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Sexta-feira, 19 Abril, 2024
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Um padre à frente de uma assembleia municipal?

Caros Caminhenses,

Há pouco mais de um ano, quis o destino, que saísse do anonimato de cidadão residente e contribuinte deste concelho há 30 anos da minha vida, para dar a cara pelos quase quatro mil eleitores que votaram na OCP, na Assembleia Municipal de Caminha.

Estou convicto que, ao dia de hoje, muito mais de quatro mil Caminhenses se revêm nos princípios que temos defendido naquele órgão.

Defendemos sobretudo os princípios da transparência, da competência, da boa gestão de dinheiros púbicos, da responsabilidade, do interesse púbico e da igualdade.

Nesta tarefa, nem sempre bem aceite por todos, em primeiro lugar tem de afirmar a dignidade do órgão (Assembleia Municipal), a dignidade dos que ali exercem funções, sem qualquer tipo de descriminação político partidária, de modo a que os membros de este órgão exerçam com determinação e competência os deveres/poderes que, na tomada de posse lhe foram consignados e decorrem da lei.

Não tem sido fácil, reconhecemos, mas, felizmente, neste último ano temos tido alguns avanços, mas não tanto como seria expetável dada a maturidade da democracia portuguesa (com quase 50 anos), face à resistência à mudança de quem está habituado ao poder do quero posso e mando.

Para meditarmos sobre o que é e como funciona uma Assembleia Municipal partilho convosco um artigo do Exmo. Senhor Professor Catedrático Jubilado da Escoa de Direito da Universidade do Minho, Doutor António Cândido de Oliveira, publicado na Revista das Assembleias Municipais e dos eleitos locais, n.º23 /Julho Setembro 2022), edição Conjunta da Associação de estudos de Direito Regional e Local ( AEDREL) e a Associação Nacional de Assembleias Municipais.

Este texto, que infra vamos reproduzir, permite refletir sobre a função e forma de estar de um Presidente da Mesa da Assembleia Municipal, de forma a tornar aquele órgão um verdadeiro local de demonocracia no desempenho das funções constitucionais que lhe são atribuídas como Órgão de poder deliberativo e fiscalização da atividade do órgão executivo (Câmara Municipal).

A partir dele e em edições futuras, tentaremos partilhar convosco a importância fulcral das Assembleias Municipais e dos seus membros na vida de um Município, na prossecução dos interesses próprios das populações e do território a que está associada.

A todos um grande bem-haja.

Jorge Nande (1)

Um padre à frente de uma assembleia municipal?

Há alguns anos, um sacerdote católico, a exercer funções numa paróquia, foi apresentado por um partido como candidato a presidente da assembleia municipal num concelho do distrito de Braga. Colocaram-se logo questões de direito eleitoral e de direito canónico, mas aproveitei aquela oportunidade para deixando de lado tais questões, abordar o aspeto político e responder à pergunta: vale a pena ter um padre à frente de uma assembleia municipal?

A minha resposta, que agora retomo com alguns desenvolvimentos foi esta:

vale a pena, se vier a revelar-se um bom político. Na verdade, as assembleias municipais do nosso país precisam de políticos de qualidade e precisam muito, pois não têm, frequentemente, presidentes de assembleia municipal que exerçam as respectivas funções com a independência, a dedicação e a elevação que o cargo exige. Vejamos como deveria agir o presidente nas assembleias municipais, focando alguns aspetos particularmente sensíveis.

Composição da mesa

Os presidentes das assembleias municipais fazem questão de ter, sempre que podem (a maioria relativa quando acontece obriga, por vezes, a ceder), uma mesa composta por membros da mesma cor. A ideia de colocar, na composição da mesa (que tem três membros), um secretário da oposição, como seria natural, é muito raramente seguida. Essa má prática reflete-se frequentemente na condução autoritária dos trabalhos. Um bom presidente procurará convencer a sua lista maioritária a incluir um membro da oposição e lutará até para que a lei permita que a mesa tenha cinco membros nos municípios maiores (p. ex. com mais de 50.000 eleitores) para tornar essa inclusão mais fácil.

Comissão permanente

Um presidente de assembleia municipal, por outro lado, deve procurar constituir uma comissão permanente da assembleia compostas pela mesa e por representantes de cada grupo municipal não só para preparar a agenda das reuniões como para reunir rapidamente quando houver um assunto municipal de interesse especial que o justifique. Essa comissão reuniria regularmente e sempre que solicitada por um dos membros da comissão. Não teria poderes deliberativos, mas seria um modo de afirmar a importância do órgão. É de combater a prática de constituir comissões permanentes de mero apoio à mesa.

Sessões extraordinárias

O presidente da assembleia municipal não deve ter também problemas em convocar sessões extraordinárias sempre que tal for requerido nos termos que a lei já prevê ou sempre que entenda que um assunto justifica tal convocação. Mal de uma assembleia que, ao longo do ano reúne apenas para cumprir o calendário das cinco sessões ordinárias ou a pedido da câmara. É, no entanto, isso, em regra, se o que passa na grande maioria das assembleias.

