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A mente não mente: Quando a memória falha – Como a demência afeta a vida

Com o aumento expressivo da longevidade, o ser humano enfrenta hoje novos desafios relacionados à saúde cognitiva e mental. A demência, palavra de uso comum, mas cuja complexidade raramente é explorada, é uma condição que se estende para lá da perda de memória, impactando a identidade, a autonomia e o bem-estar daqueles que a vivenciam.

Um estudo recente, divulgado pelo jornal Expresso1, alerta que, até 2080, cerca de 450 mil portugueses poderão ser diagnosticados com demência, evidenciando o impacto crescente desta condição na sociedade. Numa perspetiva global, a Organização Mundial da Saúde2 estima que cerca de 55 milhões de pessoas padecem atualmente de demência e alerta que este número poderá triplicar até 2050.

Face a esta realidade alarmante, torna-se fundamental esclarecer, educar e sensibilizar a consciência pública sobre a demência de forma a promover uma compreensão mais profunda da condição e de reduzir os estigmas que lhe estão associados. Então, afinal, o que é a demência?

A demência ou transtorno neurocognitivo major, não se trata de uma única doença, mas de um conceito amplo que incorpora diversas formas de comprometimento cognitivo e da funcionalidade da pessoa. Dependendo da condição subjacente que a origina, a demência afeta cada pessoa de forma diferente. As formas mais comuns são o Alzheimer, que perfaz 60-70% dos casos, a demência vascular, a demência de corpos de Lewy e a demência frontotemporal(3-5).

A sintomatologia comum incorpora alterações na memória, desorientação temporal e espacial, alterações na linguagem oral e escrita, comprometimento do raciocínio e tomada de decisões, dificuldades na realização de tarefas diárias e alterações de humor e personalidade6. A demência está, portanto, ligada a um declínio progressivo das funções cognitivas que se faz acompanhar pela presença de sintomatologia psicológica como a depressão, ansiedade, delírios e alucinações, sendo que estas alterações divergem mediante o tipo de quadro demencial(4-5).

Numa fase inicial, os sintomas da demência tendem a passar despercebidos ou a ser desvalorizados uma vez que, na maioria das vezes, as pessoas manifestam problemas de memória como a dificuldade em lembrar-se de acontecimentos ou nomes, especialmente para aprender e recordar informação recente, o que é frequentemente associado ao processo de envelhecimento saudável(3-4). No entanto, nesta fase podem ainda surgir desafios relacionados à orientação temporal como a dificuldade em recordar datas, confundir o dia ou o mês, à orientação espacial, por exemplo perder-se em alguns locais preferencialmente conhecidos, assim como dificuldades em tomar decisões, planear e resolver problemas. Nota-se que o reconhecimento precoce da sintomatologia desempenha um papel crucial para o diagnóstico e desenvolvimento de estratégias que aliadas à terapêutica permitem à pessoa e à sua família uma maior qualidade de vida.

Com a progressão da doença, os sintomas tornam-se mais evidentes, as pessoas podem apresentar alterações ao nível da linguagem, como dificuldades graves de comunicação, nomeadamente encontrar palavras, compreender e manter uma conversa coerente. Podem, também, surgir alterações de humor (irritabilidade e apatia) e mudanças de comportamento (maior desinibição, inquietação e deambulação) o que se traduz frequentemente em limitações significativas para a realização das atividades básicas diárias e uma maior dependência. Numa fase avançada, a deterioração cognitiva é severa, a demência afeta de forma profunda a comunicação, a capacidade de reconhecer familiares e amigos próximos e, eventualmente, funções básicas como a alimentação e a locomoção. Esta fase é geralmente caracterizada por uma dependência total e comprometimento significativo das funções cognitivas, exigindo, desta forma, cuidados contínuos e especializados(3-4). Atendendo a estas características, a demência, doença neurodegenerativa, atualmente irreversível, difere do envelhecimento normal e saudável.

A idade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de um quadro demencial, sendo que a prevalência da condição aumenta de forma significativa à medida que esta avança. E embora não exista cura, o tratamento farmacológico, adaptado à doença específica da pessoa, tende a estabilizar temporariamente, a nível emocional e comportamental, o quadro de demência(8). Salienta-se, ainda, o tratamento não farmacológico (como o apoio psicológico, a estimulação cognitiva, a terapia ocupacional, a atividade física, entre outras…) uma vez que este produz alterações significativas, nomeadamente na sintomatologia psicológica e comportamental.

