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Londres: 120 anos depois!

Em Abril de 2022 fui com a família a Londres propositadamente para assistir na Sexta-Feira Santa o Messiah, a Oratória Sagrada de Haendel no Royal Albert Hall pela Royal Philharmonic Orchestra. Não precisava de tão nobre motivo para visitar a minha cidade preferida, das poucas que conheço na Europa, e sei bem que muito falta para descobrir, sendo que das seis vezes que lá fui compreendi que tal é absolutamente insuficiente para sequer ter uma razoável ideia do que a cidade é e oferece.

Quando a visitei no âmbito profissional, os dias foram tão apertados e cansativos que não permitiam mais do que, durante o dia, conhecer os londrinos no meu trabalho, e reconhecê-los como pragmáticos, pontuais, profissionais. Foi assim no Brompton, foi assim já em Cambridge onde também encontrei bastantes. O pouco que restasse desse tempo era para descansar e preparar o dia seguinte.

Mas, dizia, quando na Páscoa de 2022 lá fomos, levava a ideia de encontrar em alguma livraria de referência o livro ou partitura da Oratória onde pudesse em casa, depois, seguir página a página, compasso a compasso todos os instrumentos da orquestra ou das vozes do coro, ou dos solistas de vozes, conforme fosse ouvindo. Sabia apenas que não seria fácil, mas havia sempre a Internet para tentar mais tarde, e por isso não fiz dessa procura perda de tempo.

Assistir na Sexta-feira Santa no Royal Albert Hall totalmente esgotado e com um público eminentemente londrino a levantar-se e com ímpeto cantar de pé o Aleluia, sabendo a letra e elevando o som e a emoção de todo um RAH é de facto uma sensação memorável e eminentemente uma tradição que os Ingleses preservam como ninguém.

Acontece que numa das últimas noites no Hotel decidimos ver Notting Hill, esse filme passado no bairro londrino do mesmo nome e onde Julia Roberts, célebre atriz também no filme, tem para Hugh Grant, dono de uma modesta livraria nesse mesmo bairro, numa das mais belas cenas de cinema, uma das mais lindas frases:

“The fame thing isn’t really real, you know, and don`t forget, i’m also just a girl, standing in front of a boy, asking him to love her”.

Decidimos então visitar o bairro porque seria possível ver a dita livraria ainda existente, mas não só. Sabíamos do ambiente de Notting Hill e assim fizemos num dos últimos dias. O bairro, a linda manhã de sol, a Buvette, em Blenhein Crescent, fantástica pastelaria e cafetaria dita gastroteca de deliciosos croissants de amêndoa, mas principalmente as pequenas bancas ao longo de todo o mercado de Portobello Street, fizeram valer bem a decisão da visita.

Desde a rua com as imensas bancas passando pelas casas de antiguidades até à própria livraria do filme, tudo era vida, agitação, negócios, convívio sob esse sol estupendo, afinal tão raro por lá. Já no regresso e quase fim da rua, duas exposições em mal amanhados tampos de madeira cobertos por tapetes, em tripés, chamavam a atenção porque situadas em frente a uma pobre e naturalmente desorganizada casa de antiguidades onde havia de tudo como sempre: livros, pinturas grandes e pequenas, jornais antigos, postais, peças de decoração, uma imensidão de memórias reduzidas ao seu valor de venda mas esquecidas seguramente do seu imenso valor no tempo ou coração de tantos.

Entrei, fui olhando, e pouco depois ouvia a minha filha que chamava:

– Olha o que te encontrei; – e estendia-me um poeirento, velhinho mas maravilhoso do primeiro ao último compasso livro do Messiah de Handel, de todas as vozes solistas e de acompanhamento do órgão que tão fantasticamente faz parte desta obra prima, com um ótimo prefácio explicativo de Ebenezer Prout de 1802 um musicólogo e compositor inglês do século XIX, bem como de várias e interessantíssimas anotações a lápis de um eventual maestro que, em algum momento, dirigira a obra.

Cento e vinte anos depois aquela relíquia estava ali, ao meu dispor, e segundo o alfarrabista, não comprado por alguém interessado, no dia anterior, por 5 libras por o ter considerado demasiado caro!

Não mais larguei estas 210 páginas, um tesouro que guardo e que, vindo de um tempo antigo me mostrava como a vida é bela, com coincidências inesquecíveis, e de como para todos nós, ser visitado pelo passado ainda me parece bem mais interessante do que, em certas circunstâncias, ser visitado pelo futuro. Na música definitivamente.

Arnaldo Botão Rego
[email protected]

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