O verão está à porta e com ele chegam também as festas e romarias que se realizam aos milhares por esse país fora. Não há cidade ou lugarejo mais recôndito que não tenha sua, trazendo de volta à terra os filhos espalhados por esse mundo fora. Em Julho vai-se à romaria a São Bento, em Agosto à Santa Rita e em Setembro à Senhora da Bonança.
Pelo meio contam-se dezenas delas como o Senhor de ao Pé da Cruz em Moledo, a Senhora d’Agonia em Caminha , o São João na Serra d’Arga , a festa das Solhas em Lanhelas e tantas outras. E isto só no concelho de Caminha porque por esse Minho fora não há um dia de descanso.
É assim o Minho, repleto de alegria e cor, um infindável mar de sugestões onde o que custa mesmo é escolher porque é quase impossível estar em todas. De facto as romarias constituem um costume religioso cujas origens se perdem nos tempos. Geralmente têm a sua origem em cultos pagãos que frequentemente tinham lugar em antigos santuários que mais tarde deram origem a pequenas ermidas e templos cristãos, em torno dos quais se reza, canta e dança tal como outrora se fazia. Mas a romaria não é só reza, é também pretexto para festa, arraial e foguetório. Cumprem-se as promessas aos santos da devoção e depois toca a andar para a folia porque a festa está aí.
É a primeira grande romaria do concelho de Caminha, uma das mais antigas e a que mantém ainda muito da sua genuinidade. Referimo-nos ao São Bento de Seixas, festa que se realiza anualmente no mês de Julho e que atrai até àquela freguesia ribeirinha, milhares de romeiros.
Este ano o programa arranca oficialmente no dia 2 de julho com o início das novenas em honra de São Bento, e até 12 de Julho são muitas as propostas e novidades propostas pela Confraria de São Bento, entidade organizadora destas festividades.
Em declarações ao Jornal C, Rui Ramalhosa, presidente da Confraria, revela alguns dos momentos altos desta festa cujo orçamento ronda os 40 a 50 mil euros.
“Neste momento já estamos a ultimar os pormenores para que este ano as festas de São Bento sejam aquilo que os romeiros esperam: uma romaria tradicional, uma romaria religiosa e com muitos momentos de diversão.”
Sendo esta uma romaria “essencialmente religiosa”, como explica Rui Ramalhosa, a festa arranca com as tradicionais novenas, “cujo ponto alto acontecerá no dia 5, com a realização de um sarau artístico no Santuário”.
Participam neste sarau o Grupo das Paróquias de Lanhelas, Vilar de Mouros e Seixas, dirigido pelo Padre Ricardo Esteves e o Orfeão do Agrupamento Musical de O Rosal dirigido por Toñi Santos.
“Julgo que esta será uma boa oportunidade para que as gentes da nossa freguesia e das freguesias vizinhas que se dedicam ao canto, possam estar lado a lado com as festividades de São Bento e ao mesmo tempo mostrarem a evolução que têm tido nestes últimos tempos”.
As novenas a São Bento reúnem todos os anos muitas dezenas de romeiros que, a pé ou de carro, ali se dirigem diariamente para agradecer ou pedir a bênção a este santo que é também o Pai e padroeiro da Europa.
“Nós em Seixas temos um pouco a tendência de considerar que S. Bento é nosso, até lhe chamamos o São Bento de Seixas, mas a verdade é que ele não é nosso, é de todos, é universal. Claro que nós temos a nossa fé no nosso São Bento e, como nós temos, também todo o litoral norte tem. Nós temos romeiros que vêm à festa desde Viana até Melgaço e até da Galiza”.
E foi precisamente a pensar nos romeiros da Galiza e num intercâmbio cultural e religioso que sempre existiu mas que nos últimos anos perdeu alguma expressão,
que a Confraria decidiu este ano introduzir na programação alguns momentos protagonizados por “nuestros hermanos”. É o caso do Orfeão do Agrupamento Musical de O Rosal de que já falamos, mas também da Banda do Agrupamento Musical O Rosal dirigida pelo maestro Marcel Van Bree, que irá atuar no Largo de São Bento no dia 10 de Julho.
Para Rui Ramalhosa este será um dos momentos altos da programação deste ano, visto tratar-se de uma banda de grande prestígio que irá reunir em palco perto de uma centena de elementos.
“Este ano não teremos o habitual despique entre as bandas nos coretos como tem sido hábito ao longo dos anos. Vamos apostar num formato diferente e por isso vamos ter a Banda de Lanhelas a atuar a solo durante toda a tarde, até perto das 19 horas, ao que se seguirá a tradicional despedida na Capela. Mais tarde, a partir das 22 horas e depois da última novena a São Bento, a Banda do Rosal dará um grande concerto num palco grande montado para o efeito. Entre os elementos da Banda e os do Orfeão, serão mais de 100 elementos em palco. Julgamos que vai ser um espetáculo que vai valer a pena”.
