Criar uma ligação fluvial que garantisse a travessia de passageiros e viaturas entre Caminha e A Guarda, dando desta forma continuidade a uma fronteira ancestral, e que ao mesmo tempo atraísse até Caminha os muitos turistas que anualmente visitam o Monte de Santa Tecla, o segundo destino mais visitado em toda a Galiza, depois de Santiago de Compostela, foi um dos grandes projetos a que Pita Guerreiro se propôs logo que foi eleito, em 1976, presidente da Câmara de Caminha. Da ideia à concretização do projeto passam alguns anos e depois de avanços e retrocessos, o ferry chegava finalmente a Caminha em 1993. Um caminho que não foi fácil, assim como também não têm sido os 27 anos de “vida” desta embarcação. Já diz o velho ditado que pau que nasce torto tarde ou nunca se endireita e o que aconteceu com o ferry é a prova disso mesmo, como comprova a sua história.
A ligação entre as duas margens, feita pela “Zizita”, uma barca de madeira, era na altura uma das poucas existentes no rio Minho, para além da de Valença, feita através da centenária ponte internacional que une aquela vila, hoje cidade, à de Tui.
Como forma de dar continuidade a uma ligação histórica, bem enraizada na cultura quer dos caminhenses quer dos galegos de A Guarda, Pita Guerreiro acreditou que a melhor forma de continuar este intercâmbio entre os dois povos vizinhos seria através de um ferry que, para além de passageiros, pudesse também transportar viaturas, entre elas autocarros, atraindo assim mais turismo.
Com o projeto bem delineado na cabeça, o presidente da câmara de Caminha decide apresentá-lo ao seu congénere de A Guarda que, na altura, “ficou muito entusiasmado”, recorda Pita Guerreiro.
Imbuídas do mesmo espírito, as duas localidades começam então a trabalhar nesse grande projeto de unir as duas margens através de um ferry. A primeira coisa a fazer foi sensibilizar os governos dos dois países para a importância desta histórica ligação, e para a necessidade de a melhorar. Pita Guerreiro conta que isso não foi difícil, “os governos ficaram sensibilizados e até constituíram uma comissão de trabalho para avançar com o projeto”, recorda.
Tudo parecia bem encaminhado até ao momento em que um dos elementos da dita comissão faleceu, fazendo com que a mesma nunca mais voltasse a reunir.
Sem ferry à vista os anos foram passando mas a necessidade de criar uma nova travessia mantinha-se bem firme na cabeça de Pita Guerreiro que nunca esqueceu o projeto. Assim, entre 1983 e 1985, o assunto volta à discussão já não sob a forma de ferry, mas de uma ponte internacional que ligasse as duas margens. Aproveitando o facto de estar no governo um homem do norte, Pita Guerreiro fala-lhe desta possibilidade mas, com o país em crise e sob assistência do Fundo Monetário Internacional, a construção de uma ponte torna-se inviável. “Falei com ele sobre a possibilidade de se construir aqui uma ponte, mas o ministro disse-me que não havia dinheiro”, conta.
Apesar de tudo Pita Guerreiro ainda consegue na altura uma verba de 10 mil contos, dinheiro que não dava para avançar com a ponte, mas que serviu para ressuscitar o projeto do ferry entretanto guardado na gaveta. O passo seguinte foi pedir orçamentos a diversos estaleiros e elaborar um projeto de impacto ambiental que avaliasse a necessidade de abrir
um canal para que a embarcação pudesse navegar. Pita Guerreiro recorda que já na altura o estudo revelou que seriam necessárias dragagens com alguma periodicidade. “Sabíamos que, pelo menos de dois em dois ou de três em três anos, era preciso dragar”.
O ferry, com capacidade para 4 autocarros, começa a ser construído a expensas de Portugal (com recurso a fundos comunitários), tendo os espanhóis contribuído com uma verba para a abertura do canal de navegação. Tanto a embarcação como o canal demoram vários anos a concluir e apesar de o ter idealizado, Pita Guerreiro não chega a inaugurar o
ferry uma vez que termina o cargo de Presidente da Câmara de Caminha antes da sua conclusão. Mas é ainda no decorrer do seu último mandato, que termina em 1993, que se
estabelece com os espanhóis o protocolo que iria ditar as regras de funcionamento da embarcação, nomeadamente os custos de manutenção e exploração. Segundo Pita Guerreiro, “tratou-se mais de um acordo de cavalheiros do que propriamente um acordo jurídico”.








Concluído apenas em 1995, o Ferry-Boat Santa Rita de Cássia chegou a Caminha num sábado, 20 de Maio, já com Valdemar Patrício à frente do executivo caminhense.






