A Ponte Eiffel do rio Âncora foi inaugurada no dia 1 de julho de 1878, há precisamente 147 anos.
Trata-se de um importantíssimo elemento do nosso património industrial ferroviário, que primitivamente permitiu a travessia ferroviária sobre o rio Âncora (Caminha), constituindo-se como elemento estrutural e fundamental da Linha do Minho – a única do Noroeste Português – cuja importância é sobremaneira evidente.
A ferrovia arreigava-se paulatinamente num país deficitário em vias de comunicação e transportes, rasgando o obscurantismo imposto ao longo de tempos que se perdem nas brumas da memória.
Não obstante, a Ponte do Âncora, Obra de Arte da Casa Eiffel & Cia, é parte integrante de um conjunto muito vasto de pontes e viadutos que a Casa Eiffel construiu no nosso país – o seu segundo melhor cliente logo a seguir à França.
No último quartel de Oitocentos a Casa Eiffel instalou inúmeras infraestruturas pulverizadas um pouco por todo o território nacional (1875-1890) – devendo-se naturalmente aos concursos públicos que ganhava, quer pelo preço mais baixo das suas obras, mas também pela celeridade na sua execução e instalação, até porque se tratavam de infraestruturas pré-fabricadas que exigiam, grosso modo, a construção prévia dos suportes onde se iam apoiar (pilares – pegões-encontro), bem como as rampas de acesso – a criação de taludes, muros e outros elementos estruturantes necessários, de acordo com as características geográficas de cada local.
Essas infraestruturas contemplaram não apenas a Linha do Minho (Pontes do Cávado (1877) – Neiva (1878) – Viana do Castelo (1878) e Âncora), mas muitas outras, como na Linha do Norte (Ponte Maria Pia – 1877) etc., de um total de aproximadamente 70 encomendas à Casa Eiffel.
Alexandre Gustave Eiffel, que ergueu a Torre Eiffel de Paris, para a Exposição Universal de Paris em 1889, fez-se também notar nos Estados Unidos da América, com a Estátua da Liberdade (1886), na construção do Canal do Panamá (eclusas), no México (Ponte da Arte – 1879), entre muitos outros projetos arquitetónicos audaciosos.
O seu legado é de tal ordem gigantesco, não somente pela quantidade, mas sobretudo pelo arrojo e qualidade das suas obras, de traçados leves, elegantes, versáteis e belos. A sua fama granjeia admiradores em todos os cantos do mundo, pelo que o nome “Eiffel” é em si mesmo uma âncora para o setor turístico – uma marca distinta e consolidada.
A respeito da Ponte Eiffel do Âncora, que comemora praticamente um século e meio após a sua inauguração, resta recordar que a mesma se mantém sob custódia do infortúnio, uma vez que, após a sua desativação (1989), acabaria por ser transportada para a Póvoa de Lanhoso para concretizar uma travessia no rio Ave, onde seria adaptada para travessia rodoviária (1993), o que, em abono da verdade, nunca sucedeu. Encontrando-se desde então à mercê dos caprichos da natureza, ou como quem diz “à sua sorte” definhando cada vez mais a cada ano que passa nos terrenos de uma empresa que lhe presta amparo, após solicitação da autarquia lanhosense.
Há pelo menos 5 anos que o meu ilustre amigo, António Brás (ex. autarca de Âncora) me arrastou para esta luta, no sentido de resgatarmos a velha Obra de Arte de Gustave Eiffel, para ser colocada no seu local primitivo como símbolo (centro interpretativo) de um tempo pujante e de um novo paradigma. Nesse sentido, entre um conjunto de iniciativas que encetamos, entre elas a de colocar a autarquia de Caminha a mediar o processo de devolução da Ponte com a autarquia da Póvoa de Lanhoso, tudo nos parece despiciendo. Os anos passam, e nada, nem uma luz bruxuleante surge nesse horizonte de per si pérfido e de contornos questionáveis.
Além disso, acreditando que Frederico Castro, presidente da autarquia da Póvoa de Lanhoso, tem vontade política para resolver o problema, tudo não passa de mais uma resolução – sine die, ad aeternum – cujo epílogo parece que vai ser a sucata ou o furto, como sucedeu com partes da Ponte enquanto esteve depositada numa das margens do Ave.
A autarquia de Caminha, por sua vez, como mediadora, empurra com a barriga, não aproveitando a afinidade política entre ambos os executivos (PS).
As autárquicas estão à porta, e caso se verifique uma viragem num destes ciclos políticos (que nada surpreenderá), então será motivo para engonhar mais uns 30 anos.
Infelizmente, para quem trava estas lutas pelo nosso património cultural (pro bono), mais não resta senão mesmo consolidar o descrédito na nossa política e nos seus intervenientes, pois, é absolutamente incompreensível que andemos anos para resolver um assunto que, num país minimamente civilizado e progressista, estaria mais que resolvido há muitos anos.
Burocracias, egos, desleixo e irresponsabilidade, são o que me apraz apontar a toda esta novela, cujo epílogo teima em não se revelar.
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial.