O Povo Português
“É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado,
moureja o dia inteiro indignado,
come, bebe e diverte-se indignado,
mas não passa disto.
Falta-lhe o romantismo cívico da agressão.
Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.”
Miguel Torga, Diário (17.09.1961)
Pelas terras do Alto Minho, os resultados eleitorais não trouxeram nenhuma novidade. O PS aumentou em muito o número de votantes (53.000 contra 43.000 em 2019), o PSD cresceu uns 2.000 votos, o Chega chegou quase aos 8.000, o BE perdeu 6.000 votos e o CDS 3.000; e no fim, tudo ficou na mesma: 3 deputados para o PS, 3 deputados para o PSD.
Talvez a análise do Prof. Vítor Bento, explique parte desse resultado: 51% da população em idade de votar, depende do Estado: funcionários, reformados, a receber subsídio de desemprego ou RSI. São mais de 5 milhões. Que preferem o mal conhecido ao bom por conhecer. E vão votar, em quem lhes promete o poucochinho, mas certo. Em quem lhes garante a vidinha durante 5 ou 10 anos. Os filhos e netos que se amanhem e façam como eles, arranjem um emprego no estado ou na câmara, ou então emigrem.
No nosso distrito, o PSD teve 17.500 por deputado, o PS 14.500. Mais de 30.000 votos foram para o lixo, não serviram para eleger ninguém, os 7.700 votantes entusiásticos do Chega tiveram o mesmo resultado que os 4.400 votos dos revolucionários do Bloco ou que os 1.100 votos nulos.
Enquanto não houver um círculo de compensação nacional, para o qual contem somados todos os votos dos partidos que não elegeram ninguém em cada distrito, daqui a 1 ou 2 legislaturas, teremos 2 grupos parlamentares mais meia dúzia de deputados paraquedistas de 2 ou 3 partiditos que nada valem. PS e PSD é isto mesmo que querem, e por isso nada fazem.
Não é surpresa então, que o partido mais votado nas eleições no Distrito de Viana do Castelo, como em todo o país, seja o Partido da Abstenção, no caso do nosso distrito, com 119.002 votantes, mais do dobro dos votos obtidos pelo PS e quase o triplo do PSD.
E este é o resultado para o qual contribuíram todos os que fizeram campanha eleitoral e sobretudo os que fazem política neste país há 48 anos. Quase metade dos votantes vê as campanhas, ouve os discursos, lê as promessas e decide: não vou votar.
À parte a chamada abstenção técnica, até 15% segundo os entendidos, há 100.000 cidadãos no distrito de Viana e mais de 4 Milhões no país que perante a campanha eleitoral, decidem não desperdiçar 30 minutos de um domingo a ir votar, nem sequer em branco ou fazendo um voto nulo com mais ou menos sentido de humor. Porquê?
Muitas teses de Doutoramento e Tratados de Sociologia Política já se dedicaram a dissecar este tema e as conclusões andam sempre à volta de expressões como “conjunto de fatores”, uma “realidade muito diversa”, “desconexão dos políticos com o país real”, fraco “sentimento de pertença”, “desilusão”.
A realidade é esta, nos primeiros 10 anos pós 25 de Abril a abstenção era apenas técnica, abaixo dos 20% e a partir daí cresceu sempre até atingir os 52% em 2019. Porquê? O Método d’Hondt já desperdiçava votos como hoje, os pequenos partidos já eram prejudicados nos pequenos círculos, como hoje.
A diferença está na diferença – de propostas- passe o pleonasmo. Os votantes tomavam partido e iam votar porque havia propostas muito diferentes, confronto de personalidades e ideias, projetos muito diferentes para o país. E para evitar o que temiam ou, para apoiar o que desejavam, iam votar. A favor de uns ou contra os outros, iam votar!
O que os Portugueses descobriram nos últimos 40 anos é que não há diferenças relevantes, que o Governo acaba sempre a ser PS ou PSD e no essencial nada muda, salvo, quando entramos em falência e aí, toca a apertar o cinto uns anitos e depois tudo volta ao mesmo. Ou não, porque nunca volta a alargar para onde estava.
Ora, isto é uma usurpação do poder, levada a cabo com método e paciência ao longo dos anos, por uma casta de políticos organizados em partidos que se dedicaram a mostrar ao povo que não vale a pena contestar, resistir ou acreditar. A desilusão e o conformismo são a missão sem fim dos que simulam mudanças para que tudo fique na mesma: manter o poder.
Parece que o texto de Miguel Torgal foi escrito agora, e não há 61 anos. Há 61 anos poucos portugueses votavam, porque poucos o podiam fazer. Agora podem, mas não votam ou votam em alternativas que são votos desperdiçados. Há 61 anos eram analfabetos, agora são instruídos, mas continuam a ser conformistas. E os que o não são, 70.000 todos os anos vão-se embora, já haverá tempo para voltarem a gozar o sol e aproveitar o SNS que todos pagamos.
Porque é que metade da População que pode votar, não vota?
-Porque sente que nada a tem a defender ou a conquistar. Olha para o Estado como algo que tem que alimentar e do qual tem que se aproveitar ao máximo em função do que paga, o menos possível, já agora. E olha, resignada, para o sistema político como algo que não pode mudar.
Temos pela frente quase 5 anos de estabilidade política, com o mesmo Presidente, o mesmo Governo, a mesma Assembleia da Républica, as mesmas Câmaras Municipais. Aqueles que queriam a estabilidade política aí a tem.
Os que votaram para defender o que tem, os empregos públicos, as reformas, o RSI, o subsídio de desemprego. Para castigarem o BE, o PCP ou o CDS. Os que votaram na ilusão dos pequenos partidos desperdiçando os seus votos na maioria dos distritos. Os que votaram no liberalismo da IL ou no populismo do Chega. E os que se abstiveram e deixaram para aqueles que votaram, decidir os seus próximos 4 anos. Quiseram, ou não se importaram, que tudo fique igual!
Aí tem, pois, a estabilidade e dela não se queixem. O chumbo do orçamento de estado e a campanha eleitoral, ofuscaram os problemas económicos que todos os países já incluíram nos seus cenários orçamentais: Inflação, Aumento dos Juros para as dívidas publicas e privadas, Impacto nas empresas e no emprego do fim das ajudas de Estado e moratórias dos empréstimos, pós-pandemia. Por cá um governo a gerir duodécimos até junho e com a cabeça enfiada na areia.
Aguardemos uns meses e talvez comecemos a antever a surpresa, ironia das ironias: um Governo de maioria absoluta PS a ter que gerir uma crise económica, sim, porque os fundos do PRR não chegarão para tapar o buraco que o aumento da despesa pública e dos juros da divida publica vão provocar. E o Estado a garantir Biliões de Euros de financiamentos a empresas sem futuro. Que nós todos seremos chamados a pagar com mais impostos, mais dia menos dia.
E todos já vimos como um Governo de maioria absoluta PS geriu a crise financeira de 2008/2009: acabou a chamar a Troika em 2011 e com o sistema bancário falido, provocando aumentos brutais de impostos e com dividas que até agora continuamos a pagar.
