Peritos australianos em incêndios florestais defendem que os comandantes dos bombeiros em Portugal devem ter formação mais adequada e “mais experiência” na gestão dos grandes incêndios.
Um relatório feito por quatro especialistas australianos que estiveram em Portugal durante cerca de três semanas em novembro e agora publicado pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), avança que a forma como a Proteção Civil está a nomear os comandantes para liderar as operações no terreno está a levar “a maus resultados na supressão de incêndios florestais”.
“Os comandantes de operações devem ser pessoas com a formação e experiência mais adequadas, independentemente da organização ou do posto e devem ter experiência na gestão de grandes incêndios florestais complexos”, precisa o documento divulgado na semana em que a AGIF organiza, no Porto, a conferência internacional sobre incêndios florestais.
Os peritos australianos, que estiveram em Portugal no âmbito de um projeto que integra o programa de intercâmbio da AGIF e financiado pela fundação Rotary International, consideram também que os agentes da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) podem “não ser os mais apropriados, devidamente qualificados e experientes para realizar ataques prolongados em incêndios florestais”, tendo ficado demonstrada esta situação em fogos que deflagraram no ano passado.
Os especialistas defendem que a legislação deve definir as entidades com responsabilidades de resposta a emergências para situações específicas, nomeadamente para incêndios urbanos e florestais, saúde animal, saúde humana, inundações, ventos extremos e acidentes de viação, devendo cada uma determinar quem é a melhor entidade para comandar uma ocorrência.
Segundo o relatório, os comandantes responsáveis pelas ocorrências “devem ser selecionados de acordo com os seus conhecimentos, formação e experiência” e não com base “no cargo que ocupam”.
O relatório australiano destaca o trabalho dos bombeiros da ANEPC (Força Especial de Proteção Civil) e da GNR, que estão “bem localizados para o ataque inicial”, mas considera que os bombeiros não são voluntários, mas pagos num sistema de retenção, pelo que devem atuar com profissionalismo”.
O documento sublinha também que formação do pessoal do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e do público poderia contribuir para uma mudança de pensamento no sentido de compreender que o fogo é uma parte natural e essencial do ambiente português, em vez de ser apenas um processo prejudicial ou uma ferramenta.
Os peritos escrevem que este programa de intercâmbio teve como objetivo a partilha de experiências entre os dois países, mas existem “alguns fatores significativamente distintos que afetam a gestão dos incêndios florestais em Portugal”, designadamente “a legislação que restringe as operações de prevenção e supressão, as pequenas parcelas de terra e o abandono de terras que criaram dificuldades nas ações de prevenção e a humidade relativa geralmente mais elevada e as velocidades máximas do vento mais baixas que afetam” os fogos.
No relatório, os quatro peritos referem que identificaram “oito pontos-chave que parecem limitar a eficiência e a eficácia da gestão dos fogos florestais em Portugal”, contribuindo cada um deles para incêndios de grande dimensão, que causam perdas económicas e ambientais, bem como ameaçam a vida de mais pessoas.
“A falta de compreensão de que o fogo é uma parte fundamental do ambiente português, legislação que restringe práticas operacionais eficazes na supressão de incêndios florestais, gestão de combustíveis e fogo controlado, falta de capacidade dos gestores para definir e chegar a acordo sobre os objetivos da gestão das terras numa determinada área e falta de pensamento estratégico e de responsabilidade” e a falta de padrões consistentes de formação, competência e atualização dos bombeiros” são alguns dos pontos-chave identificados pelos especialistas.
Através da observação da realidade portuguesa e dos problemas que lhes foram colocados pelas entidades, os especialistas defendem igualmente que o desenvolvimento de uma base de dados “exata e centralizada” sobre a propriedade da terra ajudaria na prevenção de incêndios.
O relatório propõe ainda que a AGIF considere a possibilidade de efetuar uma análise independente de todos os incidentes graves com o objetivo de desenvolver uma cultura de melhoria contínua na gestão dos incêndios florestais.