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A pé a São João d’Arga como manda a tradição

A Romaria de São João d’Arga, que se realiza de 28 para 29 de agosto na freguesia de Arga de São João, é considerada uma das romarias mais genuínas do Alto Minho e uma das mais típicas do país.
A festa decorre à volta do antigo mosteiro beneditino que, reza a história, chegou a ser templário. Com festa ou sem ela, o local merece uma visita atenta.

Mas voltemos à romaria e às muitas tradições que lhe estão associadas.
Logo pela manhã do dia 28, começam a chegar os romeiros, a maioria de automóvel, mas alguns a pé, como era costume, fazendo então os romeiros o percurso das “sete serras”.
À chegada, segundo a tradição, dão-se as 3 voltas à igreja e no interior do templo dá-se a esmola ao santo mas também ao “senhor diabo” porque não vá ele ficar ofendido.
Cumprido o ritual e a promessa é hora de escolher um local para descansar e petiscar no farnel. A meio da tarde tem lugar a missa, seguida de procissão, na qual, para além do andor do S. João, segue também o estandarte de Santo Ajinha muito venerado na serra. Atrás segue a Banda de Música.

Finda a procissão e todos os atos religiosos, a animação é em crescendo e de forma espontânea até ao dia seguinte.
No adro da igreja e à volta dos quartéis, juntam-se inúmeros tocadores de concertina em animadas rusgas. As gargantas afinadas soltam versos picantes de fazer corar, em resposta às “provocações” do adversário. Soltam-se gargalhadas numa animação desenfreada.

Ao redor, as tasquinhas improvisadas servem diversos petiscos e o famoso “xiripiti”, uma mistura de aguardente com mel que, se não for bem doseada, poderá causar algumas dores de cabeça.
A festa prossegue com os concertos nos coretos onde as bandas tocam em despique. As claques aplaudem, o barulho é infernal, é o caos, ninguém se entende mas isso também não é importante. A Romaria de São João d’Arga é isso mesmo.

Os carros não param de chegar e a fila de estacionamento conta com muitos quilómetros. Grupos de pessoas convergem ao santuário engrossando o “mar de gente” que por ali anda. Naquele espaço exíguo milhares de pessoas dançam, cantam, bebem e riem num entusiasmo indescritível. É assim a romaria de São João d’Arga, única e irrepetível.

Diz quem sabe que, pelo menos uma vez na vida, se deve ir a pé a São João d’Arga. O caminho faz-se por trilhos antigos pelo meio do monte, velhos empedrados onde ainda hoje se podem ver as marcas dos rodados dos carros de bois que, por altura da festa, transportavam as pipas de vinho que eram vendidas na romaria.
Este santo que se diz casamenteiro e que faz milagres para que as mulheres que não conseguem ter filhos consigam engravidar tem uma explicação. Desidério Afonso, que todos os anos vai a pé à Romaria, confirma a teoria mas afasta a tese dos milagres.
“O que acontecia é que essas mulheres vinham à romaria e envolviam-se com outra pessoas e por vezes engravidavam. É por isso que a história de São João d’Arga está muito ligada à fertilidade. As mulheres que não conseguiam engravidar faziam promessas mas para mim isto é tudo um mito. Se calhar elas conseguiam engravidar porque trocavam o marido na Romaria. A infertilidade não era delas mas sim deles”, explica.

As quadras a São João d’Arga também dão conta disso mesmo como sublinha Desidério Afonso que exemplifica.
“O Senhor São João d’Arga /Também é um Santo velhaco /Foi à fonte levou três/De regresso eram quatro” , isto quer dizer que uma já vinha grávida. Também é conhecido pelo santo casamenteiro porque a Romaria era uma oportunidade para arranjar namorado ou namorada”.

A chegada ao Mosteiro e à capela é feita a cantar. Os Romeiros dão as voltas à capela e de seguida cantam e dançam a Gota e a Rosinha. “Era assim que se fazia antigamente” explica Desiderio Afonso que vai à romaria desde os 14 anos.

Findos os rituais religiosos é hora de “assaltar” o farnel. Cada um leva o seu mas manda a tradição que se juntem todos e que cada um coma o que lhe apetecer.

Depois da barriga cheia é hora de regressar à romaria. A descida não é fácil, milhares de pessoas povoam o pequeno recinto da festa que neste dia excede muito a sua capacidade.

As tascas não têm mão a medir. Entre petiscos vários, cerveja e vinho, servem o tradicional “xiripiti”, uma mistura de aguardente com mel que garante grandes dores de cabeça a quem não a souber dosear.
À medida que a madrugada vai avançado o recinto começa a ficar mais aliviado. Só ficam os resistentes e aqueles que ali vão pernoitar.

A festa continua no dia seguinte com missas e procissão.
À semelhança de anos anteriores, no dia 28 de agosto sai de Caminha, por volta do meio dia, um grupo que se dirige a pé em direção à Romaria. Fazem o mesmo trajeto que antigamente faziam os Romeiros.
São mais de uma centena. Chegam por volta das sete da tarde e também não vale a pena chegar antes porque enquanto a missa e a procissão não terminarem, ninguém entra no recinto.

“É uma questão de respeito pelas cerimónias religiosas”, explica Desidério Afonso que comanda o grupo.
De Vila Praia de Âncora parte igualmente todos os anos um grupo com destino à serra. Chegam a reunir 100 pessoas para um trajeto que dura em média 5 horas.

É um percurso centenário descrito por um antigo romeiro de Vila Praia de Âncora, já falecido, o senhor Damião Martins Figueiras. “Este romeiro todos os anos ia a São João d’Arga para procurar proteção e pedir as suas graças”.
É um percurso que é considerado de nível 1 devido à sua extensão e características do terreno.
É um trajeto que atravessa o Vale do Âncora e entra numa pequena área da bacia do Coura, cruzando os concelhos de Caminha e Viana do Castelo e sete freguesias: Vila Praia de Âncora, Vile, Riba de Âncora, Gondar, Dem, Montaria, entrando no coração da Serra d’Arga.
Para além do objetivo religioso do caminho, os romeiros que o percorrem têm oportunidade de vislumbrar paisagens belíssimas e inesquecíveis.

Ao longo do percurso cruzam-se outros grupos vindos de outras paragens, como por exemplo Lanheses, Vila Franca do Lima, entre outros.

O caminho, apesar de religioso, oferece inúmeras oportunidades a quem o percorre. “É um caminho do ponto de vista cultural, arquitetónico e ambiental muito rico”.
Noutros tempos o próprio caminho em si era já uma verdadeira romaria porque as pessoas cantavam, dançavam e tocavam concertina pelo caminho e a festa já começava ali.

Apesar de ser uma romaria onde a tradição ainda se mantém, também é verdade que começa já a ser invadida por algumas “modernices”.

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