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Segunda-feira, 17 Março, 2025
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O maravilhoso “Se” de um Castigo!

Concluído o 3.º ciclo do Ensino Básico em 1975, o ano letivo seguinte para muitos jovens do concelho de Caminha que, como eu, quisessem continuar os seus estudos, teria o Liceu Nacional de Santa Maria Maior em Viana do Castelo como destino, e subjacente a esse futuro estava a ideia partilhada com alguns amigos de: “Escola maior, cidade maior… liberdade!”.

Ao fim de algum tempo e já em aulas no Liceu, o intervalo da manhã de 30 minutos era em algumas vezes para… fumar, coisa que mal sabíamos fazer. Aos 15, 16 anos essa era uma aventura proibida e por isso obrigatoriamente feita às escondidas nas traseiras do pavilhão
de Educação Física, não porque fumar fosse considerado na altura prejudicial, mas porque simplesmente não éramos adultos.

Havia por essa altura no Liceu um Sr. Contínuo que, entre outras funções, devia vigiar os mais rebeldes, desobedientes e também os “fumadores” que obviamente não se limitavam,
aos comigo, 4 companheiros de grupo.

Acontece que uma vez, provavelmente por nos ter bem estudado previamente e gorado
o nosso habitual plano de fuga, encurralou-nos em flagrante delito e exigia energicamente:
“Os vossos algarismos, os vossos algarismos já”!

Tivemos assim de lhe dizer o nosso número e turma, que ia apontando num pequeno papel: “Os algarismos x, y, z, n, estavão a fomar.”

Como me encontrava perto e vendo o que escrevera, tive a infeliz ideia de lhe dizer: “Isso está cheio de erros, não é assim que se escreve!”

Rapidamente percebi que, para além de desobediente, fumador, sendo o mais novo do
grupo, tivera ainda o desplante de corrigir uma pessoa mais velha.

Custou-me cara a lição de gramática, tal a fúria do Sr. porque foi já debaixo de um enérgico: “Na minha frente ao Diretor” – que em minutos estávamos à porta do mesmo que, inteligentemente e depois de conhecedor da façanha, foi muito claro.

Ficaria imediatamente sem o intervalo da manhã durante uma semana e a haver próxima vez, seguiria uma comunicação para casa, o que foi mais que suficiente para que terminassem ali mesmo as minhas aventuras tabágicas.

Não menos importante e grave era ficar sem o melhor intervalo das aulas. Para mais ficaria na Biblioteca, local que frequentava, mas não nesse horário e muito menos na circunstância de “castigado”. Era castigo de facto.

A secretária e responsável pela Biblioteca era uma senhora que habitualmente fazia o seu pequeno intervalo nessa mesma hora e via-se assim constrangida em deixar-me sozinho, pedindo-me por isso que ficasse sossegado nesse entretanto, e fechando apenas uma das portadas da Biblioteca fez com que ficasse visível, nas costas da mesma, um cartaz amarelado com enfeites de cornucópias e em título um grande “SE”, seguido de um texto. Tive de me aproximar para ver o que seria afinal aquele grande texto encimado por esse estranho “SE”.

O que lá estava era um poema de Rudyard Kipling, memorizado a partir desse dia e que revisito frequentemente como se se tratasse de um bom amigo em quem se confia e a
quem podemos pedir bons conselhos.

Rudyard Kipling foi um escritor e poeta, nascido na Índia britânica em Bombaim em 1865 e falecido em Londres em 1936, tendo sido Prémio Nobel da Literatura em 1907. Vale a pena pesquisar a sua vida e ler “O Livro da Selva”. Crê-se que o poema “Se” é dedicado ao seu filho então com 12 anos.

A tradução que conheci na Biblioteca do Liceu de Santa Maria Maior, é entre outras que conheço, a mais tocante. As noções do que é necessário para uma vida grande, útil, honrada, de sabedoria e respeito estão todas lá, em verso.

E porque a vida é bela, aos 15 anos receber de forma voluntária, sem imposições ou moralismos, todos aqueles simples conselhos, sensibilizou-me, marcando-me para sempre.
Maravilhoso castigo que rende juros de vida, e foi afinal tão barato. Bastou ler, fascinar-me e decorar. Bastou “fomar”.

Se

I
Se vês tombar num dia tudo o
que na vida ergueste de nobre
E começas logo a reconstruir
Se arriscas tudo numa carta e ficas pobre
mas continuas a sorrir

II
Se podes suportar que as tuas melhores frases
Sofram deturpações ou sirvam de entremez
E se ouvindo sobre ti mentiras contumazes
Tu não mentires uma só vez

III
Se podes amar sem sempre te apaixonares
Ser forte e não deixar de ser sentimental
Se te sentires odiado e nem por isso odiares
Mas defenderes sempre o teu ideal

IV
Se consegues contemplar a ciência face a face
Sem renegar a fé, nem ser demolidor
Sonhar sem permitir que o sonho te embarace
Pensar sem ser apenas um pensador

V
Se podes ser duro e ser calmo sem custo
Ser valente sem fúria nem temeridade
Se consegues ser bondoso e ao mesmo tempo justo
Sem tibieza nem vaidade

VI
Se consegues ser modesto entre os aplausos vãos
Acompanhar os reis e os simples simplesmente
E se a todos podes tratar como irmãos
Sabendo que não podemos confiar em toda a gente

VII
Se consegues transformar o triunfo em derrota
E olhar essas duas ilusões de igual maneira
E se consegues manter neste Mundo cruel
e maravilhoso a tua própria rota
Por entre tanta dúvida e cegueira

VIII
Então os deuses, os príncipes e a vitória
Consentirão que as tuas mãos o Mundo tome
Porque acima da maior realeza e de toda
e qualquer glória
Meu filho tu serás um Homem

Arnaldo Botão Rego
[email protected]

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