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Quinta-feira, 8 Maio, 2025
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O Atrevimento

Quando no ano letivo 1970-71, provavelmente nas férias de Natal ou Páscoa, em Vila Praia de Âncora se realizou um Sarau das Escolas Primárias no Cine-Teatro dos Bombeiros Voluntários, recordo a festa e a importância que tinha tal espetáculo.

Desde as canções ensaiadas por imenso coral de todas as crianças do Viso, Rego e Vilarinho, até às danças, passando pelas canções, recitação de poemas e pecinhas de teatro, tudo era responsabilidade e alegria de professores e alunos.

O Cine-Teatro era pequeno para pais, outros familiares, alunos, professores e convidados.
Apesar de já não estar em nenhuma das referidas escolas – havia completado a então 4ª classe e estar a frequentar, em Caminha, o Externato de Santa Rita, o chamado 1º. Ano do Ciclo Preparatório – não consegui ficar indiferente a tal frenesim de músicas e danças e decidi (ainda hoje não compreendo com que coragem ou descaramento), que havia de tomar parte naquele espetáculo.

Para uma criança de 10 anos e nas circunstâncias cerimoniosas que rodeavam o Sarau,
tal ousadia seria simplesmente não exequível. Mas a verdade é que, sempre acompanhado de uma gaita de sopros e de teclas, vermelha e branca, que era novidade, oferecida há bem pouco tempo e com um som de quase harmónica, fui ter com o apresentador e propus-lhe a minha candidatura de atuação. Tocaria “As Pombinhas da Catrina”.

O diálogo não foi fácil, afinal o “número” não estava previsto, e cairia sobre ele toda e qualquer responsabilidade. Não desisti e fosse durante as atuações de dança, dos poemas ou dos cânticos em que ele estava livre, cheguei, tão convicto quanto atrevido a ir aos bastidores e salas de camarins atrás do palco para lhe explicar e pedir que me anunciasse como participante.

Creio que a esse apresentador, de seu nome Francisco Presa, o Chiquinho Presa, nunca lhe terei agradecido o suficiente um dos meus dias mais felizes, isto porque talvez por cansaço, e perante um Cine-Teatro tão repleto de gente quanto surpreso, acabou por concordar e anunciar-me exatamente assim:

– “E agora, parece que há um menino que quer muito tocar “As Pombinhas da Catrina”
e por isso vamos ouvi-lo!!!”

Avancei confiante. O Chiquinho Presa ajustou o único microfone que se ajustava à minha altura e recordo bem algumas coisas:

Primeiro, sem dúvida, a cara de espanto de algumas pessoas adultas, sem perceber muito bem o que é que eu estava ali a fazer. Depois o silêncio de todos, porque também eu nada disse. Em seguida toquei, enganei-me uma vez, não parei e segui como se nada fosse.

Finalmente os aplausos de toda uma sala por uma “atuação” que não demorou mais de 3 minutos, se tanto.

Regressei a casa sozinho. Hoje, mais de 50 anos passados o que se pode refletir sobre este episódio? Aparentemente nada, não passou disso mesmo aos olhos de então, de um atrevimento.

Podemos concluir como eram agradáveis estas iniciativas culturais das Escolas Primárias e como professores e alunos se envolviam com alegria e arrastavam a comunidade. É bem verdade, mas também hoje há iniciativas semelhantes e com o empenho de todos.

Verdadeiramente o que me impressiona hoje, é que não esqueci, e que apesar da distância reverencial de outrora entre crianças e adultos foi dado lugar ao improviso através da compreensão e carinho de um apresentador e da ousadia de uma criança.

E aqui compreensão e improviso significa dar confiança (como se ela faltasse…) mas também autoestima, e ainda mais importante, liberdade. Tanto em tão pouco.

Arnaldo Botão Rego

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