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Quinta-feira, 19 Junho, 2025
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Caminha: Hoje todos os caminhos vão dar ao S. João d’Arga

A Romaria de São João d’Arga, que se realiza de 28 para 29 de agosto na freguesia de Arga de São João, é considerada uma das romarias mais genuínas do Alto Minho e uma das mais típicas do país. É também uma das7 Maravilhas da cultura popular, título conquistado em setembro de 2020.

Tal como antigamente, ainda hoje se percorre a pé o caminho até ao mosteiro de S. João d’Arga, o local onde decorre a romaria.

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 A festa acontece à volta do antigo mosteiro beneditino que, reza a história, chegou a ser templário. Com festa ou sem ela, o local merece uma visita atenta.

Não se sabe a data da sua fundação. O Padre António Carvalho da Costa diz que foi mandado levantar por S. Frutuoso, bispo de Braga, no reinado de Sisebuto, estando acabado no ano de 661, porquanto esta escrita em uma padieira da igreja.

A primeira referencia histórica a este mosteiro, encontramo-la nas Inquirições de 1258, em que se diz que “el Rey nom e padrom”. No entanto, nas igrejas do padroado real diz-se o contrário: “Monasterium de Sancto Johanne d’Arga, est regis”, ) O mosteiro de S. João d?aega pertence ao rei).

Mas voltemos à romaria e às muitas tradições que lhe estão associadas.Logo pela manhã do dia 28, começam a chegar os romeiros, a maioria de automóvel, mas alguns a pé, como era costume, fazendo então os romeiros o percurso das “sete serras”.
À chegada, segundo a tradição, dão-se as 3 voltas à igreja e no interior do templo dá-se a esmola ao santo mas também ao “senhor diabo”.

 

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Cumprida a promessa é hora de escolher um local para descansar e petiscar no farnel. A meio da tarde realiza-se a missa, ao que se segue a procissão, na qual, para além do andor do S. João, segue também o estandarte de santo Ajinha muito venerado na serra.
Finda a procissão e todos os atos religiosos, a animação é em crescendo e de forma espontânea.

No adro da igreja e à volta dos quartéis, juntam-se inúmeros tocadores de concertina em animadas rusgas. As gargantas afinadas soltam versos picantes em resposta às “provocações” do adversário. Soltam-se gargalhadas numa animação desenfreada.
Ao redor, as tasquinhas improvisadas servem diversos petiscos e o famoso “xiripiti”, uma mistura de aguardente com mel que, se não for bem doseada, poderá causar algumas dores de cabeça.

A festa prossegue com os concertos nos coretos onde as bandas tocam em despique. As claques aplaudem, o barulho é infernal, é o caos, ninguém se entende, mas isso também não é importante.

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Os carros não param de chegar e a fila de estacionamento já conta alguns quilómetros. Grupos de pessoas convergem ao santuário engrossando o “mar de gente” que por ali anda. Naquele espaço exíguo milhares de pessoas dançam, cantam, bebem e riem num entusiasmo indescritível. É assim a romaria de São João d’Arga, única e irrepetível…

Tempos houve em que a festa durava até de manhã mas hoje, por volta das 4 da madrugada, o recinto encerra para que no dia seguinte (dia 29 de agosto) nada perturbe as cerimónias religiosas que se realizam bem cedo.
Tal como noutros tempos são muitos os grupos de pessoas que atualmente ainda se deslocam a pé até à Romaria.

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Diz a tradição que pelo menos uma vez na vida se deve ir a pé à Romaria de São João d’Arga. O caminho faz-se por trilhos antigos pelo meio do monte, velhos empedrados onde ainda hoje são percetíveis as marcas dos rodados dos carros de bois.

De Caminha todos os anos sai no dia 28 de agosto, por volta do meio dia, um grupo de romeiros em direção à romaria. Gente de várias freguesias do concelho mas também de outras paragens que se juntam para subir a serra.

O trajeto faz-se sem pressa até porque não convém chegar antes das cerimónias religiosas estarem concluías, é uma questão de respeito explica Desidério Afonso, a alma e o guia do grupo que vai à romaria desde os 14 anos.

Pelo caminho contam-se histórias, recordam-se alguns que já partiram e explica-se o significado da romaria, os seus mitos e rituais.

“A história de São João d’Arga está intimamente ligada à questão da fertilidade, isto é tudo um mito. As pessoas que não conseguiam ter filhos faziam promessa a São João d’Arga mas eu acho que tudo isto era um mito e algumas engravidavam porque nessa noite durante a romaria tricavam de companheiro e então por vezes uma ou outra lá engravidava. Alias se prestarmos atenção a algumas quadras podemos concluir isso mesmo. O Senhor São João d’Arga/ Também é um santo velhaco/ Foi à fonte levou três/de regresso eram quatro. Isto quer dizer que uma já vinha grávida”, explica Desidério Afonso.

Com fama de casamenteiro, eram muitos os rapazes e as raparigas que ali se deslocavam à procura de um amor e alguns acabavam mesmo por casar.

Pelos caminhos por onde seguiam os romeiros, seguiam também em carros de bois, os pipos de vinho que eram vendidos na romaria.

Apesar de ser considerada a romaria mais genuína de Portugal, a verdade é que nos últimos 50 anos muita coisa mudou.

Tempos houve em que as típicas concertinas foram substituídas pelos gira discos e pelos discos pedidos gritados nos altifalantes, uma moda que felizmente não perdurou graças à intervenção, como revela Desidério Afonso, do Padre Coutinho.

