Há quem lhe chame o “vampiro das águas” pelo facto de, na sua fase adulta, se alimentar do sangue de outros animais. É por isso considerada um parasita.
Falamos da lampreia, essa espécie de peixe ciclóstomo de água doce, de aspeto pouco convidativo, que tanto é capaz de provocar ódio e repugnância, como despertar amores ao ser considera uma iguaria ímpar capaz de despertar os mais exigentes palatos.
Espécie pertencente à classe de vertebrados com forma de peixe, desprovidos de maxilas (ciclóstomo)
e de barbatanas pares, de formato cilíndrico e alongado e de pele viscosa, a lampreia é uma espécie que sobreviveu à era dos dinossauros. Vive desde o Mesozoico até aos nossos dias. É por isso considerada uma espécie única.
A captura da lampreia no rio Minho data de muitos séculos e era feita através da utilização dos buracos naturais existentes entre as rochas à beira-rio. Posteriormente o homem construiu muralhas no leito dos rios para o feito, pratica comum ainda utilizada da Lapela para cima. Da Lapela para baixo, a captura era feita com redes e arpão.
Mas não é apenas a captura da espécie que soma muitos séculos, também a sua confecção como prato de excelência nos remete para um passado longínquo.
No livro de cozinha da Infanta Dª Maria, códice português da Biblioteca Nacional de Nápoles, de fins do século XV e princípios do século XVI, pode ler-se uma interessante receita de lampreia manuscrita pela própria.
Por aqui se vê que a lampreia era um prato conhecido de grandes senhores e ilustres senhoras, como era o caso da Infanta Maria de Portugal e do rei D. Hernando de Nápoles. A filha de D. Duarte e neta de D. Manuel I, era uma mulher de notável formação e sensível à cultura da sua pátria.
LAMPREIA DO MINHO É A MELHOR DO MUNDO
Por estes meses o rio Minho, que banha o concelho de Caminha, é considerado o local de excelência para a apanha desta espécie que, apesar existir noutros rios e noutros países, tem fama de ser melhor por estas bandas. Há mesmo quem a considere a melhor lampreia do mundo apesar de até ao momento ainda não ter obtido a devida certificação, mas esse é um assunto que abordaremos mais à frente.
Por agora desafiamo-lo a conhecer um pouco melhor esta espécie e a perceber como se faz a sua captura, uma atividade que todos os anos atrai até às águas do Minho, dezenas ou até mesmo centenas de homens que, faça chuva ou faça sol, desde a foz até Melgaço, ali se deslocam diariamente para a sua captura.
PERTO DE 250 EMBARCAÇÕES PESCAM LAMPREIA NO RIO MINHO
Segundo dados da Capitania do Porto de Caminha e confirmados ao Jornal C pelo Comandante, Capitão-Tenente Pedro Miguel Cervaens Costa, existem licenciadas no rio Minho e portanto autorizadas a pescar lampreia, 158 embarcações portuguesas às quais se juntam 89 embarcações espanholas.
Ao contrário de outras espécies capturadas no rio Minho, como por exemplo o meixão, a lampreia não tem qualquer limite no que toca ao número de exemplares que cada embarcação pode pescar. Já quanto às dimensões não pode ser inferior a 50 cm.
Segundo dados fornecidos pela Capitania do Porto de Caminha no ano passado foram capturadas e registadas cerca de 35 mil lampreias no rio Minho onde a pesca é feita em duas zonas distintas como explicou ao Jornal C o Comandante do Porto de Caminha.
“A pesca da lampreia no rio Minho dá-se em duas zonas distintas: a primeira vai desde a foz até jusante das ilhas do grupo de Verdoejo, perto de Valença. Aí a pesca da lampreia é feita da forma mais tradicional e com rede. Depois, temos outro tipo de pesca à lampreia que começa a 15 de fevereiro e que é efetuadas em pesqueiras, umas construções em pedra onde são colocadas umas armadilhas licenciadas pela Capitania. Este tipo de pesca faz-se a partir de Valença até à zona de Melgaço. Nesta zona a pesca pratica-se nas pesqueiras porque são zonas muito baixas onde a água já é muito escassa. Podemos dizer que o grosso da pesca à lampreia se faz desde a Foz até ao tal grupo das ilhas de Verdoejo a jusante, como referi”.