O acordo continuou a vigorar e as dragagens eram feitas por Portugal porque, ao contrário
de Espanha, aqui as areias extraídas podiam ser comercializadas. A manutenção, exploração e as receitas eram divididas entre os dois, cabendo a gestão da embarcação a
Caminha. Com a necessidade de recorrer frequentemente a dragagens tal era o estado de assoreamento do rio junto à foz, as areias foram-se acumulando ao longo da marginal transformando uma das zonas mais bonitas da vila de Caminha num verdadeiro estaleiro
de areias ao ar livre.

Quando chegou ao executivo, em 2002, uma das grandes batalhas dE JÚLIA PAULA COSTA foi acabar com aquele estaleiro e dar ao espaço a dignidade que ele merecia.

A presidente do executivo, Júlia Paula Costa, defendia que sendo esta uma embarcação
que beneficiava as duas localidades, então era justo que os impactos também fossem repartidos. Pita Guerreiro volta ao processo anos mais tarde, já como Governador Civil de Viana do Castelo, para tentar mediar o conflito instalado entre Portugal e Espanha. Apesar da insistência por parte de Caminha de que os impactos deveriam ser repartidos, A Guarda continuava a fazer ouvidos moucos e a assobiar para o lado como se não tivesse nada que
ver com o assunto. Só em 2007 e depois de ter sido Caminha a dragar as areias durante anos a fio, é que Espanha manifesta vontade de ser ela a dragar. Caminha não se opõe, pelo contrário, fica até satisfeita pois finalmente o outro lado parecia querer assumir responsabilidades. A única imposição que Caminha fez na altura foi que, ao assumir as dragagens, Espanha o fizesse por um período de dez anos, idêntico àquele que tinha sido assumido por Caminha. “Foi a única exigência que fizemos porque nos pareceu justa”, recorda Júlia Paula Costa.
Mas a vontade de dragar manifestada pelos espanhóis foi sol de pouca dura e à terceira dragagem, quando perceberam que os seus propósitos não estavam a ser bem sucedidos, anunciaram que não voltariam a fazê-lo. A verdade é que Espanha só manifestou interesse em ser ela a dragar porque julgou que com as areias retiradas do canal, iria resolver o problema das suas praias que estavam a ficar sem areal.
Ao perceber que as areias não eram de boa qualidade e que a população se começava a manifestar-se contra Espanha deu o dito por não dito e abandonou o processo, passando
uma vez mais a bola para o lado de Caminha. Ao não respeitar o acordo estabelecido,
os galegos ficam mal na fotografia e Júlia Paula entende a atitude como uma grande falta de consideração não só para com o município de Caminha, mas também para com o governo português. “Nós já sabíamos que a areia não tinha qualidade porque houve um ano em que a praia de Moledo sofreu uma forte erosão e nós pedimos ao Ministério do Ambiente para colocar lá areia do ferry. Fizeram-se na altura algumas análises e percebeu-se que a areia não tinha qualidade ambiental para ser colocada na praia. Eu acho incrível como é que a Junta da Galiza vem numa atitude de petulância e arrogância, dizer que quer dragar porque vai por nas praias. Nós dissemos: tudo bem mas só se for por dez anos… Quando começaram a dragar e a pôr a areia nas praias a população caiu-lhes em cima porque a areia não tinha qualidade. E depois claro, tiveram que dar um destino às areias. Como já não tinham local para depositar os inertes e os impactos provocados eram grandes, foram pô-la a alto mar, uma operação extremamente cara. Começaram a fazer contas, viram que deva muito prejuízo e desistiram do acordo. Foi uma falta de consideração muito grande tanto para com a Câmara de Caminha como para com o Governo português”, acusa Júlia Paula Costa.
Já com Miguel Alves à frente da Câmara de Caminha os problemas continuaram e foram muitas as vezes em que a embarcação esteve parada. Razões? As do costume: assoreamento, avarias, mais do mesmo…
A criação de uma ligação direta entre Caminha e A Guarda foi um dos temas que dominou o debate político das últimas eleições autárquicas de 2021. A Rádio Caminha realizou entrevistas a cada um dos candidatos à Câmara Municipal e um debate eleitoral. Na altura Miguel Alves, então candidato pelo Partido Socialista e agora presidente da Câmara Municipal de Caminha, dizia que a ponte era para esquecer e que a mesma nunca iria acontecer.
