15.8 C
Caminha Municipality
Sexta-feira, 19 Abril, 2024
spot_img
InícioConversas de CaminhaConversas de Caminha: A incrível história de Santa Tecla (Pt. 3)

Conversas de Caminha: A incrível história de Santa Tecla (Pt. 3)

[Esta é a terceira parte da história de Santa Tecla, uma história que tem dois mil anos mas que continha o que terá ditado o seu “esquecimento”: o direito da mulher batizar (Tecla batiza-se a si própria nesta última parte da história) e o direito da mulher pregar (reconhecido a Tecla por São Paulo e depois pelo Vaticano que a equiparou aos Apóstolos)]

Tecla acompanhou São Paulo e pregou com ele, continuando a pregar muitas décadas após a morte de Paulo.
Os historiadores continuam hoje a discutir se São Paulo terá estado na Península Ibérica, como era sua expressa intenção. Continuam também a discutir se a famosa estrada romana denominada “Per Loca Marítima”, ou Via XX, passaria ou não por Caminha, onde se situaria na verdade a estação “Aquis Celenis” referida no mapa de Antonino e que os nossos irmãos Galegos situam (para a grande maioria dos historiadores contemporâneos erradamente) na localidade homónima em Caldas de Reis, Pontevedra.

Tendo presentes estes dados somos levados a ficcionar a seguinte hipótese (ainda que conscientes da sua enorme improbabilidade): E se aquela que foi reconhecidamente uma Apóstola tivesse terminado a missão que São Paulo a si próprio confiara? E se Santa Tecla, com ou sem São Paulo, tivesse percorrido a Per Loca Marítima? E se as primitivas populações castrejas do Monte tivessem acolhido ou protegido a Tecla (como muitas outras populações o fizeram com os primeiros cristãos)? “E se” Tecla tivesse estado no Monte de Santa Tecla?
“E se”. O muito tentador “e se” no jogo de simulação da verdade a que parecemos estar condenados, desde a caverna de Platão, desde a caverna de Tecla, seja ela num monte da Síria, seja ela no Monte Tegra.

Uma coisa, porém, parece ser certa: este ano não haverá uma das mais antigas e cada vez mais enérgicas festas religiosas da Península Ibérica: A Festa do Monte: A festa em honra de Trega, como se chama Tecla em Galego. A festa que no dia de Santa Tecla, a 23 de Setembro, após o equinócio de Outono, desde tempos imemoriais se realiza, numa subida ao Monte (seguida de uma ainda mais intensa descida) num misto de pagão e religioso onde se pressentem camadas de séculos de culturas sobrepostas.

Hoje ir ao Monte de Santa Tecla é fazer uma das estradas mais bonitas e surpreendentes que se construíram (se existir um top das melhores estradas para conduzir – ou seja: para desenjoar da Auto-Estrada – esta estrada teria de estar entre as dez mais); é chegar a uma espécie de topo de um mundo sagrado e perdido, um lugar onde poderá ter vivido uma Santa que foi Apóstola, como Paulo ou Santiago.

Nesta inverosímil hipótese de raciocínio, teríamos que Santa Tecla se converteria facilmente num dos exemplos de mulheres a resgatar pela história, emergindo em súbita concorrência com Santiago, seu Apóstolo vizinho, cuja catedral continua a ser o primeiro lugar mais visitado na Galiza, logo seguido por?
– Monte de Trega ou Tecla.

A história de Santa Tecla foi contada no Livro “Actos de Paulo e Tecla”, escrito no segundo Século da era cristã e relatando factos ocorridos no século anterior.

Os “Actos de Paulo e Tecla” são considerado evangelho pela Igreja Ordodoxa e “evangelho apócrifo” pela Igreja Católica. Para a contar a Incrivel História de Tecla socorremo-nos de duas traduções efectuadas a partir dos mais antigos escritos encontrados daqueles Actos. Um em árabe, traduzido para Francês, outro em Grego, traduzido para Inglês.

A fotografia do topo do Monte de Santa Tecla é de Nuno Cardal a quem agradeço a licença assim como agradeço ao Jornal Caminhense a possibilidade de publicar a Incrível História de Tecla”.

Parte III

[Na Parte anterior a incrível história de Santa Tecla ficou suspensa quando Alexandre, que cobiçara para si Tecla e a quem esta ofendera publicamente – atirando a sua coroa para o chão e rasgando o seu manto – a fora buscar a casa de Trifena, para que se desse início ao Circo de Feras, assim se cumprindo a sentença do Governador]

Nesta altura Trifena começou a gritar de tal forma que Alexandre fugiu:

– “É um segundo luto pela minha Falconia que desce agora sobre a minha casa. Não tenho ninguém que me possa acudir, nem criança, porque ela morreu, nem parentes, porque sou viúva.

– Deus de Tecla, meu menino, acodi a Tecla.”

