Está patente ao público até ao dia 8 de agosto, a exposição “São Tiago no Caminho e na Arte Devocional” no Centro Interpretativo do Caminho Português da Costa, situado na Praça da Erva, em pleno centro histórico da cidade de Viana do Castelo.

A crença na existência de locais santos, ou pelo menos, de sítios com significado espiritual não é, no entanto, algo de exclusivo do catolicismo. As grandes religiões do mundo têm centros de peregrinação que atraem milhões de visitantes anualmente. Neste contexto poderemos dar como exemplo Meca, para o islamismo, Varanasi ou Bernares para o hinduísmo, Jerusalém para cristãos, judeus e islâmicos. Outros focos de atração para os cristãos são, entre outros, Roma e Santiago de Compostela[1].
Santiago de Compostela: o terceiro centro de peregrinação da cristandade medieval.
A cristandade ocidental teve, na peregrinação, uma busca de esclarecimento e da indulgência eterna. A viagem era uma experiência introspetiva, durante a qual o peregrino tinha tempo para refletir sobre a qualidade das suas questões, e ao mesmo extrospetivo, uma vez que acreditava no convívio e na caridade de todos quantos lhe concediam algum tipo de auxílio durante o percurso[2]. Viajar durante a Idade Média era, antes de mais, uma oportunidade de exercer solidariedade cristã[3].
Os romeiros procuravam, muitas vezes, a graça de um milagre viajando, para isso, até junto dos túmulos dos mártires e santos junto dos quais deixavam ex-votos e donativos[4].
A peregrinação tinha quase sempre, ainda que colateralmente, uma envolvência económica uma vez que incentivava todo um comércio em torno das questões de fé, bem como as trocas de bens e de géneros alimentícios. Para além do aspeto económico eram, também, um veículo de propagação de notícias e de transmissão de informação[5]. Com o advento do cristianismo surgiram, então, dois grandes destinos de peregrinação: Jerusalém e Roma. De uma forma relativamente tardia e quase lendária, Santiago de Compostela surge como um terceiro destino de peregrinação, mais próximo e menos dispendioso. Segundo a tradição, o Apóstolo esteve na Hispânia em viajem de evangelização. No regresso a Jerusalém (ano 44 da nossa Era) foi martirizado. Os seus restos terão sido, então, trasladados, por via marítima, numa barca de pedra, até à Galiza onde foram depositados e, durante algumas centenas de anos, esquecidos. Foram redescobertos, no início do séc. IX de uma forma quase mágica, durante o processo da reconquista cristã. Os três elementos fundamentais que acabámos de descrever justificam a tradição da peregrinação uma vez que não há documentação histórica que comprove a presença, de facto, do Apóstolo na Hispânia[6].
O Caminho
No Concelho de Viana do Castelo o traçado de uma antiga estrada romana manteve-se, praticamente inalterado, até à atualidade. O itinerário da moderna «Estrada Real» recalcou o dos caminhos medievais que, por sua vez assentaram sobre o leito da via romana. O itinerário levava os peregrinos a passar por Igrejas e Capelas consagradas ao Santo Apóstolo – casos da Igreja de Castelo de Neiva, e da Igreja Paroquial de Vila Nova de Anha e Capela de S. Tiago, em Viana – e por capelinhas da devoção de S. Romão – Castelo de Neiva, em Viana e em Afife. Se nas Igrejas e capelas os peregrinos podiam orar, nos Mosteiros de S. Romão do Neiva e de S. João de Cabanas, em Afife, os romeiros podiam pernoitar e alimentar-se. Outro marco da assistência aos peregrinos, em Viana do Castelo é o Hospital Velho, construído com o propósito de, gratuitamente, dar assistência aos que viajavam de ou para Santiago. A Misericórdia, fazendo cumprir a 4.ª obra corporal “Dar Pousada aos Peregrinos” teve, também relevo na assistência a pobres, peregrinos e viajantes…
Ainda hoje, por toda a extensão do Caminho, encontrámos representações simbólicas de piedade popular, pós Concilium de Trento – sejam cruzeiros, vias-sacras ou alminhas – que se destinam a fazer lembrar aos viajantes e caminhantes as Almas dos que já partiram, pedindo uma oração que as guie, porque não, até Santiago…
A Iconografia
As representações de S. Tiago, materializam-se numa variedade de suportes e sob vários tipos de manifestação artística: desde escultura em pedra ou madeira; pintura sobre tela e em madeira; em têxteis; ourivesaria…
A sua iconografia baseia-se em três tipos de representações, fundamentados em acontecimentos da sua vida, mais ou menos lendários, reais ou mitológicos… S. Tiago aparece-nos como Apóstolo, Peregrino ou Cavaleiro.
«Como “Apóstolo” é representado envergando uma túnica talar e toga (ou manto); descalço e com um “rolo”, prontamente substituído por um livro (alusivo ao Novo Testamento). Como judeu, que morreu jovem, apresenta cabelo comprido e barbas escuras; e, atendendo ao seu martírio, era representado com uma espada. Encontram-se também apostolados em que este se apresenta com uma cruz “primacial”, aludindo à circunstância de ter sido o primeiro arcebispo da Península, pois, segundo a tradição tardia, a ele teria sido destinada a evangelização da Península Ibérica.» (Carneiro, 2017)
«(…) começou a ser representado como “Peregrino”, usando bordão, cabaça (como cantil), surrão (bolsa, escarcela ou alforge) sem fitas, chapéu (normalmente de abas largas, tipo chapeirão, ou “sombrero”), botas e capa com esclavina (…) (pequena capa que protege os ombros, também chamada romeira) e túnica um pouco mais curta (para facilitar a caminhada). A concha de vieira – devido à lenda do “cavaleiro das conchas” – torna-se na insígnia mais emblemática da peregrinação a Santiago – sendo colocada no chapéu, na capa sobre os ombro, na bolsa ou no bordão. (…)»(Carneiro, 2017)
Como cavaleiro, identifica-se como «(…) S. Tiago Mata-mouros. O apóstolo é representado como feroz guerreiro montado num garboso cavalo branco (por regra), com braço direito erguido e brandindo uma grande espada, lançado sobre espessa massa de infiéis – os quais envergam trajes mouriscos – reproduzindo o lendário Milagre da Batalha de Clavijo (…)(Carneiro, 2017)
Cultos Associados a S. Tiago e às Peregrinações
Relacionados com a peregrinação, há um conjunto de santos aos quais são atribuídas caraterísticas de proteção e auxilio a romeiros e peregrinos, assim como a viajantes.
S. Roque, protetor dos “pestíferos” terá ele próprio contraído a doença no regresso a casa da sua romagem (peregrinação a Roma), durante a qual curou os enfermos com os quais se cruzou. Isolando-se numa floresta, foi auxiliado por um Anjo e por um cão, que lhe levava pão. As representações mais comuns, ao invés de utilizar as insígnias que representam a peregrinação a Roma (chaves) aparece com a vieira, símbolo da peregrinação a Santiago.
S. Gonçalo, construtor de uma ponte, apesar de não estar associado a S. Tiago, é venerado como protetor dos caminhos e dos viajantes.
S. Cristóvão, o gigante lendário que nas travessias de cursos de água transportava os viajantes às costas, após se ter convertido ao cristianismo, tornou-se patrono dos viajantes.