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Suicidário progresso

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Jornal a vida é bela

Por motivos familiares e musicais andei em família por breves 4 dias deste mês, entre Basileia e Freiburg, que é como quem diz entre aeroporto, estações de metro e autocarros, na Alemanha e Suíça. São impressionantes, o contraste e a diferença entre a eficiência e comodidade sustentáveis aí existentes e a realidade dos nossos transportes públicos.

Chega a ser cruel a obstinação com a pontualidade, ao ponto de se assistir a um autocarro ainda na sua plataforma parado apenas devido a um semáforo vermelho mais adiante, chegar alguém para entrar, mas uma vez fechadas as portas o condutor não lhas abre, impedindo-lhe assim o embarque. A questão é que ninguém se irrita ou protesta, na certeza de que em breves minutos, pontualmente, chegará o próximo trem (elétrico) ou autocarro.

Aos nossos políticos, decisores e responsáveis era possível sim, ao fim destes anos todos de dita integração europeia fazer melhor, muito melhor, em Portugal. A diferença está na absoluta falta de formação, de perspetiva social, de respeito pelo interesse público e inerente incompetência dos responsáveis, ano após ano, década após década.

Mas não é essa desilusão, para não dizer indignação, que quero abordar.

Levava tarefas para os eventuais tempos livres nas viagens, e a saber, sempre leituras em papel:

1- Um artigo do jornal Público sobre Alfred Brendell, fantástico pianista austríaco, nascido na República Checa e cujas interpretações principalmente de Beethoven, o celebrizariam. Também poeta e compositor reconhecido, faleceu em Londres, com 77 anos, há cerca de um mês.

2- Rever uma primeira versão de uma Tese de Mestrado de uma aluna da Escola de Medicina da Universidade do Minho, que estou a orientar.

3 – Continuar a ler o que conseguisse do livro Jesus de Nazaré – Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, de Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, da editora Principia, onde cada página é um profundo exercício de conhecimento e exaustiva abordagem dos evangelhos. A progressão é tão exigente, que mais não consegui do que ir da página 94 à 102.

4- Ler um artigo recente de Ecocardiografia nas Unidades de Cuidados Intensivos para Neonatologistas da Frontiers in Pediatrics de Yogen Singh e de Cécile Tissot, com quem trabalhei em Lausanne.

5- Dar uma última vista de olhos ao CV para um concurso próximo de Assistente Graduado Sénior.

Chegados ao aeroporto de Basileia, encontrei o New York Times de 12-13 de Julho, cedido gratuitamente e decidi guardar o prazer de o ler, para depois das “tarefas” cumpridas. Gosto de obedecer ao “first things first”, ou seja, primeiro o dever e depois o prazer, por muito que isso, por vezes, me desagrade.

Foi já no voo de regresso a casa e cumpridas todas as tarefas referidas que, no mesmo aeroporto, a minha mulher me trouxe um novo New York Times, agora, de 17 de Julho; tanto melhor, as próximas duas horas e meia de voo seriam assim para o prazer da leitura. Puro engano!

Ambos, na primeira página, alertavam para motivos de preocupação, insegurança e angústia. Terá a Humanidade verdadeiro futuro neste planeta que constante e intensamente destrói? Não bastam já tantos conflitos, que para além das vidas inocentes, sacrificam também e ainda mais o planeta onde vivemos?

O NYT de 12-13 de Julho traz na 1.ª página em grande destaque, a “exploração desregulada de terrar raras em Myanmar, feita alegadamente por empresas chinesas e que estarão a envenenar o Rio Kok e pelo menos 3 outros rios que correm também na Tailândia.”

Durante meses, os níveis de arsénico e outros metais subiram a níveis tóxicos nesses rios, segundo dados do próprio governo, em rios outrora límpidos. As pessoas que aí entram, apresentam agora lesões dermatológicas, que fotografias no interior do jornal documentam. A longa exposição a estes agentes e respetiva associação a cancros de rim, pulmões e bexiga, vem aí referida. Os meandros de todo este negócio são também explicados e comprometem o futuro, mas principalmente o presente, pela guerra civil a que toda esta inconsciência e ganância obviamente deram origem. Assustador.

Por seu lado, o NYT de 17-7-2025, mostra também em destaque na 1.ª página, numa grande fotografia aérea, o novo Data Center da Meta em Newton County nos EUA, acelerando “a corrida de desenvolver a Inteligência Artificial”. Este projeto, levou a que os poços de toda a vizinhança do complexo secassem, porque consome perto de 1.900.000 litros de água por dia… Como a energia elétrica é mais dispendiosa do que a água, estas empresas optam por construir em locais de menor custo da eletricidade, independentemente dos seus recursos em água.

Nestas empresas a água é uma reflexão para depois”, afirmam as populações afetadas! Qual depois? – perguntam.

Os jornais, que sempre foram portadores de más e boas notícias, anunciam agora a trágica marcha humana, sorridente, mesquinha, mas sobretudo suicidária, rumo ao abismo da própria extinção, em benefício do progresso e do futuro”.

Progresso sim, mas futuro duvido, e de nada adianta aquele, sem este. Aliás, não existe.

Não é justo. Afinal, a leitura destes jornais devia ter sido um tempo de prazer. Eu tinha cumprido todos os meus deveres.

Arnaldo Botão Rego

Arnaldo Botao Rego
Arnaldo Botao Rego
Neonatologista

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