7.6 C
Caminha Municipality

Fogos Florestais: Uma leitura sociológica da catástrofe recorrente

Data:

Os fogos florestais têm sido tradicionalmente interpretados como desastres naturais, intensificados por fenómenos climáticos extremos e também, onde a mão humana, pelo descuido ou pelo crime, têm contribuído para este flagelo. Contudo, uma abordagem sociológica revela que esses “eventos”/acontecimentos são, em grande medida, socialmente construídos. Ou seja, embora dependam de condições ecológicas e climáticas, a sua frequência, intensidade e consequências são moldadas por dinâmicas sociais, políticas e económicas, muito bem conhecidas de todos.

Este artigo de opinião propõe uma análise sociológica da existência dos fogos florestais, centrando-se em quatro eixos principais: Uso e ocupação do solo; Desigualdade social e vulnerabilidade; Políticas públicas e governança; e A relação simbólica e cultural com a natureza.

Uso e Ocupação do Solo: A Modernização Desordenada. A transformação do território é um dos factores estruturais mais importantes na explicação dos fogos florestais. A urbanização acelerada, a expansão de monoculturas (como o eucalipto e o pinheiro bravo em Portugal, por exemplo), e o abandono das práticas agrícolas tradicionais resultaram num território fragmentado e altamente inflamável.

Segundo a sociologia rural e ambiental, a perda de “mosaicos agroflorestais” – compostos por zonas de cultivo, pastagens e florestas diversificadas – aumentou a continuidade do combustível vegetal. As políticas de desenvolvimento que favoreceram o crescimento económico à custa da gestão territorial sustentável criaram paisagens propícias à propagação do fogo. O fogo torna-se, assim, uma externalidade negativa do modelo tradicional de cultivo e de uso da terra.

Desigualdade Social e Vulnerabilidade: Quem Arde Com o Fogo? Os fogos florestais não afectam todas as populações da mesma forma. A sociologia dos desastres mostra que os impactos são mais severos sobre as comunidades mais pobres, isoladas ou envelhecidas, frequentemente deixadas à margem dos investimentos públicos. Estas populações vivem em zonas de risco maior, têm menor capacidade de resposta e são frequentemente ignoradas nos processos de decisão política. Estas Populações vivem momentos de angústia, níveis de stress elevadíssimos e incertezas sobre os dias de amanhã, onde os recursos escasseiam todos os dias.

Além disso, muitos territórios rurais vivem o paradoxo do abandono: por um lado, sofrem com a ausência de políticas de apoio à agricultura familiar e à fixação de pessoas; por outro, são invadidos por interesses económicos ligados à indústria florestal. Assim, o fogo revela e amplifica desigualdades sociais e espaciais pré-existentes e muitas vezes com dificuldade de se vislumbrarem razões, porque acontecem fogos em determinado território…

Políticas Públicas, Estado e Governança: Entre a Reacção e a Prevenção. As políticas públicas em torno dos fogos florestais tendem a privilegiar abordagens tecnocráticas e reactivas, como o reforço do combate e da vigilância aérea. A prevenção estrutural – que exige uma gestão florestal participada, ordenamento do território, e revalorização das zonas rurais– é frequentemente secundarizada, ou até, inexistente! Outra dimensão da Prevenção é olhar para o terreno/território em épocas de menor risco de incêndio e proceder a um planeamento de limpezas, zonas de limitação de propagação e zonas de evacuação.

A sociologia política e institucional crítica a fragmentação das responsabilidades entre diferentes organismos do Estado, a falta de continuidade nas políticas públicas e a captura do debate por interesses económicos e corporativos, instalados nos meandros e bastidores dos corredores e espaços de decisão. A lógica do espectáculo mediático – que valoriza o “herói-bombeiro” e a tragédia pontual – obscurece a discussão sobre os factores sistémicos que perpetuam o problema. Contudo, nunca, de modo algum, podemos ignorar ou minimizar o papel dos Bombeiros, numa luta desigual com o fogo devorador.

Cultura, Simbolismo e Natureza: O Fogo como Fenómeno Social. A forma como as sociedades se relacionam com o fogo e a floresta é também uma construção cultural. Em muitas culturas rurais, o fogo era (e ainda é) uma ferramenta de gestão do território. Contudo, a modernidade urbana demonizou o fogo e marginalizou os saberes locais, criminalizando práticas ancestrais como as queimas controladas.

A sociologia ambiental explora esta dissociação cultural entre sociedade e natureza. A floresta é muitas vezes romantizada como espaço “selvagem”, mas é, de facto, um produto social e político. A ausência de envolvimento das comunidades locais na gestão do espaço florestal reflecte uma perda de capital social e cultural essencial à sustentabilidade do território. Não se atribui valor económico à Floresta!

Em conclusão podemos dizer que o fogo não é apenas natural, é-o também social.

Os fogos florestais, longe de serem fenómenos meramente naturais, são resultado de um conjunto de dinâmicas sociais (económicas e políticas) interligadas. A sua análise exige ir além das explicações técnicas e considerar as estruturas de poder, os modos de vida, os modelos económicos e as escolhas políticas que moldam a paisagem. Porque nos falta sabedoria e conhecimento, não abordamos a vertente criminal associada à “Sociologia dos fogos florestais”.

A abordagem sociológica não nega os factores ecológicos ou climáticos, mas sublinha que, sem uma transformação profunda nas relações sociais com o território, os fogos continuarão a ser uma expressão de desigualdade, desordem e conflito. Prevenir fogos é, também, reconstruir comunidades, reformar políticas e repensar a nossa relação com o mundo natural.

Assim o Poder Político e Económico o entendam e queiram transformar!

Humberto Domingues
Mestre em Sociologia da Saúde
2025.08.17

Humberto Domingues
Humberto Domingues
Enfermeiro. Especialista em Saúde Comunitária

Partilhar Artigo:

spot_img
spot_imgspot_img

Populares

Outros Artigos
Relacionados

Maioria PSD na Câmara de Arcos de Valdevez aprova orçamento de 51 ME para 2026

Arcos de Valdevez, Viana do Castelo, 12 dez 2025...

Ponte de Lima (CDS) aprova orçamento de 65 ME para 2026

Ponte de Lima, Viana do Castelo, 12 dez 2025...

Caminha: Pai Natal chega no domingo à Mata do Camarido

O Pai Natal chega à Camarilândia este domingo, dia...

Novo acordo com o INEM obriga Bombeiros de Caminha a adquirir nova ambulância de emergência

A Associação dos Bombeiros Voluntários de Caminha foi obrigada...