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Quinta-feira, 28 Março, 2024
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Pirotecnia, uma arte milenar


A história da pirotecnia iniciou-se provavelmente na Ásia, já na pré-história. Mas a pólvora segundo reza a história terá sido criada , acidentalmente, na China há cerca de 2 mil anos. O responsável terá sido um alquimista chinês que sem querer, juntou salitre (nitrato de potássio), enxofre e carvão e aqueceu tudo. Depois de arrefecer a mistura deu origem a um pó negro que quando queimado dava chama. Esse pó a que os chineses inicialmente deram o nome de “fogo químico” viria a ficar conhecido por pólvora com diversas utilizações, nomeadamente explosivos para armas.

Mas voltemos aos fogos explosivos que datam de alguns milhares de anos antes de Cristo, isto é, muito anteriores à descoberta da pólvora. Surgiram pela explosão de pequenos pedaços de bambu que eram atirados para as fogueiras. O barulho das explosões causados por esses bambus começou por assustar o povo chinês que mais tarde os começou a utilizar em festivais e celebrações para assustar os maus espíritos.
Passados dois mil anos os chineses verificaram que esses mesmo bambus ocos, recheados com o entretanto descoberto “fogo químico”, davam um efeito maior. Terão sido assim construídos os primeiros foguetes que hoje todos conhecemos.
Durante séculos o conhecimento da pirotecnia foi um exclusivo do povo chinês e indiano e só muito mais tarde foi trazido para a Europa, pelos árabes e gregos.
A arte de construção de fogos de artifício foi muito desenvolvida na Arábia no século VII, sobretudo pelo fato de os sais oxidantes de potássio serem bastante utilizados pelos alquimistas do Islã.
Posteriormente, acresceu-se à pólvora o uso de magnésio e alumínio. Estes metais permitiam a obtenção de um brilho nunca visto e de um número muito grande de efeitos luminosos. Com o advento da química moderna e descoberta de suas leis, muitos elementos foram estudados, assim como suas reações. Hoje em dia, diversos efeitos visuais foram acrescidos aos fogos de artifício com a mistura de diferentes substâncias.

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Lanhelas terra de fogueteiros de excelência

Feito este apontamento histórico, o Terra Rio e Mar desta semana convida-o a conhecer um pouco mais desta arte que, no concelho de Caminha e em particularmente na freguesia de Lanhelas, deixou a sua marca.
De facto pode dizer-se que Lanhelas abraçou esta arte como nenhuma outra localidade do país. E se é verdade que em tempos esta era uma das principais atividades naquela freguesia, hoje só restam as memorias.
Das 3 fábricas que ali existiam já todas fecharam portas. O que existe são empresas a laborar no setor, como é o caso da Pirolanhelas, empresa que o Terra Rio e Mar visitou.
A Pirolanhelas é propriedade de Bernardo Fernandes, filho e bisneto de dois dos maiores fogueteiros que existiram na freguesia de Lanhelas. O bisavô era António J. Fernandes que em 1853 fundou a primeira pirotecnia em Lanhelas e o pai, falecido no ano passado, era Benjamim Fernandes que, com o irmão Gaspar Fernandes fundou nos anos 60 a “Gaspar Fernandes e Irmão Ldª , empresa que ao longo de mais de meio século conquistou inúmeros prémios nacionais e internacionais na arte da pirotecnia.

20140125_203705 JCMas vamos à história contada pelo único que decidiu abraçar a arte dos seus antepassados, o já citado Bernardo Fernandes.
“A história da pirotecnia em Lanhelas começou pela mão do meu bisavô, António José Fernandes, que em 1853 fundou naquela freguesia uma das primeiras pirotecnias. Eles eram 3 irmãos e cada um possuía a sua fábrica. A do meu bisavô foi a que mais perdurou tendo mudado a sua denominação por volta dos anos 60 quando o meu pai, Benjamim Fernandes e o irmão Gaspar Fernandes, decidiram dar-lhe um ovo nome passando a chamar-se Gaspar Fernandes e Irmão Ldª”.