LAMPREIA É O EX-LIBRIS DO RIO MINHO
A pesca à lampreia é segundo o comandante Pedro Cervaens, a pesca que mais rende. O representante máximo da autoridade marítima fala mesmo no “ex-libris do rio Minho”, por se tratar da pesca que permite aos pescadores tirarem o maior rendimento.
“Eu sei que por exemplo, no ano passado, foram pescadas cerca de 35 mil lampreias no troço internacional e esperamos que este ano ande também à volta desse valor”.
Mas a verdade é que o tempo seco que se tem feito sentir tem contribuído para que a lampreia ainda não tenha aparecido em quantidade.
“Nas conversas que tenho tido com os pescadores, apercebo-me que ainda há pouca lampreia no rio. Acredito que isso tenha a ver com a pouca chuva que tem caído nesta zona porque, como se sabe, a lampreia precisa de água para subir o rio e efetivamente isso não está a acontecer” explica.
Mas apesar de andar escassa, o Comandante do Porto acredita que a lampreia vai acabar por chegar.
Na pesca à lampreia a arte utilizada é uma rede de 3 panos com uma malha superior a 70mm e inferior a 90 mm. A rede não pode ultrapassar os 120 metros de comprimento e 70 malhas de altura. A pesca da lampreia funciona com uma rede de deriva. O período autorizado vai desde 4 de janeiro até 22 de abril.
No que toca ao butirão e à cabaceira, duas artes de pesqueira, as malhas autorizadas são um pouco mais pequenas, variando entre os 60mm e os 80 mm de diagonal. A zona deste tipo de pesca faz-se a montante da linha definida pela Torre da Lapela na margem portuguesa e a Igreja do Porto em Espanha e o período hábil é de 15 de fevereiro a 15 de maio.
PREÇO VARIA ENTRE OS 40 E OS 50 EUROS POR EXEMPLAR
A escassez de lampreia no rio Minho tem contribuído para um aumento do preço em relação a anos anteriores e neste momento cada exemplar está a ser pago a 40 e 50 euros.
Mas épocas houve em que, devido à abundância de lampreia, os preços baixaram tanto que inclusive havia restaurantes a oferecer a lampreia como prato do dia.
“A verdade é que não se pretende que se chegue a esse ponto. Julgo que tem que haver alguma regulação mesmo entre os próprios pescadores para que a lampreia não desvalorize e chegue a preços exageradamente baixos”.
Para se ter uma ideia do impacto económico que a captura desta espécie tem na economia local, e tendo em conta os números de 2016, podemos apontar um valor a rondar os 350 mil euros.
Mas como explica o Comandante do Porto de Caminha, “relativamente à faturação da lampreia é bastante complicado chegarmos a um valor exato isto porque o preço pode variar entre os 3 e os 50 EUR em média, consoante haja muita ou pouca lampreia pescada. No mesmo sentido, existem pescadores que têm a pesca como atividade principal e outros que a têm como atividade secundária, o que origina grandes disparidades na quantidade de pescado por cada um.
Olhando para os números de 2016 e para a informação que a DGRM nos forneceu relativamente às quantidades de lampreias pescadas, podemos apontar (sem grande rigor) um valor a rondar os 350.000 EUR, para a totalidade de lampreias pescadas no ano passado”.
PESCADORES ACREDITAM NUMA BOA SAFRA DE LAMPREIA
Apesar da lampreia andar um pouco desaparecida das águas do rio Minho, os pescadores não se mostram nada preocupado e até dizem que até é normal em início de época. Otimistas, os pescadores acreditam que mais tarde ou mais cedo a lampreia vai acabar por chegar, “é uma questão de tempo”.
Por enquanto a pesca da lampreia vai alternado com a pesca do meixão que este ano foi particularmente abundante no Minho. Augusto Porto, presidente da Associação de Pescadores do Rio Minho, fala mesmo num “ano excecional” de meixão cujo preço oscilou entre os 200 e 250 euros.
“À exceção da lua de novembro, que foi um bocado fraca, as que se seguiram foram muito boas ao nível das capturas. Até parece que voltamos aos tempos antigos em que o rio dava muito meixão. Tem sido muito bom mesmo e também tem ajudado a compensar as poucas lampreias que ainda apareceram”.