Enviou então o Governador soldados, para que fossem buscar Tecla. Ainda assim Trifena não a largava, segurava-lhe na mão e ia dizendo:

– “Eu conduzi ao túmulo a minha filha Falcónia, que está sepultada sob a minha casa, a ti, Tecla, eu conduzo à luta contra as bestas”.

Tecla, comovida com a dor de Trifena, chorava amargamente e gemia ao Senhor:

– “Senhor Deus em quem eu creio e sobre quem me refugiei, tu que me arrebataste do fogo, recompensa Trifena pela piedade que tem desta tua serva e por me ter guardado pura.”

Enquanto Tecla rezava por Trifena, ouvia-se o tumulto da multidão e os rugidos das feras; o povo e as mulheres, todos reunidos e sentados, gritavam.

O povo:

– “Tragam a sacrílega.”

As mulheres:

– “Que a nossa cidade seja destruída por esta injustiça! Mate-nos a todos, procônsul! Espectáculo atroz! Sentença criminosa!”

Retiraram então Tecla das mãos de Trifena e despiram-na, vestindo-lhe apenas uma saia curta e fazendo-a entrar assim na arena.

Os leões e os ursos foram soltos e lançados contra ela.

Nessa altura uma leoa feroz deitou-se aos pés de Tecla. As mulheres gritaram então ainda mais. Uma ursa veio atacar Tecla, a leoa correu na sua direcção e atacou- a , rasgandoa-a. Por sua vez um leão, treinado para atacar os homens e pertencente a Alexandre também se lançou contra Tecla, mas a leoa também foi no seu encalço e lutou com o leão, até morrerem ambos. A dor e o gritar das mulheres aumentaram então, ao ver morrer a leoa que defendia Tecla.
Soltaram então um grande número de feras, enquanto Tecla, de pé, estendia os braços e rezava. Quando Tecla terminou de orar voltou-se, viu uma grande fossa, cheia de água, e disse:

– “Chegou o momento de receber a água.”

Dirigiu-se à fossa de água dizendo:

– “Em nome de Jesus Cristo eu me baptizo neste meu último dia.”

Perante este espectáculo as mulheres e a multidão gritaram-lhe:

– “Não te atires à água.”

O próprio governador já chorava, sabendo que em breve as focas assassinas iriam devorar tanta beleza.
Tecla, porém, já se tinha atirado à agua. Foi então que as focas viram o enorme clarão provocado pela chama de um poderoso relâmpago, após o que ficaram a flutuar, mortas. Foi então que um anel de fogo formou uma nuvem à volta de Tecla, de forma a que as feras não lhe tocassem e que a sua nudez fosse encoberta.

Porque as restantes feras, as mais ferozes, também pareciam desinteressadas de Tecla, as mulheres soltaram gritos agudos enquanto umas lançavam à arena plantas aromatizadas, outras essência de nardo, outras ramos de acácias amarelas, outras gengibre, de tal maneira que ali se formou uma fusão de perfumes. Todos os animais vagueavam na arena, como se toldados pelo sono, ignorando Tecla.

Foi então que Alexandre disse ao governador:

– “Eu tenho uns touros extremamente ferozes, atemos a eles a condenada.”
Com uma expressão sombria o governador murmourou:

– “ Faz o que quiseres.”

Prenderam então Tecla pelos pés entre dois touros em cujas partes baixas aplicaram ferros em brasa, de sorte que se tornassem ainda mais furiosos e a matassem.

Na verdade, eles dispararam raivosos, mas a chama na charca estendeu-se, formando um círculo à volta de Tecla que queimou as cordas, tudo se passando então como se Tecla não tivesse sido atada.

Nesta altura Trifena desmaiou numa porta próxima da arena.

Os seus escravos começaram então a gritar:

– “ A rainha Trifena morreu.”

O governador acabou o espectáculo, mergulhando a cidade numa enorme angústia. Alexandre, prostrando-se aos pés do governador, disse-lhe:
– “Tem piedade de mim e da cidade; liberta a condenada, de maneira a que a cidade não seja também destruída. O que acontecerá quando César tomar conhecimento que a sua parente, a Rainha Trifena, às nossas portas morreu,”

Ordenou então o governador que lhe trouxessem Tecla, retirando-a do meio das feras. Perguntou-lhe o governador:

– “Quem és tu? O que é que te protege de tal forma que nenhuma das feras te tocou?”

Respondeu-lhe Tecla:

– “Sou a serva do Deus vivo, a protecção que me rodeia chegou-me por ter acreditado em quem Deus enviou a seu belo prazer: o seu Filho; é por causa dele que nem uma só fera me tocou. Efectivamente só Ele é o caminho da salvação e o fundamento da vida imortal, Ele é de facto o refúgio daqueles que sofrem a tempestade, o repouso dos oprimidos, o abrigo dos desesperados, de tal forma o é – e numa palavra – que aquele que nele não acreditar, não viverá, antes morrerá para toda a eternidade.”
Ao ouvir aquelas palavras, o governador ordenou que trouxessem as roupas de Tecla e disse:

– “Volta a vestir as tuas roupas.”