“Esqueça a ponte, a ponte não acontecerá e não faz sentido. É um investimento financeiro de tal monta, de tal impacto, que não está em nenhum plano e não é defendido estrategicamente por ninguém, nunca acontecerá. É uma promessa que vale zero e ainda bem. (…)

O autarca é “contra a existência de uma ponte” em Caminha e defendia à época, enquanto não se estuda uma ligação mais adequada, a compra de um novo ferry elétrico com energia limpa para assegurar a ligação entre as duas margens na foz do Minho, para aproveitar os financiamentos do PRR. O autarca referiu mesmo ser esta a solução para o
mandato que agora exerce. “Mas como entre estudo, ante-projeto, projeto e financiamento, vai demorar, a Câmara de Caminha vai já atuar no último mandato e o que vamos fazer é adquirir um ferryboat elétrico, movido a energia renovável, uma embarcação que vamos mandar fazer à medida para Caminha. Depois de termos esse ferry elétrico que
será pago com o PRR com as verbas que vierem para a competitividade e sustentabilidade ambiental, ficaremos com uma embarcação moderna, capaz de superar esta passagem
com energia limpa. O que queremos fazer é lançar um concurso público internacional para que uma empresa privada possa ficar com esta linha de ligação entre Caminha e A Guarda.
Uma solução à semelhança da que existe com os autocarros e demais transportes públicos. Uma empresa que trabalhe com o ferryboat e que faça a gestão dos seus funcionários,
a gestão das carreiras, garantindo que estas se façam de segunda a domingo durante todo o dia, e que acautele nesse mesmo contrato de concessão pública, tudo o que tem a ver com dragagens e manutenção da embarcação”. Miguel Alves referiu na altura que a Câmara já estava a trabalhar nesta solução e que até já existiam interessados neste concurso que, como sublinhou, “irá permitir a existência de uma carreira importante do ponto de vista turístico e económico de ambas as margens”.
FERRY JÁ NÃO SERVE
Com o canal de navegação constantemente assoreado o que faz com que a embarcação esteja mais vezes parada do que a funcionar, a necessidade de dragagens periódicas que obrigam a processos burocráticos demorados, as avarias sistemáticas na embarcação e agora no cais de atraque do lado galego inoperacional levam a equacionar se esta travessia ainda serve os propósitos com que foi criada há quase 3 décadas. Muitos consideram que não e defendem a construção de uma ligação efetiva entre as duas margens que pode ser através de uma ponte ou até de um túnel. Ao que parece Caminha e A Guarda já falam em desenvolver um estudo no sentido de encontrar uma solução que substitua o “velho” ferry incapaz de satisfazer os propósitos para que foi criado. Enquanto uma solução definitiva
não chega a única certeza que há neste momento é que o ferry está e vai continuar parado até que Espanha viabilize a reparação do cais de atraque. Até lá e com a fronteira em Caminha fechada, a solução mais perto é a ponte e Vila Nova de Cerveira que fica a 12,5 Km de distância.
“Afinal tínhamos razão quando defendíamos uma ponte para Caminha”, afirma vereadora Liliana Silva
Vereadora da oposição acusa o presidente da Câmara de ter hipotecado o concelho ao não reconhecer mais cedo, e “por questões meramente partidárias”, a importância da construção de uma ponte entre Caminha e A Guarda.
Afinal o PSD tinha razão quando dizia que só a construção de uma ponte entre Caminha e A Guarda iria resolver a questão da ligação entre as duas margens já que a única que existe e é feita pelo Ferryboat Santa Rita de Cássia, não resolve uma vez que a embarcação, por variadíssimas razões, mais das vezes está parada”. A afirmação é da vereadora eleita pela Coligação O Concelho em Primeiro (OCP) e foi feita no decorrer de uma conferência de imprensa realizada na sede do PSD em Caminha.
“O ferry está parado há vários meses e ainda agora tivemos mais uma páscoa em que o ferry não funcionou. Isto não é solução para Caminha, somos o único concelho do rio Minho que não tem uma ligação efetiva com Espanha que apesar de estar mesmo em frente, não conseguimos lá chegar”.
Liliana Silva reiterou uma vez mais que o ferry que assegura a travessia, parado há bastante tempo, não é solução. “O ferry está parado há vários meses e ainda agora tivemos mais uma páscoa em que o ferry não funcionou. Isto não é solução para Caminha,
somos o único concelho do rio Minho que não tem uma ligação efetiva com Espanha que apesar de estar mesmo em frente, não conseguimos lá chegar”. De referir que Liliana Silva sempre defendeu a construção de uma ligação rodoviária efetiva entre Caminha e A Guarda, fazendo disso uma das suas bandeiras durante a campanha eleitoral para as autárquicas e trazendo para o debate político e público essa solução. Várias ações foram levadas a cabo, desde debates a conferências, chegando mesmo à Assembleia da República pela voz de Liliana Silva. Da parte da Câmara Municipal diz a vereadora da oposição, só ouviram insultos e muita resistência ao projeto.
