A câmara e os pescadores de Caminha reconhecem a importância da aposta nas energias renováveis, mas alertam que não pode ser feita à custa das atividades económicas do território, como é o caso das pescas.
“Todas as partes reconhecem a importância da transição para uma economia menos dependente do carbono, mais resiliente, mais competitiva e mais saudável, mas que não pode acontecer a todo o custo, castigando os territórios de forma severa e condenando ou pondo em causa atividades imprescindíveis para a vida e para a economia desses próprios territórios, como é o caso da pesca”, afirma o presidente da Câmara de Caminha, citado em nota enviada.
No documento, o socialista Rui Lajes refere-se ao acordo entre a autarquia e duas associações de pescadores de Caminha e Vila Praia de Âncora, ambas naquele concelho do distrito de Viana do Castelo, a propósito da consulta pública do Plano de Afetação para Energias Renováveis ‘Offshore’ (PAER) que terminou ontem.
“A Câmara de Caminha e os pescadores do concelho estão unidos numa posição única relativamente ao PAER. Em diálogo e com grande sentido de responsabilidade, valorizando também a importância da descarbonização, foi possível chegar a um documento de consenso, subscrito pela câmara e pelas duas associações de pescadores, Caminha e Vila Praia de Âncora”, reforça a nota.
“O plano [de Afetação para a Exploração de Energias Renováveis ‘Offshore’ – PAER] que está em cima da mesa tem algumas áreas da pesca que vão ter dificuldades em continuar a exercer atividade. Não é a pequena pesca. Do que foi estudado e dos dados que temos, a pequena pesca é menos afetada do que outros segmentos de atividade”, afirmou Teresa Coelho aos jornalistas, à margem do 2.º Congresso da Pequena Pesca, que decorreu, em novembro, em Vila Praia de Âncora.
A secretária de Estado assinalou que, do primeiro PAER para o atual, que esteve em consulta pública “até 13 de dezembro”, as áreas “foram afastadas da costa”, pelo que será a “pesca de arrasto” a área “mais afetada” no setor das pescas.
A pequena pesca, o “segmento mais representativo da pesca” nacional, será “menos afetada”.
De acordo com uma nota de imprensa do Ministério da Economia e do Mar, a aprovação do PAER antecede o procedimento concorrencial para o cumprimento do objetivo de disponibilizar uma capacidade de 10 gigawatts (GW) de energia eólica ‘offshore’ (em alto mar) até 2030.
Lusa
Pescadores em luta há quase um ano
Assim que se percebeu a dimensão e os impactos desastrosos que a implementação de um parque eólico offshore na costa de Caminha iria provocar, principalmente nas comunidades piscatórias, os alarmes soaram e os protesto e movimentações para travar o processo foram vários. Em Caminha o assunto ganhou dimensão pela voz da vereadora da oposição Liliana Silva que em abril chamou a atenção para os impactos negativos que um projeto desta natureza traria não só para a comunidade piscatória mas também para o ambiente e economia do concelho, nomeadamente o turismo.
Tal como já tinha feito anteriormente em relação ao lítio, a vereadora da Coligação O Concelho em Primeiro (OCP), Liliana Silva, considerou que só com a união de todos seria possível fazer alguma coisa para travar este parque eólico ou pelo menos tentar minimizar os seus impactos. Nesse sentido e numa corrida contra o tempo, são convocadas as associações de pescadores do concelho para uma primeira reunião que se realizou na sede da Associação de Pescadores em Vila Praia de Âncora. Nesse encontro realizado a 24 de abril, todos concluíram que a instalação do projeto, tal como estava no despacho assinado pelo Secretário de Estado do Mar, e ex-presidente da Câmara de Viana do Castelo, António Maria Costa, seria “uma catástrofe” para os pescadores considerando que o mesmo ditaria o fim da atividade piscatória no distrito e no concelho de Caminha.
Essa foi também a convicção de Liliana Silva que em declarações ao Jornal C no final dessa reunião, explicava o que está realmente estava em jogo.
