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Quarta-feira, 11 Dezembro, 2024
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Um texto em memória de José Avelino da Cruz

Um testemunho!

No passado dia 13 de Outubro fez 45 anos que faleceu o meu Pai e seria uma data de recordação no seio da família caso não fosse 2024 o ano do centenário do seu nascimento, razão pela qual me levou a relembrar, de uma forma sucinta e simples, o homem e a sua obra.

A emoção com que escrevo pode realçar aspectos que terão passado ou não despercebidos a muito daqueles que tiveram a oportunidade de privar com ele.

Assim, começo pelo princípio, nasceu no seio de uma família remediada que subsistia com actividades agrícola e comerciais no lugar do Couto, Lanhelas, tendo sido criado como filho único, mas poderia ter tido uma irmã, caso a criança não tivesse falecido precocemente por doença.

Teve uma infância normal, apoiada, fez a instrução primária na Escola que terá sido inaugurada na época em que a frequentou, tendo sido o ilustre professor Avelino o seu mestre, na adolescência aprendeu a arte de carpintaria e, depois de trabalhar com alguns profissionais, foi chamado para a Tropa, cumprindo o serviço militar no Porto na arma de engenharia, circunstância que muito o orgulhava.

Voltou à sua terra natal, mas enamorou-se em Caminha. Contraiu matrimónio e veio para esta Vila em 1951, instalando-se na rua da Corredoura com uma oficina mecânica de carpintaria, o que na altura era um tanto inovador.

Do casamento nasceram-lhe 2 filhos (um rapaz e uma menina) e dos 4 netos que lhe descenderam, apenas conheceu uma neta e um neto.

A actividade permitiu-lhe criar uma pequena empresa de carpintaria que se encarregou, desde logo, de trabalhos de bastante responsabilidade, quer para o Estado, Direcção dos Monumentos Nacionais, Correios e outras entidades oficiais, quer para particulares, sendo que algumas obras, dado a envergadura, eram executadas em parceria com empresas de construção civil, tendo neste domínio privado com técnicos de elevada craveira, engenheiros e arquitetos, principalmente das escolas do Porto. Mais tarde, tornou-se agente distrital para a venda de aglomerados de madeira e portas pré-fabricadas.

A iniciativa e a capacidade de liderança que lhe era natural levou-o a fazer uma indústria com uma dimensão razoável para a época e para a região e muitos trabalhadores nela fizeram a aprendizagem e a sua formação profissional. E não foram poucos os que depois de terem adquirido conhecimento se lançaram pela emigração para as Colónias, África do Sul, Canadá, U.S.A., Austrália, França e Espanha que faziam questão quando regressavam à terra em períodos de férias de ir cumprimentá-lo como reconhecimento dos saberes adquiridos, sendo que todos eles eram recebidos com especial atenção, designadamente com “um verde de honra” (não se dizia assim na época!).

Os tempos eram difíceis (anos 50 e 60 do século passado), não havia segurança social na doença ou na reforma e qualquer empresário ou empregado teria que constituir poupanças para fazer face à vida, educação dos filhos, saúde e para a aposentação. Foi nestas circunstâncias que tomou uma atitude visionária comprando, em 1958, uma casa devoluta na rua da Corredoura, em pré-ruína e dela fez (inovação na época!) 2 lojas e 4 apartamentos (naquela altura, este termo, apartamento, não fazia parte do léxico e designava-se por casa). De uma loja amplia a oficina, porque chegou a ter 12 empregados em trabalho simultâneo.

O rendimento deste prédio era aquilo que considerava o que lhe poderia servir para ter uma vida digna de reformado, o que, infelizmente não conseguiu, dado a sua morte prematura (1979).

Mas, como também tinha uma enorme dimensão humanista, um permanente espírito de solidariedade e um companheirismo sadio no seio das associações locais de interesse público, era frequentemente desafiado para integrar os respectivos corpos sociais.

Assim, passou como dirigente, entre outras entidades, pela Casa do Povo de Caminha (foi um dos seus fundadores), Santa Casa de Misericórdia, Comissão de Festas de Santa Rita de Cássia e no Asilo dos Velhos e Senhor dos Mareantes de Caminha. É nesta instituição, Asilo dos Velhos, assim se chamava na altura, onde desenvolveu um trabalho notável, uma vez que, com muito empenhamento e dedicação, resgatou os Velhinhos e Indigentes que lá viviam em condições degradantes, porque obteve recursos decorrentes de contratos, subsídios e outros apoios que permitiram transformar aquelas instalações num nível de Casa de Repouso, até porque conseguiu trazer ao edifício para verificar as suas precárias e deterioradas condições a primeira governante Mulher de um governo do Estado Novo. Foi o princípio do sucesso daquela Casa no apoio ao Idoso e disso foi dado conta numa singela referência e homenagem patente no discurso do então Presidente da Câmara na cerimónia realizada para dar o nome do primeiro presidente daquele Asilo ao arruamento que ladeia por Norte o edifício da Casa de Repouso.

Muito da sua vida foi dedicada à causa e aos propósitos das associações com manifesto prejuízo da sua vida privada, no tempo e nos recursos que despendia, e neste sentido, recorda-me, por exemplo, de usar uma carrinha de 9 lugares que possuía para transportar os remadores e os barcos para as provas de remo em Viana, Valbom ou na marginal de Gaia.

Na política teve uma passagem breve, na Junta de freguesia de Caminha e como Deputado Municipal (na altura delegado) na Assembleia Municipal. Ao que consta, quando se discutiu a data mais adequada para o feriado municipal fez a proposta e foi aprovada consensualmente a Segunda Feira de Páscoa, como data relevante para o Município que perdura até aos dias de hoje (mais de 45 anos!).

Naturalmente que estaria aqui a escrever muitos e muitos factos com saudade, mas com muito orgulho de passagens, testemunhos e circunstâncias da curta vida terrena do meu Pai, José (que teve este nome por ter nascido a 19 de Março de 1924, dia de S. José), Avelino (o nome do padrinho) e Cruz (apelido do Pai) e que poderia ter sido precedido de Gomes, caso fosse uso na época constar o apelido da mãe, e, assim, ficou com o nome completo: JOSÉ AVELINO DA CRUZ.

Uma curiosidade; na sua terra natal, Lanhelas, também era conhecido por “Zé Blato”, alcunhas que eram comuns surgirem por diversas razões, mas esta, o meu Pai tinha particular ternura quando contava como apareceu. Havia no lugar do Couto um carpinteiro de nome Viriato cuja oficina era do outro lado do caminho para onde ele ia porque gostava de brincar no meio das fitas, serrim e pequenas peças de madeira e para chamar pelo senhor, ainda com a fala estropiada fruto da tenra idade, balbuciava blato (viriato), mas o dito carpinteiro inverteu a “alcunha” e para não ficar com ela, passou a chamar-lhe “Zé Blato”.

2024.Out
António Cruz

Não posso deixar de registar um cordial agradecimento ao “Jornal O Caminhense” pela a publicação deste pequeno texto para relembrar um cidadão e um Pai que amava a sua Família!
(Escrito não seguindo o novo acordo ortográfico)

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