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As duas carteiras do meu tio, a coreografia política em lugar da Estética Ética

“La verdad adelgaza y no quiebra,
y siempre nada sobre la mentira como el aceite sobre el agua”
Miguel de Cervantes Saavedra

 


José Verde de Barros*
Ex-Caixeiro-Viajante
*pseudónimo devidamente identificado pela Direção do Jornal C

O meu tio José Justino Verde, tetra-neto do Guardés António Verde que em 1825 se estabeleceu em Vila Praia de Âncora, usava sempre duas carteiras quando viajava para Lisboa. Explicou-me que uma só tinha papeis e algum tipo de cartões de visita ou das lojas e usava-a no bolso de trás das calças: destinava-se a ser roubada pelos carteiristas. A outra, com os documentos e o dinheiro, viajava junto ao coração no bolso do casaco, protegida não por um mas, por 2 botões.

Veio-me esta estória à lembrança, a propósito da nomeação de Sérgio Figueiredo como Consiglieri pelo ministro Fernando Medina e cujo trabalho lhe iria ser pago pela carteira de todos nós, à razão de 7.000 € por mês; como foram os 350.000 € que Medina, com a carteira dos lisboetas, pagou ao filho do Sérgio, para a realização de um qualquer evento.

Ao invés Sérgio Figueiredo, quando contratou Fernando Medina para comentador da TVI, pagou-lhe com a carteira da própria TVI e dos seus acionistas privados. Seria a clássica estória de amor com amor se paga, se o Ministro Medina pagasse ao Sérgio Figueiredo com a carteira dele, e não com a nossa.

Nada me move contra o Sérgio Figueiredo, com quem aliás me cruzei nos corredores de económicas ao Quelhas no tempo em que ele arregimentava as tropas da Juventude Comunista nas RGA’s, junto com o Eduardo Moura.

E não me surpreendeu que, perante a polémica, se vitimizasse e declinasse o convite do fiel Medina, deixando-lhe um belo embrulho nos braços:

-Medina não poderá nomear outro consultor, sem mais uma vez ignorar a estética ética, porque justificou a adjudicação direta com “qualidades únicas”;

-Ao não nomear outro consultor para o cargo, demonstra que afinal a função, não era essencial ou sequer necessária, acabando esta farsa em 3 atos com uma coreografia lamentável;

Nada me move tampouco, contra o empresário Mário Ferreira a quem o malfadado Banco de Fomento – cujos Director de Compliance e a Administradora com o pelouro do Risco se demitiram no espaço de 60 dias – emprestou 40 milhões de Euros, com garantia do Estado, dos quais afinal o empresário não precisava, como se pode concluir ao ter, perante a polémica pública, recusado o mesmo.

Como nada me move enfim, contra os empresários a quem o Dr. Miguel Alves arrendou a Ínsua por 1.001,00 € ao ano, ou aqueles a quem pagou 300.000 € de renda adiantada por um Centro de Exposições que nem terrenos tinha e não existe.

São empresários e gestores, que tem como função desenvolver o melhor possível os seus negócios, cumprindo a Lei e pagando os seus impostos, eles e as empresas que detém ou gerem.

E estou certo que, seguramente bem assessorados por juristas privados, que pagam com a sua carteira, cuidarão de tudo fazer de forma legal e regular para não serem no futuro acusados ou arguidos em qualquer processo.

Sabemos isso sim, que Ministros e Autarcas usam assessores jurídicos, também privados, mas, neste caso, pagos por todos nós, para assegurar que cumprem a Lei e atuam de forma regular e assim protegerem o seu futuro. Em lugar de assegurarem que o interesse público não é comprometido por décadas ou simplesmente ignorado.

Por isso, em quase 50 anos de democracia contam-se pelos dedos os arguidos e condenados. E alguns, depois de condenados, até voltam a ser eleitos, porque “roubou mas fez”, como foi o caso de Isaltino Morais no concelho com maior literacia de Portugal, o que não diz pouco de como formação hoje nada tem a ver com educação, como títulos académicos nada têm a ver com valores e princípios.

E é neste ponto que a política e a lei, no nosso país, se separam irremediavelmente da ética. Esta pobre enteada, fica à mercê da moral individual e dos valores de cada um. Nas nossas instituições democráticas tudo o que não seja ilegal pode ser feito, o limite da ética são as lacunas da lei.

Ou, travestida de princípios e valores, confunde-se essa estética ética com a dimensão da ambição carreirista de cada responsável por um cargo público mais elevado. Confunde-se a defesa do interesse público com a legalidade dos atos, como se bastasse.

E algo vai mesmo mal quando o primeiro-ministro, de rompante, faz um despacho a mandar o secretário de estado verificar todas as faturas de uma empresa de eletricidade, só porque o seu Gestor disse que os preços vão aumentar 40%. “porqué no te callas?”.

Mas até agora o Estado pagava as faturas da Endesa sem as verificar? E as das outras empresas de energia, verifica-as? Ou só vai começar a verificá-las agora? Ou nem isso e a VERIFICAÇÂO é só para quem falou demais?

Já nada me admira, a carteira é a nossa e não a dos próprios e deve haver uma qualquer clausula numa qualquer lei ou contrato que a tal não obriga. E como não é obrigatório, não se faz. Ética é cuidar da carteira dos outros com mais cuidado do que se fosse a nossa. Os dinheiros públicos não podem ser a carteira do bolso de trás, para usar apenas cumprindo a lei de forma a não ser apanhado.

Mas não se pense que este é um problema do Partido Socialista e das suas maiorias, no Governo ou na Câmara Municipal. É um problema endémico do Bloco Central – perdão, Legal- de interesses, e por isso o PSD na oposição, titubeia nas tomadas de posição e abstém-se nas votações.

Fechado na coreografia da sua organização e nos interesses dos seus quadros definhou, porque desconsidera e desconhece os valores e princípios dos portugueses que recheiam com os seus impostos a carteira do estado que a tantos alimenta.

Como dizia o Dr. Miguel Alves num qualquer fórum, os vereadores ou deputados municipais de PSD até se abstiveram no caso do contrato do CET. Como se esta abstenção conferisse algum valor ético e garantisse a defesa do interesse público; mas, sendo ele jurista cumpriu a Lei e, sabe que acrescentou uma coreografia política que cala e envergonha esses opositores. Porque esquecem que a verdade, como o azeite, vem sempre ao de cima. E essa é a Estética que resta da Ética.

Camposancos, 22 de agosto de 2022

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