4 anos depois da adesão à Àguas do Alto Minho (AdAM), a fatura da água não pára de crescer em todo o Alto Minho. Caminha e Viana do Castelo são os municípios que mais pagam.

Um estudo publicado na última edição da DECOPROteste, de Dezembro de 2023, comprova isso mesmo. Na capital do distrito, o valor da tarifa para 120 m3 é de 376,17 € e para 180 m3 é de 527,21 €. Em Caminha, o valor da tarifa para 120 m3 é de 373,88 € e para 180 m3, 514,65 €. Seguem-se os municípios de Valença, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Vila Nova de Cerveira e Arcos de Valdevez.

Resultado Viana

Resultado Decoproteste Caminha

Os municípios que se recusaram a integrar a AdAM, Ponte da Barca, Monção e Melgaço são os que mantêm as tarifas mais baixas.

Em Melgaço, para um consumo médio doméstico de 120m3 anuais de água, 292.29 €. Para um consumo de 180 m3, 382,06 €. Segue-se Monção, com 225,52 € para 120 m3 e 309,94 € para 180 m3. Por último, em Ponte da Barca, 185,30 € e 268,85 €, respetivamente.

Ao contrário do que afirmaram os autarcas dos 7 municípios que defenderam a criação da AdAM, aqueles que não aderiram ao “negócio” mantiveram os seus tarifários mais baixos e não tiveram qualquer impedimento no investimento nas redes de saneamento, abastecimento e tratamento de água através de fundos comunitários. Da mesma forma, também não são conhecidas quaisquer majorações para os municípios que integram a AdAM, propriedade das Águas de Portugal, na captação de fundos para investimento.

Dos 7 municípios aderentes à AdAM, apenas 2, Caminha e Valença – o segundo e o terceiro com a água mais cara – não praticam tarifa social.

A DECOPROteste disponibiliza uma ferramenta onde poderá aceder aos dados completos por concelho, bastando um pequeno registo para aceder aos resultados.

Entrega da água às Águas de Portugal traz desigualdade no tarifário em praticamente todo o país

Numa nota enviada à imprensa sobre o estudo, publicado na revista de Dezembro de 2023, a Deco alerta ainda para a “elevada discrepância” (a nível nacional) do valor da fatura da água entre os municípios. Na nota, pode ler-se que “as diferenças de preços entre concelhos na fatura global ultrapassam os 376 euros.”

Contas feitas, apesar da água ser agora propriedade de uma empresa pública (Águas de Portugal), 100% participada pelo estado, com este modelo é distribuída em Portugal com valores diferentes em praticamente todo o território, contribuindo para a desigualdade no acesso a este bem essencial.

A DECO PROTeste defende o reforço dos poderes da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) e a entrada em vigor do Regulamento Tarifário dos Serviços de Águas, com vista a regular e uniformizar as taxas de abastecimento em Portugal.

Segundo aquela publicação são excessivos os últimos aumentos nas faturas globais, que  variam entre os 45 e 92%, com a justificação dos municípios praticantes de limitar o consumo inadequado de água em períodos de seca. O Fundão lidera a tabela dos aumentos.

Ao todo, “são 250 os concelhos do Continente com avaliação insatisfatória, cobrem ou não preços elevados. É bem evidente a urgência de tarifas harmonizadas em todo o território…”

Leia a nota de imprensa na íntegra aqui.

 

A AdAM

A AdAM, que iniciou a sua atividade em 1 de Janeiro de 2020, é detida em 51% pela Águas de Portugal (AdP) e em 49% pelos municípios de Arcos de Valdevez, Caminha, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira.

A justificação para a adesão de Caminha à AdAM, apresentada por Miguel Alves em 2020, então presidente da Câmara Municipal de Caminha, era de que o tempo de resposta a problemas na rede de abastecimento de água seria mais célere e a empresa poderia fazer mais investimento na rede/saneamento, uma vez que a câmara já não tinha essa capacidade.

O que se seguiu foi um início de atividade “desastroso” para a empresa. Aumentos consecutivos na tarifa da água, erros nas faturas, leituras que não eram consideradas, valores indevidamente cobrados, faturas adicionais para regularizar erros a acrescentar a compra de cabazes de natal de valores “exorbitantes” a empresas fora do distrito.

2020

AdAM garante que erros de faturação serão corrigidos até ao final de maio

Recorde-se que em Abril de 2020, os erros nas faturas foram de tal ordem sucessivos e “escabrosos” que o presidente do concelho de administração da AdAM pediu desculpa publicamente aos 15 mil clientes da empresa e garantiu que “ninguém sairia prejudicado”.

