Sou moradora da vila de Caminha, portadora de deficiência visual e uma acérrima defensora do cumprimento da acessibilidade e inclusão. A cegueira tem-me ensinado muito sobre resiliência, mas há momentos em que a indiferença das autoridades locais me fere mais do que a minha limitação visual. Recentemente, fui confrontada com uma história que não apenas me indignou, mas também me deixou profundamente preocupada com o rumo que Caminha está a tomar.
Por inúmeras vezes, tenho alertado para a necessidade de resolver os constrangimentos que ignoram a Lei da Acessibilidade e Inclusão. Não basta ter vontade política – algo que, já percebi, não existe. É preciso sensibilidade. E é precisamente essa sensibilidade que falta aos governantes do nosso concelho.
Os factos falam por si. No Largo Dr. Fetal Carneiro, onde se encontra a sede da Junta de Freguesia de Caminha, foram colocados uns mecos trancados a sete chaves. O objetivo talvez fosse controlar o tráfego, mas a realidade ultrapassou qualquer justificação plausível: numa situação de emergência, os bombeiros de Caminha foram chamados à Rua Direita. Para lá chegarem, teriam de passar pelo Largo Dr. Fetal Carneiro. O que aconteceu? Foram impedidos de passar pelos tais mecos.
Na urgência do momento, os bombeiros não tiveram outra alternativa senão seguir a pé. Chegados ao local, verificaram que a pessoa necessitava de ser transportada numa maca. Contudo, a ambulância não conseguia passar devido aos mecos trancados. Resultado? Em plena noite fria e cerrada, os bombeiros tiveram de carregar a pessoa em cima da maca, a pé, até onde a ambulância estava estacionada.
Isto é Caminha no seu melhor. Ou, mais apropriadamente, no seu pior. Como é possível que os moradores daquela zona tenham as chaves dos mecos, mas numa emergência uma ambulância fique impossibilitada de passar? De que serve a chave se a pessoa que está em apuros não tem acesso imediato a quem pode salvá-la? E se eu, portadora de deficiência visual, estivesse nessa situação, completamente angustiada com um problema de saúde? Onde está a sensibilidade dos governantes do concelho de Caminha?
Ano após ano, a acessibilidade é esquecida e ignorada. Esta classe política tem, repetidamente, demonstrado que não sabe governar para as suas gentes. Não é necessário gastar verbas avultadas para resolver estas questões. Basta olhar para elas com sensibilidade. Mas não. Tomam-se decisões com os pés. E esses mesmos pés parecem apenas trilhar o caminho da insensibilidade. Na minha opinião, é muito triste e demonstra uma fraqueza de espírito quando se gasta rios de dinheiro em festas e mais festas e, para resolver questões de acessibilidade, o dinheiro falta. Falta dinheiro para resolver os problemas das gentes que habitam o concelho e abunda para festejar. É triste.
Falo com conhecimento de causa. Já fiz três intervenções na Assembleia Municipal e uma em reunião de Câmara sobre estas questões. E o que mudou? Muito pouco. Recentemente, fui vítima dessa indiferença. Caminhava pela Rua Direita e, por breves instantes, decidi não utilizar o arnês da minha cadela-guia, optando por fazer parte do percurso de bengala. Apesar de a bengala ter identificado os vasos, foi tarde demais para a minha canela. O resultado? Dei uma valente pancada, raspei a pele e fiquei com a perna numa lastimável condição durante um mês. Tudo por causa de dois vasos “estrategicamente” colocados que mais parecem caixões.
A minha liberdade é constantemente colocada em causa pela insensibilidade das decisões tomadas. E pergunto: é esta a insensibilidade que queremos para Caminha? É isto que dignifica a nossa vila? É isto que os moradores merecem?
Acessibilidade e inclusão não são favores. São direitos. E enquanto não tivermos dirigentes capazes de olhar para estas questões com sensibilidade e responsabilidade, continuaremos a trilhar este caminho de indiferença. Caminha precisa de mudar. Caminha merece mudar. Porque não há progresso sem humanidade. E não há humanidade sem acessibilidade.



