“As palavras movem mas os exemplos arrastam.”
Arnaldo Botão Rego
Quando, desde os 7, 8 anos e pelo menos até aos 13-14, acompanhava o meu Pai aos Domingos de manhã, à papelaria para comprar a revista Vida Mundial, reservada pelo Zé Meira já com o nome Alírio na capa, esse era um momento feliz que só ficava melhor se acrescida de compra de uma miniatura de automóveis da Matchbox, esta já não possível senão 1 vez por mês, se tanto, dado o custo destas mesmas fantásticas miniaturas inglesas.
A perfeição e qualidade superior das miniaturas dos “carrinhos” clássicos nas diferentes séries, quase sempre na escala 1/43, ou mesmo dos carros de corrida da época, dos utilitários, das máquinas de obras industriais, dos camiões de distribuição de alimentação e móveis, dos tratores agrícolas, das caravanas ou dos jipes de safaris, ou ainda dos camiões de transporte de animais onde estes, ainda mais pequenos e perfeitos eram guardados, eram o centro que despertava a imaginação de brincar nas mais variadas aventuras e peripécias quando, muitas vezes sem autorização e às escondidas os “requisitáva” na estante da sala, onde majestosamente repousavam.
Simples brinquedos proibidos por dispendiosos e seletivamente escolhidos conforme as aventuras e brincadeiras a iniciar, horas hoje recordadas como felizes.
Alguém escreveu com superior inspiração que – “As crianças encontram tudo em nada, os homens não encontram nada em tudo”.
Não sei se hoje será exatamente assim, mas a mensagem é interessante…!
Mas dizia, ter assistido à compra dessa revista, que cessou a publicação pouco após o 25 de Abril de 1974 creio, durante esses 7-8 anos e que, como o nome indica, abordava assuntos de política nacional e internacional, mas onde existiam outros assuntos de interesse cultural (música, pintura, medicina, literatura, escultura, etc) não devia depois desse Domingo, merecer grande atenção de uma criança nessa idade, mas mereceu.
Despertou sempre enorme curiosidade e fui sempre lendo e pedindo explicações do que gostava de entender e, não que houvesse qualquer insistência do meu Pai em me educar nessa área, ou sequer estimular-me o grande prazer da leitura que afinal ele sim, verdadeiramente tinha. Mas foi exatamente isso que aconteceu e gradualmente ia-me explicando, dentro do que sabia, o que eu ia perguntando.
Lembro de uma Vida Mundial que trazia na capa o Professor Barnard que em 1967 foi o primeiro cirurgião a transplantar na Africa do Sul, um coração humano noutra pessoa, ou ainda outra capa que me deixou muito surpreendido por apresentar os bairros de barracas em Lisboa, coisa que em criança eu pensava ser impossível de existir na capital onde tudo seria, na minha imaginação, bonito e ótimo: e ainda uma outra capa com Sidónio Pais que fiquei a saber pelo “explicador” era natural de Caminha e tinha sido Presidente (da República)…de Portugal!
Também o Diário de Lisboa regularmente aparecia em casa e um houve que, aos 8 anos me marcou imenso ao noticiar em primeira página a morte de Robert Kennedy em 1968, por ser o segundo irmão da família a ser assassinado enquanto candidato a Presidente dos Estados Unidos algo absolutamente incompreensível para mim.
Tinha ainda uns tios-avós Botões, Justino e Heitor, que recebiam em casa, ainda que com um dia de atraso, o Jornal “O Comércio do Porto” e que numa arca na sala de estar que servia de mesa de leitura diária eram, depois de lidos, religiosamente arrumados por ordem do primeiro ao último dia do mês e para mim nesses anos, alvo da mais interessante leitura. Também desses Tios não havia qualquer conselho ou pressão para que eu lesse fosse o que fosse.
Havia pois o hábito de leitura e até o nome de minha Mãe Mercedes resulta de seu Pai e meu Avô Tobias andar nos tempos de gravidez da mulher, Rosalina, a ler o romance “O Conde de Monte de Cristo” no qual a personagem feminina principal tem exatamente o nome de Mercedes. A leitura sempre presente.
E até o Pai de ambos, bisavô João José, que não conheci obviamente, já em 1913 recebia pelo correio em casa, de Braga, a “Illustração Catholica” revista religiosa mas que apresentava também outros temas de interesse e atualidade nacionais.
A conclusão é linear. Quer do Pai, quer dos Tios não haviam palavras ou incentivos para que lesse, mas sim o absoluto exemplo, a confirmar da máxima que diz:
“As palavras movem, mas os exemplos arrastam”
E aqui chegado, gostava de deixar nesta Vida é Bela como reflexão, hoje necessariamente mais curta e com menos palavras, até para reiterar a frase… que me atemoriza a crise de um país ou sociedade que um dia não tendo jornais físicos ao dispor das pessoas, se limite a oferecer exclusivamente a leitura digital, com todas as vicissitudes daí inerentes.
Mas sinto que lamentavelmente esse será o destino, um dia.
Por isso também, a chegar tal hora, terei o meu tesouro guardado que é tão só a coleção de milhares de jornais, revistas, recortes, etc, selecionados por os ter achado histórica, social, cultural ou até pessoalmente importantes.
Assusta-me que a leitura digital, ao “esconder o que se lê” porque se está a olhar apenas para um ecrã, possa deixar de mostrar e por isso impedir que se veja o exemplo de quem lê num jornal, um bom artigo científico, de arte, de comemoração, de história, de filosofia, de análise de um jogo futebol, de política, de uma desgraça climática de um conflito bélico de uma história humana com final feliz, tudo de maravilhoso ou dramático que uma página de um jornal, ou de um livro, afinal podem conter.
Perde-se esse exemplo, num mundo com cada vez menos palavras vivas entre pessoas, e assim a frase citada tende a extinguir-se, no que à leitura diz respeito.
Tudo o que possa e deva ser transmitido de Pais a filhos sê-lo-á mais eficazmente se brotar de um verdadeiro prazer e amor do titular… Seja à leitura, à ciência, à política, à história, à matemática, à música, aos jornais, ao estudo, a um clube, ao canto, a Jesus, ao que for.
Basta à criança ver o exemplo.
Tal como alguém disse, referindo-se aos tempos atuais: – “Se os pais querem ver os filhos felizes, devem gastar com eles metade do dinheiro e passar o dobro do tempo”. A leitura em comum faz parte desse caminho.
Arnaldo Botão Rego