Caminha: Miguel Alves condena vandalismo na AdAM mas exige da empresa resposta para os problemas

Os erros e os aumentos nas faturas levaram inclusive a atos de vandalismo na loja da AdAM de Caminha. Miguel Alves, presidente da Câmara Municipal de Caminha e porta voz deste “negócio”, admitiu as falhas no funcionamento das Águas do Alto Minho.

 

A faturação foi suspensa em abril, por um período de 35 a 90 dias, numa média de cerca de dois meses, e reiniciada em junho de 2020.

Distrito: Administradora Executiva da AdAM apresentou demissão

Face ao complicado início de atividade da AdAM, a 14 de Julho, Inês Alves, a Administradora Executiva da AdAM, apresentou a sua demissão.

Caminha: Cerca de uma dezena de cidadãos pede o fim da AdAM

A 8 de Agosto de 2020, surgia a primeira manifestação de populares à porta da loja de Caminha. Este grupo espontâneo de cidadãos pedia o fim da AdAM a quem acusavam de estar a causar grandes prejuízos à população referindo que com esta nova gestão os consumidores estariam a pagar a água a preços muito mais elevados. À mesma hora, noutros concelhos do distrito, a população também se juntou para contestar e pedir o fim da AdAM. Em causa estavam novos erros nas faturas. A empresa pediu novamente desculpa por “incorreção” detetada num “lote” de leituras dos consumos de maio, que afetou as faturas de 495 clientes de seis concelhos da região, garantindo estar a processar notas de crédito.

2021 – A fatura amarela

Alto Minho: AdAM regulariza consumos suspensos em 2020 por erros nas faturas

A 16 de Janeiro de 2021, a AdAM anunciou que iria enviar uma fatura adicional (a famosa fatura amarela) referente ao valor dos consumos não faturados em 2020, de Abril a Junho.

Os consumidores poderiam regularizar os consumos “na totalidade, pelos canais de pagamento usuais, ou de forma fracionada, bastando não realizar a liquidação imediata”.

“Valores inferiores a 30 euros seriam pagos em seis frações, cobrada nas faturas dos seis meses seguintes e os valores superiores a 30 euros seriam pagos em 12 frações, cobradas nas faturas dos 12 meses seguintes”, explicou a empresa.

Alto Minho: Autarcas consideram desempenho da AdAM uma “enorme desilusão”

O desempenho da empresa era uma “enorme desilusão” para os autarcas do Alto Minho que aderiram à AdAM. Isso mesmo foi dito em comunicado por José Maria Costa, então Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, a 17 de Fevereiro numa conferência de imprensa naquela cidade. Sobre uma hipotética dissolução da ADAM, Miguel Alves afirmou que confiariam “nas garantias que tinham sido dadas”. No entanto se as coisas “não melhorassem”, os autarcas não iriam ficar parados e teriam de existir mudanças”.

Caminha: Vereadores do PSD exigem “rescisão imediata” do contrato com a AdAM

A 19 de Fevereiro, através de comunicado, os vereadores do PSD no concelho de Caminha exigiam a rescisão imediata do contrato com a AdAM. No documento, os três vereadores começariam por lembrar que desde o primeiro momento votaram contra a criação desta empresa por considerarem que a mesma iria “penalizar gravemente” os consumidores.

Para o PSD “o aumento do valor da fatura da água devia-se aos gastos do funcionamento e funcionalismo da empresa, ao Iva e taxas cobradas, ao aumento para o dobro e quádruplo, no caso dos não domésticos, do valor da água por m3.”

Liliana Silva foi mais longe e considerou “lamentável que numa altura de pandemia, com tantas famílias com dificuldades e empresas em risco de fechar, que se andem a comprar brindes e cabazes alimentares a empresas de fora do distrito para depois nos porem a todos a pagar esses luxos através das faturas da água, sem uma única explicação.”

Caminha: Cerca de meia centena de consumidores manifesta-se contra a AdAM

A 15 de Março surge uma nova manifestação em frente ao edifício dos Paços do Concelho em Caminha, agora com meia centena de manifestantes. As queixas eram uma vez mais aquelas a que todos já nos tínhamos habituado nos últimos meses, faturas com valores exorbitantes, leituras erradas e o aumento exponencial do preço da água.

“Não à AdAM”, “não pagamos”, “a água é nossa” ou “reversão já”, foram algumas das palavras de ordem proferidas pelos manifestantes que, depois de se concentrarem em frente aos Paços do Concelho, marcharam até à loja da Adam em Caminha. O protesto contra as Águas do Alto Minho decorreu em simultâneo em vários concelhos do distrito que também integram a AdAM.

