÓFOBOS

Existem populações que se consideram “micófobas” porque tradicionalmente têm medo de apanhar cogumelos e outras que se consideram “micófilas” porque têm muito o hábito de apanhar cogumelos.
Na zona do Minho, por razões históricas e até influência religiosa, as pessoas são micófobas, ou seja, têm medo dos cogumelos.
“De facto os minhotos são um bocado micófobos embora em certas zonas existam pessoas que regularmente apanham um cogumelo de grandes dimensões que aparece nos campos e que é difícil de confundir, o chamado “macrolepiota procera”, também conhecido por centeiro, roque, fradelho, entre outros nomes, dependendo da zona”.
Antes do cristianismo se tornar dominante, as chamadas religiões pagãs utilizavam cogumelos alucinógenos nos seus rituais. Quando o cristianismo se institucionalizou e passou a ser dominante, essas práticas foram banidas e perseguidas as pessoas que apanhavam cogumelos mesmo para fins comestíveis.
“Na Idade Média as pessoas eram perseguidas porque não se distinguia aquelas que apanhavam os cogumelos para fins comestíveis ou para rituais religiosos pagãos. Como a região de Entre Douro e Minho sempre teve uma influência religiosa muito forte, sobretudo pela sua proximidade a Braga, é possível que tenha influenciado a que as pessoas se tenham afastado deste tipo de atividade. Noutras regiões em que a influência religiosa não era tão grande, manteve-se esta prática. É evidente que isto são tudo especulações mas pensa-se que terá influência porque por exemplo, no Leste da Europa, não houve perseguições da Inquisição, e os hábitos tradicionais de apanha e consumo de cogumelos mantiveram-se”, explica.
OS COGUMELOS E O TURISMO

Ligado à apanha dos cogumelo está, para além do gosto por estas espécies, o gosto pela natureza. São duas coisas que estão interligadas, considera o especialista em micologia.
“Podemos dizer que além do aspeto gastronómico, temos também o aspeto turístico da questão, o chamado turismo ecológico que está cada vez mais em voga. É um pretexto para as pessoas andarem a pé, fazerem fotografias e aprenderem mais sobre as diversas espécies”.
Neste momento são muitas as associações que promovem atividades ligadas aos cogumelos como sejam por exemplo os concursos de fotografia, encontros, passeios e caminhadas, atividades que atraem gente de todo o lado, amantes da natureza.
O Alto Minho, apesar de não ser uma zona onde predominam os cogumelos comestíveis, oferece algumas possibilidades a quem gosta de os apanhar, fotografar ou estudar as suas caraterísticas.
“Existem muitas espécies embora a região de Entre Douro e Minho não seja das mais ricas em termos de abundancia de cogumelos comestíveis. Por coincidência os cogumelos com valor comercial não aparecem em grandes quantidades nesta zona, como aparecem por exemplo em Trás-os-Montes, nas Beiras ou no Alentejo”.
Apesar de não serem abundantes, António Queirós diz que existem na zona cogumelos com interesse gastronómico e para estudar. “Digamos que os apreciadores e conhecedores encontram sempre motivos de interesse”.
De referir que só na Europa existem à volta de 20 mil espécies de cogumelos e, de ano apara ano, aparecem novas. “Vamos sempre recolhendo espécies que nos anos anteriores não tínhamos encontrado. De facto todos os anos encontramos uma ou duas espécies novas. É um mundo extremamente extenso”.

 

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OS COGUMELOS E A MEDICINA

Os cogumelos, para além do uso culinário, têm capacidades medicinais surpreendentes.
São bons reguladores do trânsito intestinal, têm excelentes propriedades imunológicas, ou seja, estimulam o sistema imunitário contra as agressões a que está sujeito e conseguem bons resultados na redução dos níveis de colesterol.
Apesar da sua aplicação na medicina ser baseada nas tradições, neste momento estão comprovados cientificamente, através de estudos, os seus bons resultados.
Mesmo os cogumelos comestíveis mais cultivados fornecem uma panóplia de possibilidades medicinais que claramente captaram a atenção dos cientistas ocidentais.
A realidade é que o fascínio pelo valor medicinal dos cogumelos não é novo. Durante 3.000 anos, os chineses têm olhado para os poderes de cura dos cogumelos. Na verdade, parece que o fungo tem a capacidade de ajudar as pessoas a manter um equilíbrio corporal saudável.
“Há muitas espécies que têm propriedades farmacêuticas ou medicinais, uns já bem estudados, outros menos dependendo do investimento que se faz. No entanto há imensas substâncias no mercado que têm a sua origem nos cogumelos, e no futuro haverá mais”.
Ao contrário da medicina oriental, a medicina ocidental ainda tem alguns preconceitos e relação aos benefícios, uma tendência que segundo António Queirós tem vindo a perder terreno.
“Neste momento já existem bastantes substâncias estudadas que são utilizadas, nomeadamente no tratamento de cancro. No oriente o uso dos cogumelos para fins medicinais sempre foi estimulado e inclusive os budistas, desde tempos imemoriais, já os utilizavam cientificamente”.

