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Quarta-feira, 26 Junho, 2024
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O arquiteto Vilarmourense regressa às origens

Entramos neste momento no período de maior recolhimento do arquiteto José Porto, em que se prepara para regressar definitivamente à sua terra natal, Vilar de Mouros, sem que para isso largasse de ânimo leve as suas grandes obras na cidade da Beira em Moçambique. Apenas o fará, segundo consta, por questões de saúde. Porém tem ainda capacidade para desenvolver projetos também no norte de Portugal, principalmente cada vez mais ligado à vila de Caminha e arreadores.

No ano de 1948 o arquiteto desenvolve o projeto de ampliação e reabilitação da célebre Oficina Fontes em Vilar de Mouros, propriedade da Família Fontes, cuja presença era assídua na sua residência. Esta obra de cariz industrial em pequena escala, torna-se memorável graças ao lanternim central de madeira e vidro que José Porto cria, levantando na altura questões da sua capacidade estrutural. O que é certo é que passados 75 anos ainda se mantém em perfeito estado apesar do edifício se encontrar, infelizmente, devoluto e abandonado. No ano de 2015 deu-se início ao um processo de classificação de interesse municipal da oficina, que acabou por não ser concluído, podendo verificar-se na Direção-Geral do Património Cultural como sendo um “procedimento encerrado / arquivado – sem proteção legal.”

Esta obra é notoriamente um objeto que merece atenção do município, tanto pela sua arquitetura industrial, mas também como elemento histórico da sua atitude e design na produção de serralharia artística. Design esse, muitas vezes traçado pelo arquiteto José Porto.

Enquanto isso, na distante cidade da Beira, estaria construída a Central Elétrica, objeto de extrema importância evolutiva no momento da criação de uma nova cidade, substituindo a anterior e incómoda central a gás pobre inaugurada na década de 20. Esta nova central, também projeto do arquiteto José Porto desenvolvido entre os anos de 1944/45, é referida no acervo como sendo um estudo de anteprojeto. Porém, segundo o livro da autoria de José Porto e do Engº Ribeiro Alegre, “Resposta ao parecer do Gabinete de Urbanização Colonial acerca do Ante-Projeto de Urbanização da Cidade da Beira” refere a “Central Eléctrica accionada por turbinas de vapor, actualmente em construção na zona industrial, junto ao caminho de ferro (…)”. Nessa localização encontra-se, de facto, o edifício construído e ladeado pela linha de comboio. Acaba por não ser edificado todo o complexo desenhado pelo arquiteto, mas apenas o bloco principal, que ainda é existente aos dias de hoje, parecendo desativado e em estado de abandono.

CENTRAL ELECTRICA DA BEIRA
Central Elétrica da Beira (desenho de José Porto) – Imagem do livro “Resposta ao parecer do Gabinete de Urbanização Colonial acerca do Ante-Projeto de Urbanização da Cidade da Beira”

Mas esta não seria a obra do mestre que acabou por registar e reforçar o nome do arquiteto José Porto na história da cidade da Beira e, de forma geral, em Moçambique. O ex-libris surge com o Grande Hotel da Beira, projeto do ano de 1946 e cuja construção iniciou em 1949, tendo sido inaugurado no dia 16 de Julho de 1955.

A maquete do projeto do Grande Hotel da Beira, que José Porto utilizou na apresentação às devidas entidades, foi desenvolvida pelo professor Franklin, da Escola de Belas Artes do Porto e que tinha também a atividade de modelador. O professor, natural de Afife, viveu parte de sua vida na cidade do Porto, fazendo uma incursão profissional ao Brasil, acabando por regressar à sua terra natal no período tardio da sua vida. Foi, provavelmente, também autor de maquetes de outros projetos do arquiteto.

O hotel surge implantado numa área de 21.000 m2 vincando um modernismo e depuração de fachadas nunca vista naquela cidade e de um luxo surpreendente no seu interior, recebendo funções de hotel, mas também de casino e espaços comerciais, relacionando a sua piscina de grandes dimensões com a praia de extenso areal. Consta que “era o maior hotel de África e um dos maiores do mundo.”

GRANDE HOTEL DA BEIRA
Grande Hotel da Beira após inauguração – Foto do portal “The Lagoa Bay”

Esta obra marcante de arquitetura modernista acabaria por ter uma vida curta, funcionando apenas durante 8 anos, caindo em decadência e acabando por encerrar por motivos sociais e políticos em 28 de Fevereiro de 1963. A partir daí teve utilizações pontuais, principalmente ligadas à utilização das piscinas, tanto para uso público como para treino de atletas.

