O concelho de Caminha foi considerado pelo INTEC – Instituto de Tecnologia Comportamental como um dos melhores municípios para viver em Portugal, conquistando o segundo lugar no ranking geral. Os prémios foram divulgados e entregues em Coimbra, numa cerimónia onde o presidente da Câmara, Rui Lages, marcou presença.
Citado numa nota de imprensa emitida pelo município de Caminha a propósito deste prémio, Rui Lages referia que a autarquia tinha aceite “o desafio de nos sujeitarmos a uma avaliação científica”, sublinhando que, como Caminhense, sempre se sentiu “privilegiado por ter nascido e poder viver num concelho como o nosso”.
Um estudo que segundo o autarca “nos permite saber o que pensa a população, perceber o nosso posicionamento numa perspetiva mais abrangente, que junta indicadores, estatísticas oficiais, que usa um filtro independente e científico; sem paixões, que nos fornece uma visão global. É muito importante, é sobretudo um instrumento de trabalho, um desafio, é assim que o encaro”, referia o autarca.
A notícia, divulgada em novembro de 2022, até caiu bem aos caminhenses que a leram ou ouviram falar dela. Quem é que não gosta de saber que a sua terra está entre as melhores do país para se viver?
Aparentemente o prémio pretendia dignificar as melhores políticas públicas desenvolvidas pelos autarcas portugueses. Mas a que preço? Ao que se sabe por 12.500 euros, valor que cada um dos municípios, incluindo claro está o de Caminha, teve que pagar para levar para casa os troféus.
Mas tendo Portugal 308 municípios qualquer caminhense poderia pensar que ficar em segundo lugar mesmo pagando os tais 12.500 euros que todos tinham que pagar, até poderia ser considerado um feito. Só que não porque na verdade, dos 308 municípios que compõem o país, apenas duas dezenas embarcaram neste logro.
Numa gala de luxo segundo quem lá esteve, Caminha, o segundo classificado do ranking global trouxe uma catrefada de prémios. Ficou em primeiro na categoria do Ensino e Formação, em segundo no Bem Estar, no Urbanismo e Habitação e na Segurança, Diversidade e Tolerância, e ainda em terceiro no Ambiente. E Bragança, o terceiro classificado no ranking global, também amealhou o primeiro lugar no Ensino e Formação, o segundo lugar na Mobilidade e Segurança Rodoviária, e ainda o terceiro lugar no Bem Estar, no Urbanismo e Habitação e na Segurança, Diversidade e Tolerância.
O promotor como já foi referido no início, foi a INTEC que teve como media partner o Jornal de Notícias e a Universidade de Coimbra como parceira.
MAS AFINAL O QUE É E QUEM É A INTEC?
Depois de várias pesquisas online percebe-se que apesar de se apresentar como Instituto de Tecnologia Comportamental, a INTEC não é mais do que uma associação criada em 2007 por um casal de professores do ISCSP”, que conseguiu convencer duas dezenas de autarquias a desembolsarem 12.500 euros em troca de prémios e galardões em barda, atribuídos com base em critérios no mínimo pouco claros.
Apesar do nome chamativo de INTEC – Instituto de Tecnologia Comportamental, a verdade é que não foi possível confirmar se está associada a alguma entidade de ensino ou investigação. Na verdade trata-se de uma associação privada criada em 2007 por Patrícia Jardim da Palma, presidente, e pelo seu marido Miguel Pereira Lopes que desempenha a função de presidente da Assembleia Geral.
Mas será que esta informação foi partilhada à população pelos autarcas? A resposta é não. A única informação que passou foi que eram os melhores do país mesmo com uma amostra muito reduzida, 20 num universo de 308.
Um ranking no mínimo polémico que deixa muitas dúvidas sobre a transparência de todo este processo. Um prémio nacional duvidoso que contemplou apenas quem pagou.
EM CAMINHA A OPOSIÇÃO REAGIU
E se é verdade que da parte da autarquia de Caminha nada foi explicado sobre o processo que envolveu este prémio, o mesmo não se pode dizer da oposição liderada pela Coligação O Concelho Em Primeiro (OCP) que numa entrevista ao Jornal C a 11 de novembro de 2022, através do deputado municipal Jorge Nande, veio a público acusar o presidente da Câmara Rui Lages de estar a seguir os passos do seu antecessor quanto às contratações públicas dando como exemplo este mesmo contrato com a INTEC.
Ao que se sabe, o contrato entre o presidente da autarquia, Rui Lages – que substituiu o ex-secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves – e a presidente do INTEC, Patrícia Palma, foi assinado no próprio dia da gala, 3 de Novembro. E o contrato especifica que se destina à candidatura ao prémio.
Mais tarde, a 25 de janeiro de 2023, a mesma Coligação OCP, através de uma nota de imprensa enviada às redações, veio a público dizer que não reconhecia qualquer mérito a um prémio “pago a preço de ouro”.