O concerto terá lugar no Largo de São Bento e a Confraria vai por à disposição do público cerca de 250 cadeiras para que possam assistir confortavelmente “a este grande espetáculo”. Esta será a primeira grande novidade das festividades deste ano. Terminado o concerto pela Banda do Rosal, terá lugar um espetáculo de fogo de artfício, ao que se seguirá a habitual despedida no Santuário da Banda do Rosal.
E a Romaria continua no dia 11, dia dedicado às grandes manifestações religiosas em honra de São Bento. O primeiro grande momento será a realização da missa campal que irá decorrer no Largo de São Bento, ao que se seguirá a Procissão com dezenas de andores e centenas de figurantes. A procissão terá também algumas novidades como avança Rui Ramalhosa.
“Este ano e por solicitação da nossa comunidade piscatória, que é bastante expressiva, decidimos envolver ainda mais os pescadores da nossa terra nesta festividade que é também muito significativa para eles. Assim lançamos o desafio a todos os pescadores para que decorem as suas embarcações, dando desta forma um brilho e um colorido diferente à passagem da procissão pela margem do rio Minho.”
Ao que parece o desafio foi bem aceite pelos pescadores e assim sendo, perspectiva-se outro momento interessante destas festividades. “No sentido de premiar o esforço dos pescadores, a Confraria decidiu criar um pequeno concurso que irá premiar as 3 embarcações mais originais e mais bem engalanadas. Os prémios serão entregues numa pequena cerimónia que terá lugar no dia 11 à tarde. “Será uma forma de homenagearmos a nossa comunidade piscatória”, refere o presidente da Confraria.
“Já o fizemos anteriormente com a entrega de um diploma e uma medalha de São Bento a todos os pescadores que contribuíram com o seu donativo na denominada noite de São Bento, e vamos agora voltar a fazê-lo, premiando as melhores embarcações e assinalando a participação de todos com uma pequena lembrança”, acrescenta.
As festividades do dia 11 prolongam-se pela noite dentro com uma noite dedicada ao Folclore, uma atividade que em Seixas já teve grande expressão e que depois de um interregno, a Confraria quer voltar a introduzir no programa.
“Seixas já teve um grande Rancho Folclórico que infelizmente terminou. Nós não queremos que os Seixenses, principalmente os mais novos se esqueçam da sua etnografia, e por isso decidimos este ano dedicar uma noite ao folclore”.
Os convidados são o Grupo Etnográfico de Vila Praia de Âncora e o Grupo Cultural e Recreativo os Camponeses Minhotos de Cerdal.
A noite termina com a habitual Serenata no rio Minho que este ano poderá também trazer algumas surpresas. “Estamos a tentar introduzir música e fazer desta Serenata um momento diferente e mais animado”, explica o presidente da Confraria de São Bento.
O último dia de festa será no sábado, dia 12 de Julho, e o destaque vai para a atuação do Grupo “Roconorte” de Monção, uma presença habitual nas festas de São Bento e “uma boa escolha” como considera Rui Ramalhosa. “O Roconorte já conhece bem a nossa festa e adapta-se muito bem a ela”, explica.
A Romaria 2014 em honra de São Bento termina, como não poderia deixar de ser, com um espetáculo de fogo de artifício a invadir de cor e brilho o céu desta freguesia que recebe a primeira grande romaria de Verão do concelho de Caminha.
As expetativas em relação às novidades introduzidas é grande, e a Confraria espera que esta seja uma vez mais uma grande romaria que não defraude as expetativas dos muitos romeiros que são esperados na freguesia de Seixas. A São Bento só se pede que faça o milagre do bom tempo, “porque o resto fazemos nós, seixenses, os romeiros e todo o povo que temos a certeza virá prestar homenagem a São Bento”, remata o presidente da Confraria.
Programa detalhado das festividades em honra de São Bento
Dia 2 de Julho – Quarta Feira
21H00 – Início da novena a São Bento, com reflexões da vida e obra de são Bento, a cargo do Padre Ricardo Esteves.
Dia 5 de Julho – Sábado
21H00 – Feira Franca, música gravada e novena de São Bento.
22H00 – Sarau Artístico no Santuário, com o Grupo das Paróquias de Lanhelas, Vilar de Mouros e Seixas, sob a direção do Padre Ricardo Esteves e com o Orfeão do Agrupamento Musical de O Rosal sob a direção de Toni Santos.
