Caminha e o “negócio” do CET (Centro de Exposições Transfronteiriço) voltaram a ser notícia nos media nacionais. Isto porque o Tribunal de Contas (TdC) só agora se pronunciou, naquilo que considera “um negócio simulado” e uma “fraude à lei” que fez o município de Caminha “incorrer numa situação de negócio nulo e ilegal”. Para o TdC, o contrato proposto pelo empresário Ricardo Moutinho e aceite por Miguel Alves, ex-presidente da Câmara de Caminha, viola o Código dos Contratos Públicos e não foi, como tinha de ser, submetido à fiscalização preventiva do tribunal.
Conforme noticiamos, o Tribunal de Contas (TdC) concluiu que a Câmara de Caminha cometeu ilegalidades, nomeadamente fraude, e causou danos no erário público de 369 mil euros, no caso do Centro de Exposições Transfronteiriço (CET) gerido pelo anterior autarca Miguel Alves.
Uma vez que a Câmara de Caminha estava impossibilitada de construir o pavilhão polivalente por não dispor de capacidade financeira para o efeito, o município aceitou uma proposta nos termos da qual a Green Endogenous (GE) compraria o terreno, faria as obras e depois arrendaria as instalações à autarquia, com opção de compra, mediante o pagamento de 25.000 euros, ao longo de 25 anos.
Considerando que o pagamento adiantado por parte do município dos 369.000 euros (o valor correspondente aos últimos doze meses do 25.º e último ano de arrendamento) à Green Endogenous de Ricardo Moutinho foi “ilegal e sem contraprestação”, e praticado “pelo menos com negligência”, o relatório do TdC revela que Miguel Alves “pode ser condenado a repor a importância abrangida pela infração, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer, a que acrescem juros de mora, a contar da data da infração”.
Para além disso, o ex-autarca poderá vir a ter que pagar, tal como o então vice-presidente e atual presidente da Câmara, Rui Lages, e uma vereadora (Liliana Ribeiro), uma multa entre 2550 e 18.360 euros, a título de “responsabilidade financeira sancionatória”.
No mesmo relatório, pode ler-se que o vereador F… (Guilherme Lagido) não se inclui, uma vez que devido ao seu falecimento, a responsabilidade financeira sancionatória extinguiu-se.
Analisando todo o processo que levou à celebração do contrato com a Green Endogenous, apesar dos alertas dos vereadores do PSD, que votaram contra, os auditores do Tribunal de Contas apontam um alargado conjunto de ilegalidades praticadas, tais como a escolha do parceiro da autarquia.
Para o TdC, “o município deveria ter efetuado uma consulta ao mercado, elaborado informações, estudos ou pareceres e validado o estudo de custo/benefício apresentado pela GE”. O município de Caminha “tomou a decisão de contratar com uma sociedade sem cuidar de obter informações sobre a fidedignidade e a capacidade financeira da mesma e sem confirmar os dados que o seu representante legal transmitiu”, lê-se no relatório.
O município e Miguel Alves tentaram escudar-se na existência de um parecer jurídico que garantia a legalidade da operação, o que afastaria a responsabilidade do autarca.
Mas este relatório apresentado pelo Tribunal de Contas demonstra que o parecer em causa dizia respeito a uma situação diferente e que a sua existência “não afastava os deveres” do município. O documento conclui ainda que, não havendo qualquer pronúncia dos serviços internos da Câmara de Caminha, “a responsabilidade pela prática das infrações identificadas recai sobre os titulares dos órgãos autárquicos“.
Recorde-se que o “negócio” do CET foi um dos motivos que levou Miguel Alves a apresentar a sua demissão como Secretário de Estado Adjunto do então primeiro ministro António Costa, juntamente com uma acusação de prevaricação pelo Ministério Público num outro processo relacionado com a contratação de serviços de comunicação, no qual foi absolvido no mês passado.
Liliana Silva, vereadora da Coligação O Concelho em Primeiro (OCP), pediu também a demissão do atual presidente da Câmara, Rui Lages, a 17 de Novembro de 2022, por este “ter feito com que o concelho de Caminha passasse a maior vergonha de que há memória“, por insistir em defender um negócio ruínoso para Caminha e “por nos terem feito perder, desta forma, por má gestão, 300 mil euros“, frisou na altura a vereadora da oposição.