Fomentar a discussão de assuntos de interesse municipal

O presidente da assembleia procurará fomentar a discussão de temas de interesse municipal e tomar a iniciativa, juntamente com a comissão permanente e se possível com a colaboração da câmara, de promover alguns deles. Não serão reuniões da assembleia, serão debates promovidos por esta sobre assuntos de interesse local com a participação inclusive de não membros da assembleia, sejam eles munícipes ou não. Qual é o município que não tem assuntos que devam ser debatidos com a devida antecipação e fora do ambiente mais formal das sessões? Não se trataria de esvaziar estas, tratar-se-ia de lhes dar mais conteúdo quando ocorressem. Também é muito rara essa prática no nosso país.

Grupos municipais

Ainda o presidente cuidará de saber se cada grupo municipal tem as condições necessárias para bem funcionar nomeadamente instalações próprias, acesso aos documentos e o apoio de funcionários. No que respeita ao acesso a documentos, são bem conhecidas as dificuldades de obter, em tempo útil, informações que são do maior interesse para participar e tomar posição numa deliberação.

Se tais dificuldades persistirem, um presidente à altura ou resolverá a contento o problema ou demitir-se-á (não seria a primeira vez que tal sucederia no país e no distrito de Braga). Este é um dos pontos que mais põe à prova a real independência dos presidentes.

Por sua vez, os membros dos grupos municipais não têm condições de trabalho, especialmente os da oposição e deviam tê-las. O presidente deverá cuidar sempre da proteção das minorias.

Divulgação das sessões

Um presidente da assembleia municipal terá o cuidado de enviar, antes das reuniões, uma nota à imprensa e restantes meios de comunicação social locais para dizer dos assuntos que irão ser debatidos, fomentando a participação dos cidadãos e no fim de cada reunião dará uma informação sucinta mas útil sobre o que de mais relevante se tiver passado.

Participação do público

Quanto à participação do público nas sessões, o presidente fomentá-la-á, marcando uma hora apropriada para a apresentação de questões (o que não sucede frequentemente) e interrogar-se-á se, porventura, esse período não tiver utilidade ou for pobre de conteúdo.

Espaço para os grupos municipais

O presidente da assembleia municipal fará questão de ter na página web do município um espaço destacado próprio da assembleia, por ela gerido, dando lugar a cada um dos grupos municipais para que possam exprimir a sua opinião com a mesma liberdade que dará nas reuniões a que presida. Só matéria insultuosa ou fora do âmbito municipal seria excluída. Digam-me quantos municípios (há alguns, mas quantos?) dão, nas suas páginas, um lugar à oposição?

Abstenção nas votações

E, já agora, quando teremos presidentes da assembleia municipal que, para marcar uma certa e boa independência, se abstêm nas votações da assembleia?

Mal de uma assembleia municipal que, para aprovar uma deliberação, precise, em regra, do voto do presidente. A abstenção dar-lhe-á um estatuto especial e todos compreenderão que ele vote (no sentido que entender) quando tiver de usar o voto de qualidade ou quando a deliberação precise do seu voto para ser tomada por unanimidade.

Convívio

Um presidente da assembleia municipal procurará promover um convívio entre todos os membros da assembleia, pelo menos uma vez por ano (dia do município, 25 de abril ou outra data apropriada) para estabelecer laços em que a dedicação ao município está acima das divergências políticas.

Incompatibilidades práticas

Como é evidente, um presidente da assembleia assim muito dificilmente poderá ser deputado à Assembleia da República ou membro do Governo. Falta-lhe tempo para dedicar à assembleia. Infelizmente existe, entre nós, a má prática de colocar deputados e governantes, ministros até, à frente das assembleias.

Breve conclusão

Voltando ao princípio, as nossas assembleias municipais são, em termos de democracia, “terras de missão”, precisando de “missionários”, sejam padres ou não. Para verificar como elas estão atualmente basta consultar as páginas oficiais da grande maioria dos municípios.

São páginas em que as assembleias municipais estão secundarizadas. O pequeno espaço que lhes pertence é gerido pela câmara. A oposição não tem praticamente nelas lugar. Os grupos municipais apenas têm nome dos membros, quando têm. O anúncio das sessões não é feito e há tantas outras debilidades que felizmente vão sendo lentamente supridas, não devendo ser menorizado o papel da Associação Nacional das Assembleias Municipais (ANAM) na persistente valorização deste órgão central dos municípios.

E bem se poderá dizer, a fechar, que um sacerdote à frente de uma assembleia municipal bem poderá ser um bom político sem se poder dizer à partida que não pode ser bom sacerdote. Comportamentos que a Igreja Católica exige de um sacerdote estão aqui bem expressos.

Professor Catedrático Jubilado da Escoa de Direito da Universidade do Minho,
António Cândido de Oliveira

 

1 O autor é eleito à Assembleia Municipal de Caminha, advogado, pós-graduado em Direito das Autarquias locais e Mediador Familiar certificado pelo Ministério da Justiça.

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