Ao que Tecla respondeu:

– “Aquele que me voltou a vestir quando eu estava nua no meio das bestas selvagens, é o mesmo que me revestirá de salvação no dia do julgamento final.”

Tecla recolheu as suas roupas e cobriu-se.

O governador emitiu imediatamente um decreto nos seguintes termos:

– “Eu liberto-te, Tecla, serva de Deus, a piedosa.”

Soltaram então as mulheres um grito profundo poderoso e como se fossem uma só boca louvaram Deus, dizendo:

– “Só há um Deus, o que salvou Tecla.”

O grito foi tal que ecoou em toda a cidade.

Trifena, ao saber da boa nova, partiu ao encontro de Tecla e quando a viu no meio da multidão, abraçou-a e disse:

– “Agora, eu acredito que os mortos despertam, agora, acredito que a minha filha está viva; vem para minha casa; vou pôr em teu nome todos os meus bens.”

Tecla foi com Trifena para casa desta e aí descansou por oito dias, durante os quais transmitiu a Trifena e a todos os seus servos, a palavra do seu Deus. Uma enorme alegria encheu então aquela casa.

Tecla, porém, desejava (rever) Paulo e fazia-o procurar por toda a parte, através de enviados por quem acabou por saber que Paulo se encontrava em Mira.

Rezou então Tecla e com ela os jovens escravos, rapazes e raparigas.

Cingindo e ajustando a sua túnica à maneira dos homens, partiu então Tecla para Mira.

Aí encontrou Paulo , pregando.

Tecla avançou para junto dele.

Vendo-a Paulo ficou estupefacto e apreensivo (ao ver que uma trupe a acompanhava temeu que uma nova provação a ameaçasse).

Tecla, percebendo a preocupação de Paulo disse-lhe:

– “Já fui baptizada, Paulo; aquele que te deu o poder para revelar a boa nova, deu-me o poder de me baptizar a mim própria.”

– Paulo, pegando na mão de Tecla, levou-a à casa de Hermaios, onde ouviu de Tecla tudo o que se tinha passado. Paulo e todos os ouvintes ficaram tomados de espanto e sentindo-se fortalecidos rezaram por Trifena.

Tecla, levantando-se, disse a Paulo:

– “Eu vou a Icónio”.

Paulo respondeu:

– “Vai e ensina a palavra de Deus.”

Entretanto, Trifena tinha-lhe enviado diverso vestuário e ouro, de forma que ela o pudesse deixar a Paulo para o auxílio aos indigentes.

Tecla partiu para Icónio. Aí chegada entrou na casa de Onesiphorus e deitou-se no chão, no lugar onde Paulo ensinou as máximas de Deus. Chorou e disse:

– “Oh meu Deus, Deus desta casa, meu socorro na prisão, meu socorro ante os governadores, meu socorro no fogo, meu socorro entre as feras, tu és verdadeiramente Deus e é tua a glória na eternidade. Ámen.”

Ao chegar a Icónio dizem a Tecla que o seu noivo Tamíris já morreu, mas que a sua mãe está viva.

– “Téoclia, minha mãe, consegues acreditar que o Senhor vive nos céus? Desejas tu efectivamente vida eterna? O senhor dar-te-à a imortalidade através de mim, tua filha? Aqui me tens, ao pé de ti.”

Depois de ter dado testemunho da sua história, Tecla partiu para Selécia, iluminando muita gente através da palavra de Deus, até que adormeceu num belo sono.

Em Selécia, alguns dos seus habitantes, de culto helénico e que exerciam a arte médica, incitaram contra ela jovens debochados que a perseguiram para a matar.

Diziam eles que a virgem servia, na verdade, Artémis, sendo essa a explicação do seu poder de curar. Porém, através da providência de Deus ela escapou-lhes, entrou num rochedo que se lhe abriu desaparecendo Tecla dentro dele.

Tecla ainda foi a Roma para ver Paulo, no entanto já o encontrou morto. Em Roma onde permaneceu pouco tempo e adormeceu num belo sono; ela está sepultada a dois ou três estádios da sepultura do seu mestre Paulo.

Ela foi lançada às chamas com dezassete anos de idade; entregue às feras aos dezoito; ela praticou a virtude na caverna, como já vai dito, alimentando-se de plantas e bebendo água, durante setenta e dois anos, assim ela viveu ao todo noventa anos. Depois de ter realizado inúmeras curas ela descansa na residência dos santos, tendo adormecido a vinte e quatro do mês de Setembro, em Jesus Cristo Nosso Senhor a quem pertencem a glória e o poder na eternidade. Amen.”

- Publicidade -spot_img
- Publicidade -spot_img
- Publicidade -spot_img

Mais Populares