As 3 cartas fora do baralho

Ponte da Barca: Autarca considera que a não adesão do município à AdAM foi “uma boa decisão”

Recorde-se que três concelhos do distrito – Ponte da Barca (PSD), Monção (PSD) e Melgaço (PS) – reprovaram a constituição da parceria com a AdAM desde o início e mantiveram a posse e a gestão da água nos seus municípios.

A 21 de Março de 2021, Augusto Marinho, presidente da Câmara de Ponte da Barca reafirmava que a manutenção da gestão das águas municipais sob domínio da autarquia era “uma boa decisão”, ao contrário do que julgaram sete outros autarcas do Alto Minho quando assinaram contrato com a empresa Águas do Alto Minho (AdAM). Augusto Marinho dava conta ainda de um recente “investimento muito importante na rede municipal de abastecimento de água”, às expensas do município, que assegurariam a qualidade e a distribuição da água pelo concelho.

Foto Debate
Debate Autárquicas 2021 – Rádio Caminha

De salientar que, nas autárquicas de 2021, aos microfones da Rádio Caminha, Miguel Alves afirmava, tanto em entrevista como em debate, que os municípios que não tinham aderido à AdAM iriam fazê-lo, mais cedo ou mais tarde, e os que “ameaçavam” sair estariam a mentir, por saberem que não iriam ganhar.

 

Todos os seus opositores nas eleições autárquicas – Rui Seixo (CDU), Luis Sottomaior Braga (BE) e Liliana Silva (OCP) – defendiam a rescisão do contrato e a saída da AdAM.

Liliana Silva lembrou inclusive que o município de Melgaço não precisou da AdAM para investir, em 2020, 3 milhões de euros em redes de água e saneamento, pelo que o argumento de Miguel Alves da necessidade de adesão à empresa para maior investimento, segundo a candidata da OCP, “caía por terra”.

 

2022 – É possível a reversão?

O contrato com a ADAM é irreversível?

A propósito de um outro estudo divulgado pela DECO em 2022, que apontava o concelho de Caminha como o concelho do distrito onde a água é a mais cara, o Jornal C recordava aquele que foi o assunto mais polémico das últimas eleições autárquicas.

Nos concelhos vizinhos de Vila Nova de Cerveira e Valença venceram os candidatos que prometeram aos eleitores a saída da AdAM. Estes dois municípios pediram pareceres jurídicos para avaliar a possibilidade legal da sua saída desta empresa e chegaram à conclusão de que há uma cláusula que impede que os municípios rescindam individualmente, sendo obrigatória a rescisão de todos os municípios aderentes. Vila Nova de Cerveira e Valença vão intentar a anulação deste normativo de forma a poderem sair da AdAM.

Ao dia de hoje, ambos os concelhos ainda permanecem na AdAM.

Assembleia Municipal: Caminha “refém” da ADAM, considera a CDU

A cedência à ADAM das infraestruturas de saneamento construídas pela Câmara de Caminha na freguesia de Vilar de Mouros, foi um dos assuntos da ordem de trabalhos da Assembleia Municipal de Caminha de 30 de setembro de 2022.

A proposta foi aprovada por unanimidade, mas o tema dividiu as opiniões. O deputado Celestino Ribeiro da CDU lamentou que com a adesão à ADAM o concelho tenha ficado refém da empresa, responsabilizando o PS por esta situação. 

A inexistência de qualquer contrapartida para essa cedência foi uma das principais críticas feitas a esta proposta apresentada pelo executivo socialista, nomeadamente do presidente da Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora, Carlos Castro, que considerou esta cedência “uma vergonha”, lembrando que as infraestruturas que vão ser entregues à empresa, no valor de 800 mil euros, foram pagas pelos munícipes através dos seus impostos.

Também o deputado Jorge Nande, eleito pela Coligação OCP, questionou esta cedência sem qualquer contrapartida.

2023 – O que ganhou o seu município com a adesão à AdAM?

Foi esta a questão que o Jornal C colocou a cada um dos presidentes de câmara dos municípios que entregaram em 2020 o seu bem mais precioso, a água, à empresa Águas do Alto Minho (AdAM), detida pela Águas de Portugal, empresa 100% pública. Até ao momento ainda não obtivemos resposta.

Na verdade, é uma pergunta que se pode colocar também aos habitantes de qualquer um destes municípios. Certamente que a resposta dos munícipes será unânime: “ganhamos apenas um aumento exorbitante na fatura.”