“O que está em causa são as pescas no distrito de Viana do Castelo, é podermos dizer neste momento, com muita mágoa e muita angústia, que podemos estar a falar da extinção da arte da pesca no distrito de Viana do Castelo. Para que as pessoas entendam melhor, é importante lembrar que neste momento já temos 3 eólicas a funcionar em alto mar e o que se constata é que não há peixe em toda a área à volta das turbinas. Para além disso existe uma proibição de pescar naquela zona. Mas pronto estamos a falar de 3 eólicas e os pescadores conseguiram adaptar-se mas neste momento o que está em causa é um projeto do Governo para colocar em toda a nossa costa turbinas eólicas a funcionar. O que é que vai acontecer? Não vai haver peixe, vai ser novamente proibida a arte da pesca e eu pergunto o que vão fazer estes pescadores? E preciso ver que a pesca é uma das maiores indústrias de Viana do Castelo”, referiu a vereadora na altura.
O projeto, levado à discussão sem auscultar todos os parceiros, foi segundo Liliana Silva, uma imposição.
“Este projeto foi lançado para audição pública mas a verdade é que ele foi lançado quase como uma imposição. Os locais já foram definidos por um grupo de trabalho definido por despacho do Secretário de Estado José Maria Costa, grupo esse que só inclui pessoas relacionadas praticamente com a energia. Então e os pescadores? Porque é que não tiveram em conta neste grupo de trabalho a questão das pescas? Porque não foi mais abrangente? Porque não incluíram associações ambientais? Ao que sabemos não foram tidas nem achadas na definição destas áreas para construção destes parques eólicos? Não podemos de forma alguma menosprezar a arte da pesca e o potencial que ela tem para o nosso território quer em termos turísticos, quer económicos e sociais. É por isso que eu acho que é impensável vir aqui impor um parque eólico para toda a nossa costa e dizer claramente que a pesca vai ser extinta. Isto não pode acontecer, tem que haver preocupação da nossa parte e por isso esta reunião, Em conjunto vamos trabalhar para conseguirmos bloquear de alguma forma esta intenção do Governo”.
Na reunião ficaria decidido elaborar um abaixo assinado com todos os pescadores locais, do mar e do rio, assinaturas essas que deveriam estar reunidas até ao final dessa semana. Nesse documento, a enviar para Lisboa, os pescadores, numa ação conjunta, pediam uma reunião urgente à Comissão do Mar e da Energia. Numa verdadeira luta contra o tempo, em apenas dois dias foi possível reunir mais de 500 assinaturas num trabalho conjunto que envolveu as associações de pescadores de Vila Praia de Âncora, Caminha e Ribeira Minho e a vereadora da Coligação.
Para Liliana Silva o sucesso na recolha de tantas assinaturas em tão pouco tempo superou todas as expectativas e revelou a dimensão do problema para toda a comunidade. “A recolha de tantas assinaturas em expectativas, tivéssemos nós mais tempo e conseguiríamos muitas mais. Isto só revela que estamos perante um assunto urgente que importa estagnar agora. Conseguimos mais de 500 assinaturas em dois dias o que mostra que este é um assunto que preocupa as pessoas, não só a comunidade piscatória, mas também todas as outras áreas que vão ser afetadas por este problema, nomeadamente a restauração, o turismo, todo o dinamismo local.”.
Para a vereadora as 500 assinaturas reunidas “são claramente um cartão vermelho à intenção de se construir este parque eólico tão perto na nossa costa”.
David Sanches, representante de mais de 135 associados na Associação de Pescadores da Ribeira Minho, mostrou-se preocupado com o impacto que a instalação do parque eólico offshore tão próximo da costa teria nas espécies migratórias que fazem desova no rio Minho, contrariando o que está disposto nas diretivas europeias.
“A verdade é que eu não estava muito dentro do assunto porque nós somos pescadores de rio, no entanto percebemos que ao afetar a pesca costeira, este parque eólico vai acabar por prejudicar também a pesca do rio porque se o peixe por afugentado dessas zonas acaba por não entrar no rio Minho. É por isso que a nossa Associação e os seus associados apoiam esta iniciativa”.
Favorável às energias limpas, David Sanches não se mostrou contra as eólicas, simplesmente disse contestar a sua localização tão perto da costa onde normalmente operam pequenas embarcações que se dedicam à pesca costeira até às 5 milhas. O presidente da associação de pescadores da Ribeira Minho manifestava ainda inconformismo pelo facto dos pescadores não terem sido ouvidos. Considerou “lamentável que o governo não tenha auscultado a opinião dos pescadores, em tão importante dossier”.