Recorde toda a cronologia deste processo:
Em setembro de 2020 Câmara anuncia a criação do CET
Em setembro de 2020, numa notícia publicada no JN, a Câmara anunciava a criação de um Centro de Exposições e Eventos a ser construído por investidores privados na freguesia de Vilharelho, Caminha.
Caminha: Centro de exposições vai nascer na freguesia de Vilarelho
25 de Setembro de 2020 AM aprova contrato-promessa
Ainda no decorrer do mês de Setembro de 2020 era aprovado primeiro em reunião de Câmara e depois na Assembleia Municipal, por maioria, o contrato-promessa de arrendamento do futuro Centro de Exposições Transfronteiriço de Caminha.
O PSD votou contra por considerar que o contrato não defendia os interesses de Caminha e que visava a fuga ao visto do Tribunal de Contas.
CET foi um dos temas da campanha das autárquicas em 2021
O Centro de Exposições Transfronteiriço foi um dos temas amplamente discutidos durante a campanha eleitoral das autárquicas de 2021
Luís Sottomaior Braga, o candidato apresentado pelo Bloco de Esquerda ao município de Caminha, foi um dos mais críticos em relação ao contrato de arrendamento e ao projeto do CET que considerou ser a continuação do “discurso mirabolante”.
Para o candidato do BE, a questão mais importante era saber quem era afinal a Greenfield.
Já para Miguel Alves, candidato do Partido Socialista, o CET era a grande aposta para o próximo mandato, como forma de diversificar a oferta turística em Caminha.
Ascensão e queda
Em setembro de 2022 Miguel Alves renuncia ao cargo de presidente da Câmara e anuncia que vai integrar o XXIII Governo Constitucional como Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro António Costa. Sucede-lhe na presidência da Câmara Rui Lages.
Pouco mais de um mês depois ter tomado posse como secretário de Estado Adjunto, Miguel Alves vê-se obrigado a demitir-se do cargo.
Foram duas semanas a abrir noticiários e a encher as páginas dos jornais nacionais.
Depois de uma investigação levada a cabo pelo Jornal Público, o país ficou a saber que o negócio realizado em 2020 entre a Câmara de Caminha e a empresa Green Endogenous S.A., liderada pelo empresário Ricardo Moutinho, e cujo objeto era a construção de um Centro de Exposições Transfronteiriço em Caminha, era muito pouco claro. “Duvidoso” foi também o pagamento feito no valor de 300 mil euros adiantados pela autarquia à empresa para a construção da referida estrutura.
O alvo das acusações foi Miguel Alves, ex-presidente da Câmara de Caminha e à data secretário de Estado adjunto do Primeiro Ministro. Depois de muita pressão, de uma entrevista que muitos consideraram pouco esclarecedora e de uma acusação de crime de prevaricação por parte do Ministério Publico no processo Teia, Miguel Alves não resistiu acabando por pedir demissão. Era o fim de um cargo de sonho cujo convite chegou em dia de aniversário pela voz do próprio primeiro ministro António Costa.
A notícia foi divulgada pelo Jornal Público a 26 de outubro através de um artigo assinado pelo jornalista José António Cerejo a qual acusava Miguel Alves, secretário de Estado adjunto do Primeiro Ministro e ex-presidente da Câmara de Caminha, de ter feito um pagamento “duvidoso” enquanto autarca em Caminha. Em causa estava a futura construção de um Centro de Exposições Transfronteiriço a construir em Caminha.
Público acusa Miguel Alves de ter feito pagamento duvidoso enquanto autarca em Caminha
PSD sempre considerou negócio do CET “dúbio”
Em reação à notícia do Jornal Público, o PSD de Caminha lembrou na altura que algumas das informações plasmadas na mesma, já tinham sido levantadas pelos próprios em 2020, em sede de reunião de câmara, e que pelo caracter “dúbio” do negócio, votaram contra, porque já na altura não entendiam como se fazia um contrato de arrendamento sobre algo que não existia e que ainda por cima obrigava a câmara a pagar renda mensal ao promotor, a manutenção do edifício e no final, esse edifício pertenceria aos privados, depois de ter custado à câmara cerca de 8 milhões de euros.
Para além disso, revelavam na altura ter dúvidas se este tipo de contrato de arrendamento não teria sido a forma de não ter que passar pelo visto do Tribunal de Contas.
Face ao relato na notícia, o PSD considerava “lamentável” o passar de batata quente de umas mãos para as outras. “Agora ninguém sabe de nada”. O anterior presidente remete esclarecimentos para a câmara de Caminha e o atual presidente Rui Lages vem dizer que não sabe nada sobre a empresa e devolveu o assunto ao seu antecessor, quando ele próprio fazia parte do executivo, estava na reunião de câmara em que o assunto foi discutido e ele próprio aprovou o negócio feito.