Na referida nota aquela Coligação lembrava que na altura tinha chamado à atenção para o facto de ser “um prémio pago com o dinheiro de todos os contribuintes e para o qual tinha sido feito um contrato que suscitava dúvidas relativamente à sua legalidade”.
Ou seja, garante a Coligação, “o serviço foi prestado antes (o estudo feito pelo INTEC que daria acesso ao prémio recebido) e o contrato foi feito depois, o que não pode acontecer. A data do contrato, que está público na plataforma basegov coincide com o dia em que Rui Lages recebe o prémio em Coimbra. Uma situação semelhante à que está a levar a julgamento Miguel Alves e Manuela Couto”.
Na mesma nota, a OCP lamentava ainda o dinheiro gasto num estudo deste tipo, “que não reflete a realidade de um país e num concelho onde há tanta falta de dinheiro plasmado nos atrasos de pagamento a fornecedores como a Luságua ou as dividas à Pólis entre outras”. A OCP considera” que foi dinheiro deitado fora, novamente, mais para promover a imagem do presidente da câmara Rui Lages, exatamente como o seu antecessor o fazia, do que para promover o concelho”.
Destacam ainda que os 15 mil euros somados aos 369 mil euros do CET “davam para aprovar as recomendações de baixa dos impostos municipais para as famílias do nosso concelho, apresentadas pela Coligação em Assembleia Municipal de novembro de 2022 e que foram chumbadas pela maioria do PS”.
Relativamente ao Relatório a OCP salienta “a falta de rigor no estudo”, acrescentando que “as gralhas saltam à vista quando se lê”.
Segundo a Coligação OCP, “o documento começa com uma caracterização do concelho de Caminha que apresenta erros de palmatória: refere Caminha como sendo uma cidade; que o município faz fronteira a este com Ansião e Alvaiázere; que a cidade de Caminha possui uma via marítima através do Ferryboat de Santa Rita Cássia; que a praia de “Modelo” e a Feira de Todos os Santos são dos locais/festividades mais importantes”.
Erros que segundo a Coligação OCP, “refletem falta de rigor da informação, de quem não conhece o concelho mas cobrou 15 mil euros por um estudo.
Soubemos, pela leitura do documento, que este se baseou em 174 inquéritos realizados à população do concelho, sendo a amostra constituída maioritariamente por população sem filhos em idade escolar (72,4%)”. Ou seja, acrescenta ainda a OCP, “uma amostra que não chega para fazer correspondência com a realidade do concelho de Caminha”.
Os resultados deste relatório apresentam-se em dois tipos: objetivos e subjetivos.
“Quanto aos primeiros, o concelho de Caminha destaca-se com valores muito fracos, quando comparados com a média dos municípios participantes.
A população do concelho entrevistada, e isto sem considerar as famílias com filhos que vivem dificuldades gravíssimas, perceciona o município de forma negativa, segundo o estudo, em vários dos subtemas em análise: Economia e Emprego, Mobilidade e segurança rodoviária e Bem-estar.
Os munícipes mostraram-se “insatisfeitos” com a “satisfação global com a vida na atualidade” e “pessimistas” quando a questão era “Otimismo em relação ao futuro”.
Para a Coligação OCP, a “falta de rumo político, como seria de esperar, é um sinal vermelho na vida dos munícipes levando à insatisfação face à sua vida na atualidade e pessimismo face ao futuro. Estranhamente, o presidente da Câmara não refletiu isto nas suas aparições e declarações públicas, andando só de fotografo atrás e assessoras pessoais e de imprensa, com o prémio na mão tentando passar uma imagem que não corresponde com a realidade.
A Coligação O Concelho em Primeiro, que tem feito diversas propostas estratégicas, tanto em reunião de câmara como em Assembleia Municipal, para melhoria da vida dos caminhenses, tem visto tudo chumbado pela maioria socialista. Não aceitam uma única ideia! A coligação não reconhece mérito a este prémio porque só visou 20 concelho de 308 que existem no País, porque só esses é que pagaram. Esse dinheiro era necessário para obras que realmente fazem falta no nosso concelho.
O presidente mudou, mas a forma de gastar o dinheiro que é de todos para pagar assessorias de imagem e comunicação a Rui Lages mantém-se na mesma linha de atuação, em detrimento do progresso efetivo e realista do concelho de Caminha. Mais um presidente que não vai a lado nenhum sem uma câmara fotográfica atrás. Isto não é gestão municipal nem estratégia para o concelho, é um tipo de campanha eleitoral a tempo inteiro para promoção pessoal com o dinheiro que é de todos os munícipes”, acusa na referida nota a Coligação OCP.
Este artigo integra a edição em papel de 24 de Fevereiro do Jornal C – O Caminhense, já nas bancas.