Também Augusto Porto, da Associação de Profissionais de Pesca do Rio Minho e do Mar, sublinhou na altura a rápida recolha de tantas assinaturas em tão pouco tempo, referindo que as mesmas demonstravam a preocupação que este assunto trazia aos pescadores e às suas famílias, com consequências para todo o território.
Recolhidas as assinaturas, em menos de uma semana, chegava a Caminha a confirmação do agendamento para o dia 17 de maio, de uma reunião na Assembleia da República com a Comissão Parlamentar de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação.
Com a reunião em Lisboa marcada, os pescadores voltariam a reunir-se em Vila Praia de Âncora desta vez para definirem um caderno reivindicativo a apresentar na Assembleia da República.
Convocada pelo presidente da Associação de Pescadores de Vila Praia de Âncora, a reunião realiza-se a 4 de maio desta vez alargada a mais associações do distrito. Para além das associações de Caminha e Ribeira Minho, participaram também a Ribeirinha de Viana do Castelo e a de Castelo de Neiva.
No encontro ficou decidido exigir em Lisboa a elaboração de um estudo de impacto ambiental, biológico e social deste parque eólico offshore.
A 17 de maio vários pescadores, incluindo os de Caminha, rumam a Lisboa para, pela primeira vez, serem ouvidos pelo Governo acerca da instalação do Parque Eólico Offshore. A acompanhar a delegação de pescadores, foi também a vereadora da Coligação OCP, Liliana Silva.
Na Assembleia da República os pescadores são recebidos por uma Comissão Parlamentar presidida pelo deputado Tiago Brandão Rodrigues, em representação da Comissão do Ambiente e Energia, e pelo deputado Jorge Mendes do PSD, representante da Comissão da Economia e Mar, ambos eleitos pelo circulo eleitoral de Viana do Castelo.
Na capital, os pescadores, pela voz de Liliana Silva, voltaram a reiterar que não estavam contra as eólicas, mas sim contra ao mega parque eólico previsto para a costa de Viana do Castelo.
“Consideramos que não se pode querer mitigar uma crise climática provocando depois uma crise na biodiversidade e na sustentabilidade”, apontou.
Os pescadores chamaram a atenção para o que estava a acontecer em Viana do Castelo, pediram que o mesmo erro não fosse repetido e até houve mesmo quem pedisse a suspensão imediata do parque eólico.
No fundo, o que os pescadores foram dizer a Lisboa é que tal como está no projeto, a coabitação entre o parque eólico e a pesca não será possível.
Um dia após a deslocação a Lisboa (18 de maio), o diretor da DGRM desloca-se a Caminha para uma sessão de esclarecimento onde marcam presença diversas associações de pescadores do concelho e não só. Nessa sessão, José Simão, diretor da DGRM, ouviu da boca dos pescadores as muitas preocupações da classe em relação a ao mega projeto que se pretende instalar e que vai afetar profundamente a atividade piscatória local.
Depois de ouvir os pescadores, o diretor da DGRM deixou algumas promessas. Desde logo disse que as áreas definitivas não eram definitivas mas sim áreas preliminares “que agora vão ser reverificadas para se fazer as afinações necessárias por forma a minimizar o impacto nas atividades”, garantiu.
Apesar de já existir uma área identificada, José Simão deixou a garantia que ainda nada estava fechado. “Não estamos a falar de uma área fixa, estamos abertos a discutir e essa é a principal mensagem que eu trago hoje. Estamos aqui para vos ouvir, ouvir as vossas preocupações e as vossas sugestões no sentido de otimizar a área e eventualmente até reduzi-la. Estamos disponíveis para fazer as adaptações necessárias que vão ao encontro de instalar ali alguma energia eólica. Esse é um caminho que vamos todos ter que fazer, mas queremos fazê-lo de forma a que minimize o impacto nas vossas atividades”, anotou.
Passados seis meses e conhecido que já é projeto do plano de afetação para a exploração de energias renováveis “offshore” (PAER) cuja consulta pública terminou ontem 13 de dezembro, os pescadores dizem não estar contra as energias renováveis mas alertam que não pode ser feita à custa das atividades económicas do território, como é o caso das pescas.