“A Romaria mudou muito. Quem a conheceu há quase 50 anos como eu ou há 100 como outros, já encontra poucas semelhanças. Do meu ponto de vista mudou para pior embora nos últimos anos se tenha registado uma grande preocupação em reativar algumas das tradições que se foram perdendo, nomeadamente o regresso das concertinas entretanto substituídas pelos discos pedidos que os rapazes e as raparigas dedicavam aos namorados. Depois de muita batalha e muitas criticas essa moda que descaracterizava por completo a essência da romaria acabou. Não foi fácil e até deu origem a zangas mas graças ao padre Coutinho que nos deu razão lá conseguimos”, recorda Desidério Afonso”.

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Conversa puxa conversa o grupo chega ao Lugar de Fogueiras em Arga de São João. O grupo faz uma pausa e as concertinas que também seguem serra acima fazem-se ouvir

Retomada a viagem depressa o grupo chega a Igreja Paroquial de Arga de São João. A partir dali o caminho faz-se pela estrada alcatroada que une as três freguesias de Arga. A meio do percurso, em Santo Aginha, passa-se pelo penedo dos namorados, um local lendário que tem atravessado gerações.

“Estão a ver aquela fenda e o buraco naquele penedo? A pessoa do caminho tinha de mandar uma pedra e se ela ficasse dizia-se que o rapaz ou a rapariga casariam no prazo de um ano. Mas só tinham direito a uma tentativa.

São sete da tarde e ao longe já se ouve a voz do padre que dá a bênção, o que significa que as cerimónias religiosas chegaram ao fim. O cálculo foi bem feito e o grupo chegou mesmo na hora h. Concertinas a postos e gargantas afinadas porque a partir de agora é sempre a cantar e a bater palmas até entrar no recinto da festa. Manda a tradição que à chegada os romeiros cumpram as 3 voltas à capela e depois é hora de dançar, a chula e o vira e gota e tantas outras.

Finda a dança segue-se um outro momento importante. O grupo desloca-se até ao local previamente escolhido e reservado onde vai decorrer a “mesa redonda”, que não é mais do que um piquenique onde os vários merendeiros são espalhados em cima de toalhas e toda a gente come sem cerimónia. Um momento de partilha que já os antigos cumpriam antes de seguirem para a farra noite dentro.

De barriga cheia o grupo regressa à festa não sem antes parar para um café e para o primeiro xiripiti da noite, a aguardente com mel que dá a volta à cabeça a quem não tiver cuidado.

 A partir daqui é cada um por si dança-se até que as pernas não possam mais.

No recinto não se rompe com tanta gente, só se vêm cabeças. Numa cacofonia ensurdecedora milhares de pessoas cantam, dançam e divertem-se até que as forças o permitam.

É assim o São João d’Arga, uma romaria única.

A sul do concelho, mais propriamente de Vila Praia de Âncora, todos os anos parte também um grupo de romeiros que se reúnem junto à Igreja Matriz de Vila Praia de Âncora.

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Trilham um percurso centenário descrito por um antigo romeiro de Vila Praia de Âncora, já falecido, o senhor Damião Martins Figueiras. “Este romeiro todos os anos ia a São João d’Arga para procurar proteção e pedir as suas graças”.
É um percurso que é considerado de nível 1 devido à sua extensão e características do terreno. “Há determinados locais com declives acentuados, mas não é para ter medo porque há romeiros com 60 e mais anos que fazem o caminho com uma perna às costas por isso lanço o desafio a toda a gente, independentemente da idade, para que nos acompanhem”.

É um trajeto que atravessa o Vale do Âncora e entra numa pequena área da bacia do Coura, cruzando os concelhos de Caminha e Viana do Castelo e sete freguesias: Vila Praia de Âncora, Vile, Riba de Âncora, Gondar, Dem, Montaria, entrando no coração da Serra d’Arga.

Para além do objetivo religioso do caminho, os romeiros que o percorrem têm oportunidade de vislumbrar paisagens belíssimas e inesquecíveis.
José Alfredo Costa já fez o caminho várias vezes e conhece-o bem. “Não é um caminho fácil, tem várias descidas e subidas mas se for feito calmamente não há problema”, garante.

Ao longo do percurso cruzam-se outros grupos vindos de outras paragens. “É engraçado porque nos vamos cruzando com outros grupo de outros locais, no ano passado apanhamos um grupo que vinha de Lanheses e outro de Vila Franca do Lima. Isto era uma tradição que existia antigamente e que as pessoas não querem deixar morrer”.

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Noutros tempos o próprio caminho em si era já uma verdadeira romaria. “As pessoas cantavam, dançavam e tocavam concertina pelo caminho. A festa já começava ali”.
Alfredo Costa lembra-se de ser pequeno e ir com os avós a São João d’Arga. Desses tempos, e já lá vão mais de 50 anos, guarda imagens que jamais esquecerá.
“Lembro-me de ver as mulheres vestidas com os fatos à lavradeira e com os cabelos cheios de caracóis feitos com o azeite e o garfo. Lembro-me de ver os grupos chegarem a pé de todo o lado e a confluírem para o local. Nesse dia todos os caminhos iam dar a São João d’Arga”, recorda.

Apesar de ser uma romaria onde a tradição ainda se mantem, este ancorense considera que a mesma já começa a ser invadida por algumas “modernices”.
“Estamos a falar de uma romaria que era muito limpa de tudo, no entanto já por lá se vêm algumas coisas menos desejáveis”.

De Caminha também parte um grupo  de romeiros. A Saída está marcada para o meio dia e meia e a partida faz-se da Praça Conselheiro Silva Torres.

 

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