A fábrica chegou a dar trabalho a quase meia centena de trabalhadores que, sob as orientação dos irmãos Benjamim e Gaspar, forneciam fogos para todo o país e estrangeiro.
“Tinhamos gente a trabalhar na fábrica que vinha de Gondarém, Vilar de Mouros, de Viana e até de Paredes de Coura, mas a maioria era de Lanhelas. Na fábrica do meu pai fabricava-se tudo, desde o carvão até à pólvora. Tudo o que era necessário para produzir os foguetes era feito na fábrica”.
Bernardo Fernandes lembra-se de ouvir contar que no teu do bisavô os foguetes eram transportado por mulheres em cestos à cabeça. “Essas mulheres iam depois de comboio distribuir pelas festas e romarias que se realizavam um pouco por todo o lado”.

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Mais tarde e com a evolução dos meios de transporte, essa distribuição passou a ser feita através de camionetas.
À medida que os anos foram passando a fama do fogo de Lanhelas foi crescendo tanto em Portugal como no estrangeiro e na década de 60 surgem os primeiros concursos em que a Gaspar Fernandes e Irmão Ldª conquista prémios atrás de prémios pela qualidade e originalidade dos seus fogos.
Bernardo Fernandes recorda alguns desses prémios: “Em 1967 venceram em S. Sebastian, Espanha, o primeiro lugar; em 1968 foi em Valencia e uma vez mais em S Sebastian (1º lugar); em 1969 Valencia 1º lugar e 2º no Mónaco e em S. Sebastian; em 1971 ganhou a grande final no Mónaco e também em 1985. Estes prémios foram todos conquistados pelo meu pai e pelo meu tio.
Já comigo a trabalhar lá fomos a Macau em 1989 (2º lugar); em 1990 voltamos a Macau e arrecadamos novamente o 2º lugar, em 2004 fiquei em 3º e em 2011 fiquei em 4º lugar”.fogo 2 JC

Para este fogueteiro, que decidiu abraçar a profissão do pai aos 15 anos, trata-se de um currículo muito bom. “Não é só um prestígio para o nome da famílias mas também para o próprio concelho e para o país. Repare que não é fácil ir ao Oriente e competir com a China ou com o Japão que neste campo dominam tudo. Ficar á frente de países como a Inglaterra, a França ou os Estados Unidos é de facto muito bom. O que está em causa não e tanto o prémio mas sim o prestígio que isso dá”, explica.

Aos 15 anos Bernardo Fernandes tinha como tarefa apanhar casca de pinheiro no monte que era depois queimada para fazer carvão. O escritório da firma foi coisa que nunca o atraiu, deixando as contas e os papeis para o irmão.
“Eu comecei a ir para as festas com o meu pai aos 11 anos e aos 15 já ia sozinho com os empregados. As coisas eram muito diferentes daquilo que são hoje, era muito mais divertido. Hoje em dia a maior parte das pessoas que andam a queimar fogo nem imaginam como se faz um foguete porque o material já vem todo feito da China. Nós tínhamos que produzir tudo”

fogo 3 JCFazer um foguete é como fazer um bolo. Existe uma receita própria para cada um deles e muito rigor nos procedimentos. Quando o rigor é negligenciado acidentes podem acontecer e acontecem, quase sempre por erro humano.
“O processo passa por produzir a pólvora indicada para cada uma das cores. Tenho um caderno com receitas que era do meu bisavô onde estão indicados todos os materiais e as respetivas pesagens em gramas. Por exemplo para fazer um estrelado amarelo eram necessários vários ingredientes: nitrato de soda, enxofre, carvão de pinho, esterina amarela, magnésio, alva, alumínio branco, antimónio e pó fino. Depois de tudo pesado sem erros, era tudo misturado. Se as proporções não estivessem certas da duas uma: ou a cor não ardia, ou então podia mais tarde fazer uma reação de aquecimento e arder por ela própria o que poderia ser perigoso”.

 

Cada cor pretendida tem o seu material especifico assim diz o livro de receitas do velho António José Fernandes que, apesar de datar de 1853, ainda hoje continua atual.
“Existem alguns ingredientes que foram sendo substituídos mas a base é esta. Eu fiz muitas massas destas, algumas até mais perigosas”.