O seu permanente abandono ditou que o complexo fosse ocupado e passasse a ter função de habitação precária para cerca de 2000 pessoas desfavorecidas. Assim permanece até aos dias de hoje, mantendo-se, de forma muito degradada, a génese do edifício, mas totalmente destruído e pilhado ao nível dos interiores, despojando-o dos luxos que outrora oferecia.

Este marcante complexo turístico, ainda hoje falado, acabaria por ver outro arquiteto a gerir a conclusão da sua obra, devido ao regresso definitivo de José Porto a Portugal, levando à aparente cessão de contrato entre a Companhia de Moçambique, proprietária do hotel, e a empresa Engenheiros Reunidos, onde José Porto exercia funções.

Acaba, o arquiteto José Porto, a residir na sua terra natal, Vilar de Mouros, e aqui dá início à fase tardia da sua obra, acabando por desenvolver projetos de um âmbito local, refletindo-se principalmente na moradia e em pequenas remodelações.

Porém o ano do seu regresso deixa algumas dúvidas. Se em alguns escritos se refere que José Porto regressou a Portugal no final da década de 40, o certo é que o novo arquiteto, o lisboeta Francisco José de Castro, é chamado a coordenar os acabamentos do Grande Hotel da Beira no ano de 1953, após José Porto abandonar o projeto. Segundo os arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian, consta que foi no dito ano de 1953 em que a equipa dos Engenheiros Reunidos, nomeadamente o Arq. José Porto e o Eng.º Ribeiro Alegre, deixou de colaborar, contratualmente, com a obra.

Acredita-se assim que, provavelmente foi nesse preciso momento que José Porto regressou a Portugal, promovendo certamente, antes disso, um encontro pessoal entre ambos os arquitetos na obra, para analise e troca de impressões sobre o que estaria idealizado e o resultado que se pretenderia atingir, considerando a extrema importância do complexo projetado e em construção.

O abandono da coordenação da obra por parte de José Porto a favor do arquiteto Francisco José de Castro trouxe-lhe garantidamente receio sobre a futura abordagem e o resultado final da obra idealizada por si. Acabaria, o novo arquiteto, por demonstrar capacidade suficiente para abraçar o final da obra do Grande Hotel. Tanto conseguiu um excelente resultado no hotel, respeitando as premissas de José Porto, como acabou por projetar também outros edifícios ícones da cidade, salientando-se a famosa Estação Central da Beira ou o Clube Náutico. Este último já tinha sido esboçado por José Porto, alguns anos antes, mas cuja solução acabaria por nunca sair do papel.

Certo é que a partir do ano de 1952 José Porto começa a desenvolver variadíssimos projetos na sua terra natal, em programas díspares e de pequena escala, no âmbito da moradia particular ou do espaço público e religioso. Note-se o Cruzeiro de Santa Luzia de Vilar de Mouros, um pouco abaixo da sua residência, onde projeta uma melhoria desafogada da união de várias pequenas artérias da aldeia, resultando no pequeno Largo Arquitecto José Porto e onde surge o referido cruzeiro, que será a ele dedicado no ano de 1954. Poderá ler-se “Homenagem ao grande benemérito e artista Arquitecto José Luís Porto” .

Neste novo arranque profissional após o regresso à sua terra natal, pode destacar-se, também do ano de 1952, a Casa Alfredo Pinto na Praça da República em Vila Praia de Âncora. Moradia projetada para o Dr. Alfredo Pinto, médico e cidadão de importância da terra, chegando a ser Governador Civil de Viana do Castelo entre os anos de 1963 a 1969.

Esta moradia implantada numa das faces da praça surge destacada e com papel de importância promovido pela valorização visual da fachada, adornada com notórios elementos classicistas depurados produzidos em granito e a presença de um desenho fortemente simétrico. Características que não eram habituais no desenho de José Porto nos seus projetos passados, denotando-se uma crassa mudança da sua linguagem de um modernismo que em tempos foi vanguardista para um alinhamento classicista e regionalista, mas sem nunca perder a qualidade arquitetónica e habitacional.

CASA ALFREDO PINTO
Casa Alfredo Pinto em Vila Praia de Âncora – Imagem do autor

Esta é uma das obras de José Porto que figuram no Estudo de Caracterização do Património Cultural de Caminha, do ano de 2016.

Percorrendo, no próximo e antepenúltimo artigo, a segunda metade dos anos 50, poderá ser constatada essa sua vertente arquitetónica mais ligada à terra e às suas gentes, deixando para a história passada todo o modernismo que revelou José Porto como um dos melhores arquitetos da época, e provavelmente um dos primeiros grandes modernistas em Portugal.

Terminará este ciclo de artigos na edição de Outubro, justamente no mês em que completam 140 anos do seu nascimento, esperando ter contribuído para o reavivar da sua obra e memória.

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