O tempo seco que se tem feito sentir, uma situação que se prevê possa sofrer alteração nos próximos dias é a razão apontada por Augusto Porto.
“Já têm aparecido alguns exemplares embora poucos. Um barco pode pescar entre duas a três o que faz com que o preço esteja bastante elevado. Estão a anunciar chuva para os próximos dias e isso leva-nos a estar otimistas porque temos a certeza, pela experiência de anos anteriores, que a lampreia vai acabar por chegar. A chuva vai trazer água doce ao rio e a lampreia vai acabar por entrar, não tenho dúvidas”, garante.
LAMPREIA DO RIO MINHO É A MAIS PROCURADA
Vendida nos restaurantes de norte a sul do país, a lampreia do rio Minho é sem dúvida a mais procurada e a mais apreciada.
Segundo Augusto Porto os restaurantes do concelho são os primeiros a colocar nas suas ementas as lampreias do rio Minho.
“A maioria dos restaurantes da nossa zona compra diretamente aos pescadores e por isso a garantia de que as pessoas estão a comer lampreia do rio Minho é total. Mas também lhe posso dizer que a nossa lampreia alimenta grande parte do mercado português. Desde o Douro, passando pela Figueira da Foz e até em Lisboa, todos comercializam a lampreia do rio Minho”, garante.
A excelência da lampreia do Minho não é só fama garante Augusto Porto que fala em características diferentes que a distinguem da de outros locais.
“A nossa lampreia tem características diferentes devido ao seu porte. Nós somos o primeiro rio da costa que aparece no trajeto que é feito pela lampreia, um rio com águas saudáveis, sem poluição. É caso para dizer que a lampreia também sabe escolher o que é bom”.
Valorizar as espécies que são capturadas no rio Minho, entre elas a lampreia, é fundamental e para que isso aconteça é preciso que os preços do produto não baixem de forma tão “ridícula” como já aconteceu no passado.
“É verdade que o excesso de capturas faz com que os preços baixem muito. O que acontece é que os intermediários se aproveitam dessa situação e o valor das espécies quando são muitas chega a atingir preços ridículos como já aconteceu por exemplo com a lampreia. Isso não é digno para a qualidade do nosso produto nem para nós pescadores que ali andamos todos os dias com muito sacrifício e que dessa forma somos muito prejudicados”, aponta.
Segundo Augusto Porto os pescadores já começaram a perceber o interesse de valorizarem o seu produto porque “assim também obrigamos a que os intermediários atuem de forma diferente”, explica
A certificação da lampreia do rio Minho é outra das formas de valorizar o produto como refere o porta-voz dos pescadores. “A certificação da lampreia é fundamental para a sua valorização porque a verdade é que a lampreia do Minho não possui nenhuma particularidade genética que a distinga de uma lampreia pescada do rio Lima, por exemplo, ou em qualquer outro local. A verdade é que as lampreias têm todas as mesmas característica e a única coisa que as distingue é mesmo o seu porte e resistência dos exemplares”.
LAMPREIA DO MINHO UM PRATO DE EXCELÊNCIA
Apresentada que está a lampreia já só falta sugerir alguns locais onde ela pode ser consumida.
O concelho de Caminha, à semelhança dos restantes municípios do Vale do Minho, dedica os meses de Fevereiro e Março à lampreia através da iniciativa promovida pela Adriminho: “Lampreia do Minho um prato de excelência”.
Cerca de 21 restaurantes do concelho aderem à inciativa e apresentam a lampreia das mais variadas formas. Arroz de Lampreia, Lampreia à Bordaleza, ou assada no forno com batatas são apenas alguns dos exemplos.
Aceite a nossa sugestão e visite um dos muitos e bons restaurantes do concelho. Em Caminha, em pleno Centro Histórico, aconselhamos uma visita ao Restaurante “O Amândio”.
Se preferir disfrutar de uma das mais belas paisagens sobre a Foz do Rio Minho, então a nossa sugestão vai para o Restaurante Foz do Minho, mesmo à entrada de Caminha. Aqui encontra não só a lampreia como bons peixes da costa. O restaurante foi recentemente remodelado e oferece ótimo serviço.
Em Vila Praia de Âncora, terra de mar e de pescadores, também é possível degustar esta espécie no Restaurante Âncora Mar.