O diagnóstico não afeta apenas a pessoa, mas todo o seu entorno. A experiência de quem convive com uma pessoa que padeça de demência é extremamente impactante originando frequentemente um desgaste físico e emocional. No entanto, esta condição poderá tornar-se menos penosa com a ajuda de profissionais especializados e ajudas específicas. Podem, também, ser desenvolvidas algumas estratégias para facilitar o dia a dia do familiar e/ou cuidador e melhorar a qualidade de vida da pessoa, como por exemplo:

  • Estabelecer uma rotina diária
    Considerando os sentimentos de confusão e desorientação, característicos do quadro demencial, estabelecer uma rotina diária constitui um facilitador tanto para a pessoa como para o cuidador. Manter uma rotina estruturada ajuda a reduzir a ansiedade e o stress da pessoa, proporcionando segurança, estabilidade e um maior conforto. Para o familiar e/ou cuidador, uma rotina facilita a organização do tempo, através do maior planeamento e antecipação das necessidades da pessoa o que, por sua vez, reduz substancialmente a sobrecarga emocional e física;
  • Facilitar a comunicação
    A alteração na linguagem, quer seja ao nível da compreensão ou ao nível da expressão, afeta diretamente a comunicação da pessoa onde se verifica uma tendência para a verbalização agressiva e utilização de expressões repetitivas. Perante isto, o familiar e/ou cuidador deve procurar reagir com calma e tranquilidade, mantendo o contacto ocular e comunicando de forma clara. Ainda, apesar das dificuldades que a pessoa possa expressar, não se deve excluir a mesma de um diálogo, aconselha-se dar tempo para que a pessoa expresse os seus pensamentos, sentimentos e necessidades, sem interrupção;
  • Promover a participação da pessoa
    Apesar do quadro clínico e prognóstico, a pessoa deve ser incluída no processo e não excluída dele, por conseguinte o familiar e/ou cuidador deve incentivar a pessoa a
    contribuir para as tarefas diárias dentro do possível, de forma adaptada, pois estas permitem que a pessoa permaneça estimulada e potencia o não agravamento da perda das suas competências, por exemplo: o seu familiar pode não ser capaz de cozinhar sozinho, mas poderá auxiliar na preparação dos alimentos a serem confecionados. Devem, ainda, ser tidas em consideração atividades de interesse da pessoa.

A memória falha, mas o seu impacto não precisa de ser devastador. Com um diagnóstico precoce, é possível adotar estratégias que retardam a progressão da doença e garantem uma melhor qualidade de vida à pessoa e à sua família. O conhecimento e a preparação permitem criar um ambiente mais seguro, promover a estimulação cognitiva e emocional e reduzir a sobrecarga dos cuidadores.

Embora a demência traga desafios inevitáveis, é possível enfrentá-los com empatia, adaptação e suporte adequado. O essencial não é apenas preservar lembranças, mas sim manter a dignidade, o bem-estar e a conexão humana. Afinal, mesmo quando a memória se apaga, o afeto e o cuidado permanecem como faróis que iluminam o caminho.

No caso de identificar os sintomas referidos no seu familiar deve recorrer a um profissional de saúde. Pode, também, recorrer às seguintes linhas de apoio:

Linha de Apoio na Demência
963 604 626 (em funcionamento em dias úteis das 9.30h às 13h e das 14h às 17h)

Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer
Sede (Norte) 226 066 863/ 229 260 912 (em funcionamento em dias úteis das 9h às 13h e das 14h às 17h)
www.alzheimerportugal.org/pt | [email protected]


Sofia Alves

Psicóloga Júnior

 

Referências
1.
Expresso. (2024, 4 de abril). Demência poderá afetar 450 mil portugueses em 2080, alerta estudo. Disponível em https://expresso.pt/sociedade/2024-04-04-Demencia-podera-afetar-450-mil-portugueses-em-2080-alerta-estudo-dfe31dc2
2.
Organização Mundial da Saúde. (2021). Global status report on the public health response to dementia. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240033245
3.
Organização Mundial da Saúde (2019). iSupport for dementia: training and support manual for carers of people with dementia.
4.
Organização Mundial da Saúde (2012). Dementia: a public health priority: World Health Organization.
5.
American Psychiatric Association (APA, 2014). DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª edição). Porto Alegre: Artmed Editora.
6.
Prado, J. Á. L., & Jiménez-Huete, A. (2019). Neuroimagen en demencia. Correlación clínico-radiológica. Radiología, 61(1), 66-81.
7.
Escher, C., & Jessen, F. (2019). Prevention of cognitive decline and dementia by treatment of risk factors. Der Nervenarzt, 90, 921-925.
8.
Alzheimer’s Association. (2019). 2019 Alzheimer’s disease facts and figures. Alzheimer’s & dementia, 15(3), 321-387.

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