COGUMELOS QUE CURAM CANCRO

Pode um simples cogumelo eliminar o vírus responsável pelo cancro do colo do útero?
Um médico português provou que sim.
Coriolus versicolor é o nome do cogumelo que pode ser encontrado nas florestas europeias, no Norte da América e na Ásia, e que devido às suas características inmunoestimulantes, já é usado na medicina tradicional chinesa há vários séculos. Em Portugal, o Coriolus versicolor começou a ser usado no tratamento do Papilomavírus Humano (HPV), o vírus responsável pelo cancro do colo do útero, há relativamente pouco tempo.
Os resultados são bastante positivos, podendo ser uma esperança para muitas mulheres.
Em Portugal, o cancro do colo do útero mata uma mulher por dia.

 
POUCAS CALORIAS E ALTO TEOR DE FIBRAS

Os Cogumelos têm muito menos calorias e contêm cerca de 80-90 por cento de água. Ao Champignons_Agaricusmesmo tempo, eles têm baixo teor de sódio, gordura, hidratos de carbono e alto teor de fibras. Esta é a razão pela qual são considerados um bom recurso para aqueles que procuram a perda de peso.
Os cogumelos são uma excelente fonte de potássio. Diz-se que há mais potássio num cogumelo que numa banana. Uma vez que o potássio ajuda a baixar a pressão arterial e diminui o risco de acidente vascular cerebral, são recomendados para pessoas que sofrem de hipertensão.
São ricos em cobre, um mineral que possui propriedades cárdio-protectoras. Uma única porção de cogumelos pode fornecer cerca de 20 a 40 por cento das necessidades diárias de cobre.
Crê-se que têm potencial para ajudar na luta contra o cancro. Eles são uma excelente fonte de selénio, um anti-oxidante que trabalha com a vitamina E para proteger as células contra os efeitos prejudiciais dos radicais livres.
Nos cogumelos brancos foram encontradas propriedades para conter a actividade da aromatase, uma enzima envolvida na produção de estrógeno, e 5-alfa-redutase, uma enzima que converte a testosterona em DHT.
Os Shiitake contêm Lentinan, um beta-glucano, que tem sido associado ao estimulo do sistema imunológico e, portanto, acredita-se ser útil na luta contra a SIDA. Essa mesma enzima também ajuda no combate à infecção e tem atividade anti-tumoral. Sendo ricos em proteínas fibras e vitamina B, os cogumelos ajudam a manter um metabolismo saudável.
Foi constatado que o extrato de cogumelo ajuda a parar a enxaqueca e é benéfico para pessoas que sofrem de doenças mentais, como transtorno obsessivo-compulsivo.
Os Pleurotes são úteis no fortalecimento das veias e relaxamento dos tendões.

UM RECURSO NATURAL QUE PODE SER RENTÁVEL

Os fungos assumem um papel fundamental ao nível do equilíbrio dos ecossistemas, contribuindo para a reciclagem da matéria orgânica (sapróbios), eliminando as espécies vegetais menos saudáveis (parasitas) e favorecendo o estabelecimento das espécies vegetais em condições adversas através de relações de simbiose (micorrízicos). Estas relações que se estabelecem entre os fungos e as raízes das plantas são igualmente importantes na manutenção da fitossanidade do sistema, protegendo as espécies vegetais de agentes patogénicos.
Apesar destes organismos serem quase imperceptíveis, formados por novelos de filamentos celulares (vulgarmente denominados por bolores), algumas espécies investem em estruturas reprodutoras bem conhecidas – os cogumelos. Estes assumem uma panóplia de complexidades, no que respeita às formas, cheiros, texturas, colorações, bastante curiosas e apelativas. No entanto, o facto dos cogumelos surgirem e desaparecerem de uma forma quase instantânea, para alguns mística até, e de possuírem propriedades medicinais, alucinogénicas e/ou tóxicas, fomentou o desenvolvimento de um sentimento de micofobia ou micofilia, que varia geograficamente.
Não obstante à importância ecológica e económica dos fungos produtores de cogumelos, a escassez de estudos científicos desenvolvidos neste domínio, traduz-se num conhecimento diminuto sobre o património etnomicológico e a riqueza específica de cada região. Deste modo, urge incentivar os estudos micológicos e a regulamentação da colheita de cogumelos comestíveis, de forma a identificar claramente as espécies que poderão constituir um recurso natural economicamente rentável, identificando e salvaguardando os grupos potencialmente amea-çados. Estas iniciativas tornam-se indispensáveis se se pretender conciliar uma maior rentabilização sustentável dos ecossistemas, mediante a aplicação de um plano adequado de gestão, que vise a protecção da diversidade e a valorização dos recursos existentes nesses sistemas.

