A ideia de uma eurocidade, uma união transfronteiriça que busca promover a integração social, cultural e econômica entre duas ou mais localidades de países diferentes, é um projeto que carrega em si um potencial transformador.
No entanto, imaginar uma eurocidade separada por um rio sem ligação permanente entre suas margens traz à tona questões significativas sobre a viabilidade e os desafios de tal empreendimento.
A ausência de uma ligação permanente, como uma ponte, entre as duas margens de uma eurocidade apresenta diversos constrangimentos práticos e simbólicos. Primeiramente, a mobilidade entre as duas partes seria severamente limitada. Por exemplo e mesmo com o ferry a fazer as suas carreiras, os tempos de alta demanda, como horários de pico ou eventos especiais, a travessia tornar-se-ia um gargalo logístico, gerando frustração e descontentamento entre os residentes e visitantes.
A limitação na mobilidade afetaria (como já afeta, pois, o ferry está parado e num estado penoso de degradação), diretamente a economia local. O comércio, a prestação de serviços e o turismo sofreriam com a falta de fluidez, prejudicando a integração económica e social que é a espinha dorsal da conceção de uma eurocidade.
O intercâmbio cultural, uma das riquezas de uma conurbação transfronteiriça, seria dificultado, restringindo a livre circulação de ideias, pessoas e bens.
Além disso, a ausência de uma ligação permanente pode exacerbar sentimentos de isolamento e desconexão entre as comunidades das duas margens. A separação física pode transformar-se numa barreira psicológica, minando o espírito de cooperação e integração que deve caracterizar uma eurocidade.
A questão central, então, é se uma eurocidade pode ser viável sem a possibilidade de mobilidade permanente entre suas partes. Teoricamente, é possível argumentar que com um planeamento meticuloso e a implementação de soluções inovadoras, algumas das barreiras podem ser mitigadas.
Por exemplo, sistemas de transporte aquático eficientes, como ferries de alta frequência, podem proporcionar uma alternativa viável para a travessia do rio. No entanto, tais soluções têm as suas limitações, mas nem isso, como já referi, temos neste momento, pois a possibilidade de a curto prazo ter o ferry a funcionar é quase uma utopia.
Neste momento o mecanismo que poderia mitigar a falta de mobilidade entre as margens parece um moribundo ligado às máquinas à espera da confirmação da sua morte, mas aliado a isso a dependência das condições meteorológicas, custos operacionais elevados e a capacidade limitada também são fatores que podem comprometer a eficácia desse sistema a longo prazo.
Além disso, a tecnologia digital e a conectividade virtual podem desempenhar um papel fundamental na manutenção dos laços entre as duas margens. Plataformas online para negócios, educação e intercâmbio cultural podem compensar parcialmente a falta de mobilidade física. Todavia, a experiência mostra que a interação presencial é insubstituível em muitos aspetos da vida social e econômica.
A viabilidade de uma eurocidade separada por um rio sem uma ligação permanente entre as margens é um desafio complexo. Embora alguns possam afirmar que existem soluções alternativas para promover a integração, como transporte aquático eficiente (que também não existe) e tecnologias digitais, essas opções têm limitações significativas. A ausência de uma conexão permanente arrisca transformar a eurocidade numa ideia utópica, longe de realizar seu potencial pleno de integração e desenvolvimento.
Para que uma eurocidade prospere verdadeiramente, é essencial garantir a mobilidade contínua e irrestrita entre as suas partes.
Uma ponte não é apenas uma infraestrutura física, é um símbolo de união, facilitador da vida cotidiana, crucial para a coesão e o sucesso da comunidade transfronteiriça. Portanto, investir numa ligação permanente é o passo inicial e imprescindível para transformar a utopia numa realidade vibrante e integrada.
Ricardo Cunha
Deputado Assembleia Municipal de Caminha
Caminha 10 de julho de 2024