A intenção de incluir as dragagens do Rio Minho na Cimeira Ibérica, pela segunda vez, atrasa por mais dois anos a possibilidade de construir uma ponte, já que a próxima reunião bilateral entre Portugal e Espanha, para discutir os assuntos comuns aos dois países, tem agenda para o final de 2026. A data da próxima cimeira coincide com o término do prazo de execução do Plano de Recuperação e Resiliência.
Em 2022, dias antes da 34ª Cimeira Ibérica que se realizou em Viana do Castelo, Rui Lages, presidente da Câmara de Caminha, na altura com menos de 30 dias no cargo, entregou uma carta conjunta com o autarca de A Guarda, António Lomba, ao governo socialista liderado por António Costa – governo do seu partido – a reivindicar as dragagens do Rio Minho e um novo ferry elétrico, prometido na última campanha eleitoral por Miguel Alves, ex-presidente da Câmara de Caminha e ex-secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.
No entanto, no documento oficial do governo da 34ª Cimeira Ibérica (2022), denominado “Declaração Conjunta JUNTOS INOVAMOS/JUNTOS INNOVAMOS”, o Rio Minho é mencionado uma vez, no ponto 20, Página 4, onde os dois países reiteravam o objetivo de reforçar as suas interligações elétricas, nada tendo a ver com o desassoreamento do rio ou a aquisição de um ferry elétrico.
Em 2024, Rui Lages optou pela mesma estratégia, desta vez com os homólogos de A Guarda (Roberto Carrero) e O Rosal (Ánxela Fernández Callís), enviando novo ofício conjunto como Eurocidade Foz do Minho ao atual primeiro ministro, Luís Montenegro, para incluir o mesmo assunto na 35ª Cimeira Ibérica.
Nesta nova tentativa, apesar de munido de uma força extra por contar com mais um município (O Rosal) na nova eurocidade, Rui Lages foi ainda menos ambicioso ao exigir apenas as dragagens do Rio Minho. Mas a verdade é que o assunto não foi sequer apresentado ou discutido nesta Cimeira, que se realizou ontem em Faro.
Caminha: Caminha e Galiza querem desassoreamento do rio Minho na agenda da Cimeira Ibérica
No novo documento oficial do governo da 35ª Cimeira Ibérica (2024), denominado “Declaração Conjunta, ÁGUA: UM BEM COMUM”, o Rio Minho é mencionado duas vezes mas não por esse motivo. No ponto 11, Página 2, os dois governos reconhecem a importância de uma boa gestão das bacias hidrográficas num contexto de escassez hídrica, e no ponto 27, página 5, os dois países reiteram o mesmo objetivo de 2022 de reforçar as suas interligações elétricas.
Caminha, uma terra de sonho, promessa de desenvolvimento eternamente adiada
A ligação entre Caminha e a Guarda, que deveria ser a mais prioritária do país, uma vez que em termos geográficos poderia ser a primeira porta para Espanha, não é prioridade para nenhum governo português e espanhol.
Pode também dizer-se que, não sendo a ligação efetiva com A Guarda uma prioridade afirmada do atual ou dos anteriores executivos caminhenses, o sinal dado aos governos nunca foi claro nem projetado, e por isso inconsistente para qualquer reivindicação assertiva à altura da importância dos projetos discutidos nas reuniões da agenda bilateral dos dois países. A falta de interesse e a inércia dos autarcas da Foz do Minho, não pensando a longo prazo nas soluções a indicar aos estados português e espanhol para acabar definitivamente com o problema do assoreamento e da ligação efetiva a Espanha, atiram o município de Caminha para o subdesenvolvimento no vale do Minho e no distrito de Viana do Castelo, comparativamente aos restantes municípios que integram este território.

Recorde-se que em 2021, em visita ao Jornal C – O Caminhense, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, salientou em entrevista à Rádio Caminha que os fundos do PRR eram uma oportunidade única para estreitar relações e reconstruir ligações, entretanto perdidas, que não deveria ser desperdiçada.
Referindo-se concretamente à ligação com a Galiza, Marcelo Rebelo de Sousa disse mesmo que esta iria estreitar-se progressivamente.
A verdade é que isso não tem acontecido em Caminha, pois esse estreitamento apenas se verifica nos municípios com ligação efetiva entre margens, como é o caso de Vila Nova de Cerveira-Tomiño, Valença-Tui ou Monção-Salvaterra, verdadeiras eurocidades com pontes e atividades conjuntas.

Em 2022, também aos microfones da Rádio Caminha, o atual primeiro ministro Luís Montenegro, na altura ainda na oposição, depois de se inteirar dos problemas que afetam a vila raiana da Foz do Minho, afirmava que iria fazer uma aposta muito forte no concelho de Caminha, que se refletiria em mais qualidade de vida para os caminhenses, sem adiantar com que projetos.
Em 2023, José Pedro Aguiar-Branco, atual presidente da Assembleia da República, à época a encabeçar a lista de candidatos do PSD por Viana do Castelo, disse nos estúdios da Rádio Caminha que seria uma prioridade aproximar as duas regiões, que a ligação por ferryboat não era solução e que não fazia sentido Caminha não ter uma ponte.
Apesar de todas estas promessas e declarações, na Cimeira Ibérica que se realizou na passada quarta feira, a ligação entre Caminha e a Galiza foi esquecida.
PRR termina em 2026 e Cimeiras Ibéricas só acontecem de dois em dois anos
As Cimeiras Ibéricas são plataformas únicas para apresentar grandes projetos que reforcem a ligação entre os dois países, como são prova as duas novas pontes anunciadas ontem pelo governo, ambas financiadas pelo PRR.
Em 2022, sendo em Viana do Castelo e com um governo socialista, da mesma cor que o executivo caminhense, as condições eram ideais para apresentar um projeto de uma ponte entre Caminha e A Guarda, se fosse esse um desejo comum de ambos os municípios. Mas estes executivos insistiram nas dragagens do Rio Minho e num Ferry Elétrico, que depois se verificou não ter passado de uma intenção pois o projeto era apenas financiado para águas oceânicas. Em 2024 voltaram a insistir no desassoreamento, elaborando novamente um ofício conjunto, e o assunto foi ignorado.
A próxima Cimeira Ibérica só se realiza em 2026. Um possível projeto para uma ponte fica assim adiado por mais dois anos, data em que termina o prazo de execução do PRR, o que, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, “torna tudo mais difícil”.