Dia 6 de Julho – Domingo
9H00 – Feira Franca e Música Gravada
11H15 – Missa no Santuário com o Grupo Coral de São Bento
22H00 – Novena de São Bento
Dia 10 de Julho – Quinta Feira
8H00 – Alvorada
12H00 – Meio dia de fogo
12H45 – Entrada no recinto da Banda Musical Lanhelense
15h00 – Concerto pela Banda Musical Lanhelense
Feira dos alhos e artesanato
19H00 – Despedida da Banda Musical Lanhelense
21H00 – Novena a São Bento
22H00 – Concerto no Largo de São Bento pela Banda do Agrupamento Musical O ROSAL dirigida pelo maestro Marcel Van Bree
24H00 – Monumental Espetáculo de fogo de artificio da Pirotecnia de Lanhelas
00H30 – Despedida da banda do Agrupamento Musical O ROSAL
Dia 11 de Julho – Sexta-Feira
8H00 – Alvorada
9H00 – Entrada da Banda Musical Lanhelense
10H00 – Banda de Gaitas de Cardielos – Viana do Castelo
10H30 – Missa Campal no Largo de São Bento
11H30 – Majestosa Procissão em honra de São Beto de Seixas – Grande manifestação de fé – Dirigida pelo Agrupamento de Escuteiros
12H30 – Sermão na praia – Benção dos Barcos – Homenagem aos Pescadores de Seixas
15H00 – Concerto pela Banda Musical Lanhelense
19H30 – Despedida da banda no Santuário de São Bento
22H00 – Grande noite de folclore em Seixas com o Grupo Etnográfico de Vila Praia de Âncora e o Grupo Cultural e Recreativo os Camponeses Minhotos de Cerdal
00H00 – Serenata do Rio Minho – Festival de fogo de artifício no Rio Minho
Dia 12 de Julho – Sábado
9H00 – Música gravada
10H00 – Entrada do Grupo de Bombos de Sopo
22H00 – 2º Arraial Noturno, com a atuação do Grupo Musical “ROCONORTE”
24H00 – Fogo de Artifício
Encerramento da Romaria 2014-06-16
Dia 13 de Julho –Domingo
9H00 – Música gravada
11H15 – Missa solene no Santuário de São Bento
Atuação da Banda O Rosal “um momento alto das festividades”
É um dos grandes destaques na Romaria. Esta banda de música da Agrupación Musical do Rosal iniciou a atividade em 4 de maio de 1986, sendo seu diretor D. Laureano Matos Barcia. Desde outubro do ano passado o diretor da banda musical é D. Marcel Vam Bree.
Desde a sua criação que organiza diversos atos culturais, concertos pedagógicos, de grupos de câmara, com acompanhamento coral… e desde o ano 1989 organiza anualmente o “Festival de Músicos Xoves”, que já contou com a participação de bandas da Comunidade valenciana, Murciana e também de Portugal. A sua participação é solicitada numa infinidade de certames, festivais, concertos e realizou já importantes intercâmbios culturais com outras bandas galegas, assim como do resto de Espanha e Portugal.
Atualmente, a banda é formada por 80 elementos, alguns deles já profissionais, com as suas carreiras musicais terminadas. O holandês Marcel Van Bree é o diretor da banda. Estudou no Conservatório Superior de Tiburgo, onde obteve os diplomas de clarinete e direção com as máximas classificações. Desde a sua vinda para a Galiza em 1992 a até ao ano de 2004 foi diretor do Conservatório Profesional de Lalín, da Orquestra de Câmara do mesmo e da Banda Municipal de Lalín. Foi diretor da “Banda Sinfónica da Galicia” e da “Banda da Federación Galega” no momento da sua fundação. Foi diretor da Banda Municipal da Coruña e do Coral Polifónica El Rco, também da Corunha. Atualmente é diretor da escola de música e da banda da Agrupación Musical do Rosal.
O culto a S. Bento na freguesia de Seixas remonta a tempos imemoriais. Reza a história que será anterior ao século VI e há documentos que provam que “em 1455, por provisão de D. Afonso V, é concedido o privilégio de se poder realizar uma Feira Franca no souto da capela – a chamada veiga do santo – por ocasião das festas em sua honra”.
É portanto secular a veneração a este santo que ao longo dos séculos, geração após geração, se mantém intocável. Será então possível imaginar a freguesia de Seixas sem São Bento? Ricardo Esteves, pároco da daquela freguesia, diz que não. E vai mais longe, diz que é impossível porque “Seixas é São Bento”. Em declarações ao Jornal C a propósito da celebração de mais uma romaria em honra daquele santo, o padre Ricardo fala de uma “relação cultural e afetiva muito forte” entre a freguesia e São Bento.
“É impressionante perceber a mobilização de toda a comunidade em torno de São Bento, inclusive por parte de pessoas que nem sequer são praticantes. Digamos que é um momento de paz. São dez dias que convidam a uma grande afetividade e comunhão entre as pessoas, crentes e não crentes”.
