A Enfermagem Comunitária escreveu mais uma página na História da Saúde, reunida em “Congresso Internacional” em Coimbra, promovido pelo Colégio da Especialidade respectiva, da Ordem dos Enfermeiros, tendo como tema “A Enfermagem Comunitária como Estratégia Política do SNS”. E nada mais promissor, do que tudo aquilo que se tratou, falou e demonstrou-se cientificamente, para o “bom amanhã” do SNS. Até porque o SNS comemora 46 anos e a mudança do seu paradigma, é uma realidade que se impõe, apesar dos lóbis que não querem deixar ver, esta mesma realidade, que teve o seu tempo, mas que hoje é diferente.
No aniversário do SNS, é inevitável refletir não apenas sobre os seus alicerces, a razão da sua existência e a quem se dirige, mas também sobre os profissionais que o tornam possível, entre eles os Enfermeiros de Saúde Comunitária. Mais do que cuidadores de proximidade, estes profissionais são guardiões silenciosos da Saúde Pública, actuando nas casas, nas escolas, nas empresas e em todas as comunidades onde a vida acontece, com uma intervenção privilegiada, dedicada à Família!
A Enfermagem Comunitária é, muitas vezes, invisível. Não se vê em grandes cirurgias ou em intervenções hospitalares altamente tecnológicas, mas sente-se na promoção da literacia em saúde, na prevenção de doenças crónicas, no acompanhamento do idoso frágil ou da Família em vulnerabilidade social. É a face mais humana de um SNS que, para além de curar, tem a obrigação de cuidar, educar e prevenir. E como referiu no discurso de encerramento, o Presidente do Colégio, Professor Doutor José Hermínio Gomes, “reflectimos sobre a gestão de caso, as doenças crónicas e a continuidade de cuidados, reconhecendo que o acompanhamento de proximidade, a articulação interprofissional e os planos de cuidados personalizados são estratégias essenciais para melhorar a qualidade de vida, reduzir internamentos evitáveis e tornar o sistema mais sustentável. Abordámos a intervenção junto das populações mais vulneráveis. Aqui ficou claro que a Enfermagem Comunitária tem um papel insubstituível: olhar para as determinantes sociais da saúde, promover equidade, fortalecer comunidades e ser voz ativa junto dos decisores políticos. Falámos da autonomia profissional e da prescrição em enfermagem, reafirmando que esta é uma conquista da profissão, uma afirmação de responsabilidade clínica e científica, e um instrumento para aumentar a acessibilidade e a eficiência do Serviço Nacional de Saúde.
As equipas de Enfermagem Comunitária continuam subdimensionadas, a burocracia consome recursos que deveriam estar no terreno, e os projetos de proximidade enfrentam frequentemente constrangimentos financeiros e a realidade mostra que estes Enfermeiros ainda não têm o reconhecimento institucional e social que merecem. Este desinvestimento é curto de vista: ao não reforçarmos a Enfermagem Comunitária, prolongamos internamentos evitáveis, multiplicamos idas às urgências e sobrecarregamos hospitais já em rutura.
Celebrar os 46 anos do SNS deve, por isso, ser também assumir compromissos claros: colocar a Saúde Comunitária no centro das políticas públicas, valorizar os Enfermeiros que a praticam e apostar na prevenção como pilar de sustentabilidade. Porque o futuro do SNS não se joga apenas dentro das paredes dos hospitais, mas sobretudo na Comunidade.
Dar visibilidade e meios à Enfermagem Comunitária não é apenas um ato de justiça profissional, é uma medida estratégica para garantir que, daqui a mais 46 anos, o SNS continuará universal, solidário e próximo das pessoas. Afinal, cuidar da Comunidade é cuidar do país, é economizar muitos milhões de euros e é potencializar a promoção de hábitos de vida saudáveis, diminuir a literacia em saúde e prevenir as doenças, e não o inverso, a tratar as doenças como priorização da intervenção.
Ao longo destas décadas, o SNS tem sido sinónimo de esperança, equidade e solidariedade. Mas há uma dimensão muitas vezes invisível, e que é, afinal, a alma do sistema: a Enfermagem Comunitária nas suas 3 grandes dimensões – Comunitária, Saúde Pública e Familiar, onde começa a ser visível “e reconhecida como pilar estruturante de um Serviço Nacional de Saúde moderno, justo e próximo das pessoas”. Este é um marco do presente, que nos convida não só a olhar para o que evoluímos do passado, mas também a projectar o futuro. Queremos ser o rosto que chega antes da doença se instalar e que permanece quando o hospital já não é necessário. Que transforma a proximidade em saúde, a prevenção em futuro e o cuidado em dignidade.
Num tempo em que tanto se fala de sustentabilidade, é na Comunidade que reside a resposta. A prevenção, a literacia em saúde, o acompanhamento dos mais frágeis e o apoio às Famílias são sementes plantadas todos os dias pelos Enfermeiros na Comunidade. E essas sementes, discretas mas persistentes, são as que evitam internamentos, reduzem desigualdades e constroem um SNS mais resiliente.
Conscientes de que, mais do que celebrar o que já conquistámos, devemos assumir um compromisso coletivo: colocar a Saúde Comunitária no centro das políticas públicas e dar voz, meios e visibilidade a quem, todos os dias, cuida de Portugal. Porque o futuro do SNS erige-se não apenas nos hospitais, mas sobretudo no coração das comunidades, e como o Presidente do Colégio referiu “a Enfermagem Comunitária é futuro. Um futuro que se constrói lado a lado com as pessoas, apoiando famílias, fortalecendo comunidades e defendendo a dignidade humana em todas as circunstâncias”, com compromisso e princípios éticos.
A Enfermagem Comunitária é, afinal, a prova viva de que o SNS não é apenas um serviço. É um pacto de cuidado, proximidade e humanidade. E esse é o legado que devemos preservar para as próximas gerações.
Humberto Domingues
Enf. Especialista Enfermagem Comunitária
2025.09.16



