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Terça-feira, 13 Maio, 2025
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Entre o Céu e a Terra, um poema!

Entre O Ceu E A Terra

Os Hospitais são locais onde a ciência dos profissionais encontra a fé dos doentes na esperança de ambos.

Dentro dos hospitais, as UCIN – Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais, onde bebés recém-nascidos (RN), doentes ou prematuros são internados, parecem ser locais quase “protegidos” pelo Universo, pelo Cosmos, pela Natureza, por Deus.

Os RN muito doentes não falam, não protestam, não desanimam. São.

Em silêncio pedem ajuda, apelam ao nosso melhor saber e acerto diagnóstico bem como à melhor estratégia, decisão terapêutica e capacidade de antecipação de complicações. Sempre em silêncio, como se a fé fosse o somatório da sua esperança com a nossa ciência e saber. São doentes frágeis, mas tantas vezes tão fortes na sua luta incansável pelo sucesso mútuo, deles e nosso.

As UCIN são o tempo e lugar “entre o Céu e a Terra” onde tantas vezes se encontram, como bem lembrava o Professor Octávio Cunha quando, na UCIN do Hospital de Santo António, lutávamos com situações desesperadas e incertas no seu desenlace.

Em tão poucas gramas de existência, tanta força, mistério, sofrimento, coragem e onde não raras vezes os desencontramos; queremos que melhorem, mas não. Esperamos que não piorem, mas sim.

Estamos por vezes apreensivos e quando pela enésima vez os espreitamos preocupados, nessa presença constante e indispensável, eles abrem um sorriso, um olhar meigo, sabe-se lá vindo de onde, que é como quem diz do insondável mistério que é a sua maravilhosa existência, da nossa mais profunda ignorância e parecendo tantas vezes que eles sabem muito mais de nós do que o inverso.

A linha que une a fé, a ciência e a esperança que referi, é ténue, e encerra um drama absolutamente incontornável quando, não alcançado o objetivo de todos, resulta no fim de algo que mal se iniciara. Raro, mas real, e é a presença dessa absurda realidade que se torna insuportável quando surge. Num caso que seja, perde-se uma causa de vida. Consola-nos a verdade, de que são incomensuravelmente mais os êxitos e alegrias, do que as raríssimas tristezas.

Casos há, em que, aqueles pequeninos tão doentes no meio de tanta e tão poderosa parafernália técnica – ventiladores, tubos, bombas infusoras, gráficos, monitores, cabos, sensores, luzes, braçadeiras e alarmes, mais parecem a última folha da árvore que no outono teima em não cair.

Adaptados à constante inovação e tentando ter a melhor preparação técnica e científica possível para lhes entregarmos esse êxito, que é iniciarem finalmente a sua vida fora de perigo, temos de, em face de pais, a cada dia mais informados e de dúvidas éticas nestes momentos únicos, por vezes tão rápidos, saber ainda submeter a situação à conformidade dos protocolos.

Não é fácil e vivem-se por isso momentos peculiares e difíceis quando, por exemplo, os pais, já de si tão fragilizados, se apercebem de tanta prematuridade aos constatarem que todo o membro superior do seu bebé tem o comprimento do dedo de quem o socorre, ou que toda a sua mão não é suficiente para rodear um dedo sequer.

Não abordo a evolução mais que positiva e bem conhecida da assistência neonatal em Portugal. Para isso são analisados todos os dados anualmente enviados às entidades superiores que os solicitam.

Interessa-me hoje por hoje o maravilhoso tempo comum, emocionalmente duro, mas solidário, que é esse esforço das equipas médicas, de enfermagem e de assistentes operacionais, para que nenhum nascimento difícil, prematuro ou não, seja perdido.

A austeridade e quase distância de comportamentos que muitas vezes nos domina e faz concentrar no essencial da ação, principalmente nos momentos mais difíceis, é treinada, e ao fim de alguns anos automática, contornando-se assim o desgaste psicológico que implica a exposição a tais situações.

Num Mundo maravilhoso, mas por estes dias zangado e cruel, onde tantas crianças são sacrificadas por nenhuma outra razão que não a loucura humana, o apelo à elevação maior da nossa capacidade profissional deve incluir a dimensão espiritual. Só assim seremos capazes de continuar a entender os olhares e sorrisos que, como disse, nos oferecem.

Esses são “sinais vitais” que não aparecem nos monitores, não alarmam, não têm tradução mensurável ou gráfica e por isso teremos de ser nós os monitores, com um algoritmo certo, capazes de os detetar, descodificar e transformar em mais informação, para melhor decidirmos.

Esse algoritmo interior é, estou certo, a espiritualidade.

Gianpaolo Donzelli, Professor de Pediatria na Faculdade de Medicina de Florença, Presidente da Sociedade Italiana de Medicina Perinatal e Coordenador Europeu da área de Ética e Humanidades Médicas da Sociedade Europeia de Medicina Perinatal, que em 2013 escreveu um pequeno livro de poemas chamado “The Wonder of Birth”, abordando esta temática de forma magnífica, porque colocando-se na pessoa do recém-nascido, fala por eles, escreve o seguinte, no poema da página 70, recordando e agradecendo à sua Mãe e também a quem o salvou.

GRATITUDE
Devastated, panicking, overwhelmed,
Frigthened.
I wasn´t ready to be born.
They think I don´t feel emotions,
Or that they barely touch me. They think I will not remember.
That´s not true
When she´s nears me my heart beats stronger.
I will never forget her scent.
I will never forget those who saved me.

Tal como nos disse em Dezembro de 2024, em visita de Natal à nossa UCIN na ULSAM, o Sr. Bispo D. João Lavrador:

– “Há muito que vos agradecer! Vocês aqui iniciam o ciclo de resgate da vida humana, mas o último pontinho dessa circunferência, será sempre O Mistério de Deus.”

Concordo. Mas basta o pequeno poema, porque mesmo com o algoritmo interior espiritual bem calibrado, neste tal cantinho de bebés “entre o Céu e a Terra”, a Vida é sempre bela e a alternativa sempre incompreensível e inaceitável.

Arnaldo Botão Rego

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