“Ao longo dos últimos anos temos defendido a necessidade de se construir uma ligação rodoviária efetiva entre Caminha e A Guarda. Fizemos abaixo-assinados, tornamos público na Assembleia da República, fizemos diversas iniciativas nesse sentido, mas a verdade é que o presidente da Câmara sempre arrasou a nossa opção de acharmos que a construção de uma ponte era a melhor solução. O presidente da Câmara chegou inclusive a dizer que o ferry chegava para Caminha, aliás o próprio vice-presidente, Rui Lages, disse numa Assembleia Municipal que a nossa ideia era uma megalomania”.
Mas a verdade, diz a vereadora, é que “o que se tem provado é que o ferryboat não é solução para Caminha. Nós temos um problema grave ao nível do assoreamento no rio Minho que se tem vindo a agravar e que não afeta apenas as travessias do ferry, mas que está também a afastar pescadores para outras localidades porque aqui já não têm condições para continuar a sua atividade”. Depois de muita resistência e muitas críticas à opção defendida pelo PSD, Liliana Silva diz que o executivo de Caminha está a mudar de posição em relação à ponte e que até já manifestou disponibilidade para, em conjunto com A Guarda comparticipar um estudo para aferir da viabilidade da construção de uma ponte ou de um túnel que ligue as duas margens. “Apesar de termos sido muitos criticados eis que agora, já depois das eleições autárquicas e de já não terem mais argumentos, vem o Partido Socialista (PS) dizer que afinal até vai comparticipar com A Guarda num estudo para a construção de uma ponte ou de um túnel porque efetivamente o ferry não serve.
Ou seja, o PS por razões meramente partidárias e de lutas partidárias que só estão a levar Caminha para trás, tem hipotecado o nosso futuro. Esta decisão já podia ter sido tomada
há muitos anos, já podíamos estar muito mais adiantados do que estamos. Mas a verdade e que só agora é que a proposta de um estudo para haver uma ponte veio a reunião de
Câmara. Até tenho curiosidade em saber o que vão agora dizer aqueles acérrimos defensores não do concelho de Caminha mas sim do partido, mediante esta decisão do executivo e do seu presidente que afinal nos vem dar razão e dizer que a ponte é a única solução”, atira.
ESTUDO DE VIABILIDADE DE NOVA TRAVESSIA DO RIO MINHO
UM ESTUDO QUE VAI MUITO ALÉM DA CONSTRUÇÃO DE UMA PONTE
E por falar em estudo Liliana Silva lembrou que até já tem um que foi elaborado pelo arquiteto Castro Capalez e incluído no Plano Estratégico apresentado durante a campanha
eleitoral das últimas legislativas. “Durante a campanha eleitoral e até muito antes, nós falámos da questão da ponte e da necessidade de uma ligação. No decorrer da campanha inscrevemos a necessidade da construção de uma ponte no nosso Plano Estratégico para o
concelho de Caminha e não o fizemos de ânimo leve, fizemo-lo com pés e cabeça e com base num estudo que pedimos ao arquiteto Castro Calapez”. O estudo engloba um enquadramento geral da intenção, engloba vários traçados e 3 propostas de travessia sendo que uma seria em Lanhelas, outra em Seixas e uma outra mais perto de Caminha.
A opção de Seixas é aquela que segundo Liliana Silva “parece mais indicada. Mas é claro que isto é apenas uma opinião porque estamos a falar de um tema que teria que ser discutido com a população. No entanto achamos que a opção de Seixas seria a mais interessante na medida em que é a menos impactante e ficava a meio do caminho”,
explica.
Segundo a vereadora o estudo não apresenta apenas uma proposta para uma travessia de carros “mas também de bicicletas, uma ecovia internacional, um centro de interpretação e monotorização ambiental dos rios Minho, Coura e Tamuxe, pontos pesqueiros e birdwatching ao longo do rio e da travessia, novas marinas para pequenas embarcações de recreio em Seixas e Lanhelas através da requalificação das respetivas marginais, criação de um clube de vela e construção de bancadas para competição internacional de remo”. O estudo apresenta ainda “a construção de um centro de aquacultura no rio Minho, uma praia fluvial, um waterfront em Seixas, um estaleiro de reparação de embarcações e um serviço de overcraft entre Caminha e A Guarda”.
Sobre a dimensão do projeto Liliana Silva refuta a ideia de ser megalómano e explica porquê. “Nós achamos que o projeto não é megalómano na medida em que ao fazer-se a ligação já se fazia a reabilitação de toda aquela zona de Seixas”. “O estudo vai ser enviado para a Câmara de A Guarda como contributo da Coligação OCP “, informou.