NUNCA CONFIAR EM MITOS PARA IDENTIFICAR COGUMELOS VENENOSOS

Confiar em crenças, mitos e outras sabedorias populares para identificar cogumelos venenosos é uma estratégia perigosa, pois muitas destas convicções não têm rigorosamente nenhuma base científica. De facto, as duas causas mais comuns de envenenamento por ingestão de cogumelos continuam a ser a negligência e a ignorância.
Descrevem-se em seguida alguns exemplos comuns de crenças e mitos nos quais NÃO devemos confiar:
“Todos os cogumelos brancos são comestíveis”. Assumir que todos os cogumelos brancos são comestíveis pode conduzir a intoxicações fatais. Nem todos os cogumelos venenosos possuem cores garridas. Amanita verna (Anjo da destruição) é apenas um exemplo gritante de um cogumelo branco e mortal.
“Os cogumelos venenosos enegrecem os objetos de prata, os comestíveis não”. Este mito tem sido disseminado ao longo de gerações sem ter qualquer base de verdade. Até à data não são conhecidas toxinas que reajam com a prata. Contudo, algumas substâncias, como o enxofre, reagem com a prata enegrecendo-a e alguns cogumelos, comestíveis ou não, têm uma elevada concentração de enxofre.
“Todos os cogumelos, desde que cozinhados prolongadamente, podem ser comidos”?Esta afirmação está completamente errada, pois a maioria das toxinas não é destruída pela temperatura elevada.
“Os insectos e outros animais evitam os cogumelos venenosos”. Não é verdade! Um cogumelo pode ser tóxico para os seres humanos e não o ser para insectos e outros animais. Por exemplo, os coelhos e as lesmas consomem Amanita phalloides (Chapéu da morte) pois são imunes às suas toxinas.
“Os cogumelos venenosos têm sabores amargos, azedos ou desagradáveis”. O sabor desagradável não significa que o cogumelo é venenoso. Algumas Amanita venenosas possuem sabores agradáveis e até adocicados. Em oposição, Lactarius piperatus não é tóxico, mas possui um sabor extremamente picante e desagradável.

UnknownCASOS NOTÁVEIS DE INTOXICAÇÃO POR COGUMELOS

De acordo com algumas fontes, Siddhartha Gautama, mais conhecido por Buda, morreu envenenado acidentalmente devido à ingestão de cogumelos tóxicos no ano de 479 A.C..
Tiberius Claudius, imperador Romano, diz-se ter sido assassinado no ano de 54 D.C. por sua esposa Agripina que, segundo rezam as lendas, lhe terá preparado um prato mortal de Amanita phalloides (Chapéu da morte).
Existem alguns rumores de que também o Imperador Romano-Germânico Carlos VI (séc. XV), o Papa Clemente VII (séc. XVI) e a Czarina Natalia Naryshkina (séc. XVII) morreram após terem ingerido acidentalmente Amanita phalloides.
Ambos os pais do físico Daniel Gabriel Fahrenheit, criador da escala de temperatura Fahrenheit, morreram em 14 de Agosto de 1701 em Danzig (actual Gdansk, Polónia), após ingestão acidental de cogumelos venenosos.
De acordo com uma lenda popular, o compositor Johann Schobert (séc. XVIII) terá morrido em Paris por ingestão de cogumelos tóxicos, juntamente com sua esposa e um de seus filhos, depois de insistir que certos cogumelos venenosos eram comestíveis.
Mais recentemente, no século XX, um famoso micologista alemão, Julius Schaeffer, morreu depois de ingerir Paxillus involutus. O micologista identificou correctamente os cogumelos, que à data eram considerados comestíveis, mas que hoje se sabe poderem provocar reacções alérgicas muito graves.

CELESTE SANTOS E SILVA E ROGÉRIO LOURO – UNIVERSIDADE DE ÉVORA – “OS COGUMELOS E OS SEUS VEVENOS”

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