Esta relação cultural com os monges franciscanos, a ordem formada por São Bento, é secular e está intimamente ligada à existência de uma abadia naquela freguesia. “É por isso que em Seixas o padre tem o título de abade”, explica Ricardo Esteves. Era também aos monges que cabia a tarefa de atravessar de barco quem quisesse seguir para norte. A travessia era feita em pequenas embarcações que eram conduzidas pelos monges. A forma como os seixenses vivem o São Bento e como ele é “acarinhado pelas pessoas da freguesia”, é outro dos aspetos que Ricardo Esteves faz questão de salientar. Segundo o pároco, essa forma peculiar de viver o São Bento por parte da freguesia, atrai muitas pessoas de outras localidades, inclusive espanhóis.
Para o padre Ricardo esta vivência é algo que está “ muito enraizado” nas pessoas e por isso mesmo “é impossível” imaginar Seixas sem São Bento. “É o ex-libris da freguesia”, sublinha.
O culto a São Bento é exteriorizado pelas gentes da freguesia nos diferentes momentos da romaria que se prolonga por 10 dias. “Por vezes até de uma forma um pouco extravagante”, como confessa Ricardo Esteves que, de todos os momentos da festa, aquele que menos aprecia, é o do santo carregado de ouro e notas na procissão. “Eu não gosto mas respeito e compreendo porque as pessoas sentem orgulho em exibir isso. Mas se pensarmos que São Bento nasceu no seio de uma família rica italiana, e que por amor a Cristo e à sua fé renunciou a tudo, não faz muito sentido esta opulência”, explica.
“Mas eu entendo que isso seja uma forma de acarinhar o Santo, que para os seixenses é o Sr. São Bentinho”, acrescenta.
Mas afinal quem foi São Bento, ou São Bentinho como os seixenses gostam de lhe chamar?
A história diz-nos que foi um jovem muito rico que um dia, “iluminado por Deus não tenho dúvidas”, decidiu renunciar à riqueza e à vida mundana e dedicar-se a esta ascese. Foi espontaneamente, por vontade própria que ele renunciou a tudo”.
A novena em honra de São Bento é outro dos momentos importantes desta romaria. Nos 9 dias que antecedem o dia da grande festa, centenas de romeiros, vindos de diferentes localidades, a pé ou de carro, dirigem-se à capela para rezar e refletir sobre a vida deste santo. Ricardo Esteves fala de uma média de 500 pessoas durante a semana, um número que pode chegar aos 5 mil no dia da festa, sendo a sua maioria espanhóis. “É impressionante o número de espanhóis que vem a esta festa e apesar de eles terem o São Benedito, preferem o nosso São Bento”.
Esta preferência pode ter a ver, segundo o pároco, “com a forma acolhedora e o saber receber por parte dos seixenses”. A esta forma simpática de receber os romeiros junta-se também os muitos milagres operados por São Bento e que vêm sendo relatados pelos fiéis como confirma o Padre Ricardo.
“Há muitas pessoas que me relatam milagres impressionantes não só relacionados com os cravos nas mãos que desaparecem com as promessas, mas também outros. Estamos a falar de testemunhos verídicos que acabam por fazer parte da história. Eu já vi um senhor espanhol que quando chegou tinha as mãos cheias de cravos e no fim da missa já não tinha nada. Isto é a prova de que São Bento escuta e isso traduz-se na adesão das pessoas”.
Quando à romaria propriamente dita ela não terá sofrido grandes alterações quanto ao seu formato, para além daquelas que os tempos modernos impõem. As bandeirinhas de papel que outrora enfeitavam o espaço da festa, deram lugar às iluminações led, sinais dos tempos em que a palavra de ordem é poupança de energia e preocupação ambiental. Mas se por um lado manter esta genuinidade é importante, por outro lado há que saber acompanhar esta evolução e é por isso que Ricardo Esteves alerta para a necessidade de repensar alguns aspetos, nomeadamente no que diz respeito à parte profana. Segundo o pároco há que cativar mais a juventude com um programa que seja capaz de atrair gente mais jovem à romaria.
“Eu julgo que a Confraria, que é a responsável pela organização da festa, devia apostar um pouco mais na noite, com uma programação mais vocacionada para os jovens. Repare que esta geração que ainda vive do São Bento vai terminar e se nós não formos capazes de trazer os jovens à festa acaba por morrer. Em Melgaço já se está a apostar muito nisso”.
No que toca à parte religiosa o padre Ricardo considera que a aposta em momentos diferentes, como foi o caso da missa campal, “foi uma boa aposta”.
“Relativamente à parte religiosa penso que não se pode fazer muito mais, a grande aposta deverá ser agora na parte profana porque se é verdade que a vertente religiosa purifica, não é menos verdade que a pagã unifica. E isso é muito importante”, remata.