Coligação OCP convoca AM Extraordinária e apresenta queixa no DIAP
Perante a avalanche de notícias, os eleitos da Coligação o OCP pedem a realização de uma Assembleia Municipal Extraordinária, justificando o pedido com as graves notícias vindas a público, envolvendo dinheiros públicos do Município de Caminha.
Caminha/CET: Deputados da Coligação OCP requerem Assembleia Municipal Extraordinária
Em nota enviada às redações, aquele grupo político anunciava que nesse mesmo dia apresentava no DIAP, uma queixa crime contra incertos “para apuramento de existência ou não de indícios de atividade criminosa, os seus autores e grau de participação”.
Oposição lamenta “trapalhada” do CET
CET é “estratégico” para Caminha considera Rui Lages
Apesar de toda a polémica gerada à volta do CET, o presidente da Câmara mantém a convicção de que a sua construção é “estratégica” para o concelho de Caminha.
Em declarações à Agência Lusa em outubro de 2022,o autarca diz mesmo tratar-se de “um investimento estratégico para o concelho, porque vai criar emprego e vai criar, acima de tudo, uma sinergia que não temos e que também está associada ao CET que é um Centro de Ciência e Tecnologia”.
Caminha: Em declarações à Lusa, Rui Lages garante que o CET é “estratégico” para Caminha
Câmara desiste de construir o CET com a Green Endogenous, S.A.
Depois de muita pressão e tendo em conta todas as notícias vindas a público que punham em causa a credibilidade do promotor Ricardo Moutinho e da sua empresa Green Endogenous, S.A., responsável pela construção do CET, o Presidente da Câmara de Caminha, Rui Lages, faz aprovar em Reunião de Câmara no dia 16 de novembro, uma proposta que lhe permitia obter a autorização, por parte dos órgãos autárquicos, para proceder à resolução do contrato promessa de arrendamento para fins-não-habitacionais celebrado em 2020 entre o Município de Caminha e a referida Green Endogenous, S.A.
A proposta seria aprovada por unanimidade.
Segundo o município, estava em causa o incumprimento contratual por parte do promotor do CET, o que inviabilizava a persecução do contrato com a Câmara Municipal.
“Dissemos a verdade, foi-nos dada razão” – OCP
“O concelho de Caminha ganhou contra os propósitos daqueles que insistiam na vergonha do contrato do CET”. A afirmação foi feita pela Coligação OCP em reação à decisão tomada em reunião do executivo no decorrer da qual o presidente da Câmara de Caminha, Rui Lages, pediu autorização para resolver o contrato do CET e exigir a devolução dos 300 mil euros entregues pela autarquia à Green Endogenous, S.A.
Em comunicado, a Coligação OCP, pela voz da vereadora Liliana Silva, manifestava a sua posição em relação a esta decisão camarária.
“Depois de no dia 2 de novembro deste ano o presidente Rui Lages ter dito que iria alterar o contrato, mantendo a ideia de manutenção de contrato ruinoso com um promotor com situações duvidosas, e que depois o iria levar a discussão e aprovação municipal, eis que:
hoje, depois de toda a pressão da população, comunicação social e nossa resolveu mudar e revogar o contrato de arrendamento. Hoje foi-nos dada razão. Dissemos a verdade!”.
Decisão desfavorável da Câmara põe ponto final ao CET
A 6 de dezembro de 2022, Rui Lages assina o despacho que ratifica a decisão desfavorável proposta pelos serviços de urbanismo ao Pedido de Informação Prévia (PIP) apresentado pelo empresário Ricardo Moutinho para a construção de um pavilhão multiusos.
“Para a Câmara de Caminha, este processo acaba aqui”, afirmou na altura Rui Lages à agência Lusa.
Caminha: Decisão desfavorável da Câmara põe ponto final ao CET
Câmara apresenta queixa crime contra Green Endogenous
A 20 de janeiro de 2023, a Câmara faz saber que intentou uma queixa-crime contra a empresa Green Endogenous e o promotor Ricardo Moutinho, responsáveis pelo projeto do pavilhão multiusos, entretanto cancelado, e requereu meios “urgentes” para assegurar os 369 mil euros adiantados pelo município.
CET Caminha: Câmara apresenta queixa crime contra Green Endogenous