Bernardo Fernandes tem saudades do tempo em que tudo era feito na fábrica. “Hoje só faço o fogo que é queimado de dia, de resto vem tudo da China porque não compensa estar a produzir o fogo da noite”, explica.
Queimar o fogo também já não é o que era. “Antigamente era tudo à mão, andávamos pelo meio do fogo a queimar. Hoje é tudo diferente, basta carregar num botão e já está. Mas sinceramente não tem metade da piada nem da criatividade. À mão podíamos estar durante meia hora, ou mais, a queimar fogo sempre de forma diferente. Com as máquinas ao fim de 15 minutos já estamos a repetir”.

fireworks JCE se a criatividade na produção dos fogos se foi perdendo com a introdução no mercado da matéria prima pronta vinda da China, resta aos fogueteiros apostarem na criatividade dos espetáculos. “De facto é na forma como nós montamos o fogo e preparamos os espetáculos que nos podemos diferenciar uns dos outros. O resultado final depende sempre do gosto de quem está a preparar e a montar o fogo e também da quantidade de fogo a queimar claro. Mas às vezes com menos também se consegue um bom espetáculo tudo depende do gosto de cada um”.
O sucesso de um espetáculo de pirotecnia está intimamente ligado ao local onde ele se vai realizar e por isso Bernardo explica que é importante conhecer o local pois sem isso é impossível saber se determinado espetáculo vai ou não resultar. “Neste momento idealizar um espetáculo é das coisas que ainda me vai dando algum gozo e alimentando esta minha paixão”, confessa.

J.Fernandes JCAssociada a acidentes, muitas vezes fatais, a pirotecnia é uma profissão que exige cuidados. Bernardo Fernandes diz que um dos princípios fundamentais desta profissão é não atirar com as coisas. “Na pirotecnia é proibido rebolar com o que quer que seja. Tudo tem que ser pousado e nada pode ser atirado, isto é uma regra. Todos os acidentes que tem havido e nós também tivemos, aliás o meu tio morreu num desses acidentes, a causa é sempre erro humano. Não me venham dizer que é por causa do material porque não é. No caso do meu tio, por exemplo, foi uma empregada que em vez de fazer uma dose de massa fez cinco e em vez de deixar aquilo espalhado, juntou tudo e ainda lhe pôs um peso em cima. Aquilo aqueceu e claro deu origem à explosão. Para termos ideia da importância do cuidado no manuseamento do material por vezes o simples sacudir de uma peneira pode originar uma explosão”.

Passados todos estes anos e apesar de já não existir nenhuma fábrica a laborar, o nome de Lanhelas no mundo da pirotecnia continua a ser respeitado. Que o diga Bernardo Fernandes que com a Pyrolanhelas continua a iluminar os céus de norte a sul do país e também além fronteiras. Manter a qualidade e crescer de forma sustentada é o objetivo deste empresário que já pensa na próxima ida a Macau para mostrar o que de melhor se faz na pirotecnia portuguesa.
Com o pai, seu grande mestre, Bernardo aprendeu tudo aquilo que sabe. Se há alguém a quem a pirotecnia de Lanhelas deve alguma coisa, é a ele . “O meu pai foi o grande mentor de tudo isto, foi o homem que me ensinou tudo e que me disse, antes de morrer, que sempre soube que eu seria capaz. A ele se deve ter levado o nome de Lanhelas por esse mundo fora. Foi com ele que, com a sua arte representou Lanhelas nos lugares mais emblemáticos como por exemplo a Ilha da Madeira onde durante 50 anos fez os espetáculos do fim de ano. Em Espanha nos melhores festivais e no Oriente. Tudo o que sou hoje a ele o devo”.

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Sem sucessor que lhe queira seguir os passos, Bernardo Fernandes lamenta que esta herança de família se possa ficar por aqui. Depois dele mais ninguém mostrou interesse em aprender esta arte que o bisavô, no longínquo ano de 1853, implementou na freguesia de Lanhelas e que durante anos deu trabalho a muitas famílias da freguesia que é também conhecida como a terra dos fogueteiros.

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