Humildade, camaradagem, boa disposição, entreajuda. São estes os quatro pilares da Desnível Positivo – a Associação Desportiva e Recreativa Luso-Galaica criada há menos de dois anos no concelho de Caminha (por escritura, a 18 de Janeiro de 2012) e que nos últimos meses tem registado um crescimento que está a deixar “assustados” os fundadores.
Insatisfeitos com o clube espanhol onde praticavam uma modalidade que combina a corrida com a caminha em cenários de natureza, Pedro Gonçalves e o galego Fran decidiram criar, em terras lusas, o seu próprio clube. “Foi o primeiro clube de trail em Portugal. Uma associação com direito próprio, com número de contribuinte, com estatutos e corpos gerentes. Porque clubes existiam, mas associação dedicada ao trail é a primeira”, explica Pedro Gonçalves, um dos fundadores.
Reconhecidos como atletas de trail, Pedro e Fran arrastaram com eles para a Desnível Positivo outros que estavam insatisfeitos com os clubes que os representavam. Um deles, para surpresa dos fundadores, foi Carlos Sá, já na altura considerado o melhor atleta português da modalidade. “Ele chega à nossa beira e diz que também quer pertencer ao clube. Eu e o Fran ficamos os dois a olhar. É que o Carlos já tinha um clube. Ele disse que nos admirava, que admirava o nosso trabalho e que queria pertencer ao nosso clube”. Pedro contrapropôs que, para isso, Sá teria de ser o sócio nº 1 e pertencer à direcção. O atleta concordou.
Foi o amuleto da sorte, numa altura em que já tinha sido realizado o Grande Trail da Serra d’Arga, por ele promovido.
A prova, juntamente com o acolhimento que obtiveram da Câmara de Caminha foi o que levou os três homens, um natural de Melgaço a residir em Monção, outro da Galiza e outro ainda de Barcelos, a escolherem o concelho como sede da associação que promete revolucionar o trail em Portugal. Tal como explica um dos fundadores da Desnível Positivo, o município caminhense tem condições únicas para a prática do trail:
“A Câmara de Caminha apoiou-nos com instalações no renovado estádio Morber, mas o concelho também nos acolheu bem. Eu morava em Monção e não senti esse apoio, nem em Melgaço, de onde sou. Além disso, Caminha tem condições muito interessantes para a prática deste desporto. A Serra d’Arga é espectacular. É pequena, a altitude não é por aí além, mas é uma serra que dá para praticar trail ao mais alto nível. Exemplo disso é o Carlos Sá, que é lá que pratica. Recordo que há poucas semanas venceu a ultra-maratona de Badwater, uma das mais difíceis do mundo”.
O presidente da Desnível Positivo acredita que a Serra d’Arga, explorada sob o ponto de vista do trail, tem todo o potencial de se transformar num marco da modalidade em Portugal. Para isso, sugere a criação de uma grande rota de trilhos na serra, capaz de atrair os atletas do trail.
Mas não é qualquer um que se torna atleta da modalidade. Pelo menos, não é qualquer um que veste a camisola da Desnível Positivo, a primeira associação de trail em Portugal com sede no concelho de Caminha. Com carácter internacional, a Desnível tem actualmente 34 atletas-sócios de todo o pais, da Galiza e dois da Suiça e 70 sócios não atletas. Os que querem envergar a t-shirt com o símbolo desenhado a azul e verde tem de, primeiro, passar pelo crivo dos três elementos da direcção. Não se pense que só os melhores atletas são escolhidos. Não! Os critérios de selecção são outros. Os eleitos têm de ser pessoas que, para além da prática do trail, tem de saber valorizar sobretudo a vida humana, a amizade, a camaradagem, a humildade, a boa disposição. O carácter competitivo vem em último lugar.
“Uma das premissas do clube é que os atletas estão cá porque se sentem bem e não porque tem de fazer isto ou aquilo. Nós temos atletas desde o melhor, que é o Carlos Sá, até atletas que são os últimos. Um dos elementos da direcção, por exemplo, é um indivíduo que vai de máquina fotográfica para os trails. Isto diz tudo. E é uma das pessoas mais conhecidas em Espanha por participar nos trails. Onde quer que vá, toda a gente o conhece. Tem quase tanto protagonismo como o Carlos Sá”.
Bom ambiente e camaradagem era o sonho de um irmão de Pedro, também um atleta que faleceu no ano passado, e que o fundador da Desnível Positivo faz questão de perpetuar. Essa selecção está a resultar. E de uma associação de atletas de trail, a Desnível positivo já passou mesmo a ser uma associação casamenteira: “No clube, desde o mais conhecido até ao último dos atletas, todos nos preocupamos. Essa é uma característica que fazemos questão de manter na direcção. Só entra para o clube como sócio-atleta quem a direcção decidir, que é para manter uma certa amizade. Uma das maiores alegrias que eu tive no trail de Ponte de Lima foi realçarmo-nos no meio daquilo tudo pela boa disposição que havia entre nos. Até fui às lágrimas. Já tivemos inclusive casos de namoros dentro de clube. É um clube de amigos”.
E só entra quem preenche estas características. A direcção da associação já se deu ao luxo de dispensar o pedido de adesão de atletas com títulos por considerar que não tinham o perfil ideal para se adaptarem ao espírito da Desnível Positivo. E os exemplos vêm de cima. Carlos Sá, por exemplo, perdeu no ano passado o terceiro lugar na prova de Mont Blanc, o ponto mais alto a Europa e a prova de trail mais conhecida do mundo, para ajudar um colega que entrou em hipotermia. Ficou ao lado, emprestou-lhe roupa e acompanhou-o até ao próximo posto de segurança. Só quando o companheiro foi atendido pelos médicos é que Carlos Sá retomou a prova.
Trail cresce de forma exponencial em Portugal
Com o crescimento “louco” da modalidade, sobretudo nos últimos seis meses, a Desnível Positivo tem-se afirmado em menos de dois anos de existência também pelos títulos alcançados e pela qualidade dos atletas que já conseguiu congregar, quase todos eles atletas amadores que conjugam o trail com a vida profissional, sem ganharem qualquer prémio monetário nas provas em que participam. “Temos o caso do Nuno Silva; o Alvino; o caso da Ester que é vice-campeã nacional; temos o Luís Pereira com vários pódios”, ilustra Pedro Gonçalves, que nunca imaginou um crescimento tão rápido da modalidade.
A próxima meta é aproximar o clube da população através da realização de mais free runnings com uma agenda pré-definida anualmente; dar um novo equipamento ao clube e equipar o espaço cedido no Morber pela Câmara de Caminha com o material de treino já garantido por um dos patrocinadores.
Depender exclusivamente do dinheiro que a própria associação consegue angariar; manter a unidade do clube e o espírito de camaradagem são objectivos para manter.