Hoje pergunto-me: será que pensar em acessibilidade e inclusão dá realmente tanto
trabalho? Sou Isabel, cidadã de Caminha e portadora de deficiência visual, e esta reflexão
é parte da minha realidade diária. Vivemos numa sociedade que se orgulha de querer ser
justa e equitativa, mas será que trabalhamos verdadeiramente para todos? Não deveria ser
essa a prioridade, independentemente da condição de cada pessoa?
Acessibilidade e inclusão não são conceitos abstractos; são necessidades concretas que
impactam diretamente a vida de muitos cidadãos. Todos os dias, ao percorrer as ruas da
minha vila, deparo-me com obstáculos constantes. Alguns parecem insignificantes para
quem os coloca, como vasos, esplanadas, ou outros objetos que os comerciantes dispõem
na via pública, mas para quem vive com uma deficiência, cada um destes elementos é um
desafio. Não é apenas uma questão de incómodo, é uma questão de segurança e dignidade.
Além destes obstáculos, deparo-me frequentemente com passeios mal conservados. São
os buracos e as ervas que crescem descontroladamente e, com a chuva, tornam o chão
escorregadio, aumentando o risco de queda. O simples ato de caminhar transforma-se,
muitas vezes, numa situação de perigo iminente.
Recentemente, tenho sido abordada na rua por várias pessoas que partilham estas mesmas
dificuldades. Sabem que em mim encontram uma voz que se levanta para fazer com que
esta questão da acessibilidade e da inclusão esteja na ordem do dia. Já fiz três intervenções na Assembleia Municipal, e uma numa reunião de Câmara, sempre com a mesma mensagem: é urgente que a nossa vila seja acessível a todos. No entanto, é triste verificar que os governantes da minha terra ainda não tiveram a humildade de dialogar com as pessoas que vivem estas dificuldades e perceber o que se pode realmente fazer.
Na última Assembleia Municipal, apresentei dois vídeos para ilustrar claramente a falta
de acessibilidade na nossa vila. Um deles era referente à última feira medieval, onde
mostrei como a ocupação da via pública durante este evento é, no mínimo, desenfreada.
Um restaurante da zona ocupava a via pública de tal forma que impedia completamente
o acesso à passadeira, quer para quem a quisesse atravessar, quer para quem precisasse
de a localizar. Além disso, as barracas do evento foram colocadas de forma a obstruir o
acesso ao passeio, tornando-o intransitável. A situação piora quando percebemos que os
dois locais de estacionamento reservados a pessoas com deficiência, na zona do Tribunal,
também foram ocupados por barracas. Será que, para ganhar mais uns euros com o
aluguer de uma barraca, vale a pena ocupar o lugar destinado a quem precisa dele para se
mover com autonomia? Estes exemplos são a realidade nua e crua de uma vila que,
embora cheia de potencial, ainda não consegue garantir condições básicas de inclusão.
E mais uma vez, mesmo com estas evidências, a resposta dos governantes locais foi o
silêncio. Organizei também uma ação de sensibilização na Biblioteca Municipal de
Caminha, abordando estas questões de acessibilidade. Fiz questão de informar o
presidente da Câmara e solicitei que dois arquitetos da autarquia estivessem presentes
para assistirem à sessão e ouvirem, em primeira mão, as experiências de quem vive estes
desafios diariamente. Mas, como é habitual, a presença destes não se fez sentir.
Apesar de tudo, há pequenas vitórias a reconhecer. Aplaudo o facto de, recentemente,
terem sido colocados pisos táteis nas passadeiras da zona do centro histórico. No entanto,
dá que pensar: por que razão isto não foi feito logo no início, na génese do projeto da
obra? A lei de acessibilidade já exigia que esses pisos fossem instalados, mas foi ignorada.
Só após a insistência e pressão de quem sente estas dificuldades diariamente é que se
corrigiu a situação. E garanto, muitas outras situações semelhantes existem por resolver.
Este tipo de atitude revela o quão distante está a realidade dos gabinetes. Muitas vezes,
quem governa parece esquecer a realidade que enfrentamos todos os dias nas ruas.
Acessibilidade não é apenas construir rampas ou instalar elevadores. É ter a sensibilidade
e a responsabilidade de garantir que todos os cidadãos, sem exceção, podem viver as suas
vidas de forma plena e independente.
A verdadeira inclusão começa nos pequenos gestos. Começa em garantir que qualquer
pessoa, com ou sem deficiência, pode caminhar pelas ruas sem medo de encontrar
barreiras intransponíveis. E isso não é apenas uma questão de conveniência, é uma
questão de direitos humanos.
Então, se o benefício é para todos, por que razão esta questão continua a ser tratada como
algo secundário? Precisamos de mudar esta mentalidade. Não podemos permitir que os
obstáculos físicos nas ruas sejam também obstáculos à dignidade humana. Vamos, então,
pensar em grande. Vamos construir uma vila, uma sociedade onde a inclusão não seja um
objetivo distante, mas sim a norma. Afinal, trabalhar para todos é trabalhar para o bem de
todos.
Isabel Varela