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O QUE O SARS-COV-2 E A COVID-19 ME FIZERAM! – I

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Caros Leitores, hoje escrevo para falar de mim. Uma experiência vivida na primeira pessoa-Eu!

No exercício de funções fui infectado com o “vírus SARS-CoV-2, tal como tantos outros Profissionais de Saúde, quer em Portugal, quer no Mundo.

Após uma noite mal dormida e com sintomas do gênero de uma gripe forte, fiz o teste nesse mesmo dia e no dia seguinte tinha o resultado confirmado: “positivo para SARS-CoV-2”. Recolhimento ao domicílio e vigilância sobre os sintomas e estado de saúde.

Passados dois dias, recorro à urgência para reavaliação face a ligeiras queixas, não de “falta de ar” (dispneia), mas aumento da temperatura corporal. Feito RX torax e gasimetria arterial, os resultados apresentaram-se “normais” e portanto, sem razões para internamento, mas a necessária vigilância.

Seguiram-se 4 dias sem melhoras nenhumas, noites mal dormidas, uma actividade cerebral enorme e a temperatura corporal na ordem dos 38 a 39º, embora sem queixas de dispneia. Perante este estado de coisas, recorro ao S.U. de onde já não saí, ficando internado. O percurso depois foi demorado e doloroso, com passagem por vários serviços – Medicina critica, Cuidados Intensivos, Cuidados Continuados e finalmente, ao fim de 3 semanas, alta hospitalar.

A experiência mais assustadora:

Numa das noites nos Cuidados Intensivos “senti que ia partir desta vida terrena”, que ia morrer! Uma experiência horrenda! Uma personagem só com a face em caveira e o frontal do crânio, com uma cabeleira enorme e preta para trás, com um vestido negro, estende-me o braço direito, só em ossos, e com a ossada da mão direita, chama-me para junto dela, à entrada de um túnel negro, muito escuro e longo, com figuras também horrendas, bizarras e assustadoras, que esvoaçavam e outras estavam fixas nas paredes. As investidas eram grandes, e eu a tentar defender-me! Depois de muita resistência da minha parte, numa luta esgotante, e muita insistência da “personagem aterradora” que me queria levar, esta atira-me pequenos panfletos em forma rectangular de cor violeta escura, brilhante. Assustador! Terrorífico! Nunca antes vivido. Depois afasta-se de mim, numa atitude e “sorriso” de escárnio, menosprezo, assustador e ameaçador. Imagem horrenda!

Houve dias de dolorosas experiências…Durante esta luta e resistência, só me lembrava que ainda era novo para partir, ia deixar as pessoas que mais amo para sempre – a minha Esposa, os meus Filhos, os meus Pais e o meu Irmão. Muitos Colegas estiveram presentes nestes pensamentos de despedida e de angústia. Tinha ainda tanto para viver e merecia viver mais!

Os dias vividos nos Cuidados Intensivos, com os pulmões bastante infectados, com saturações de oxigénio muito baixas foram muito dolorosos. A incerteza de melhoras pairava… Vivi grande parte destes dias com a máscara de oxigénio em ventilação não invasiva permanentemente colocada, sempre muito bem apertada e ajustada à cabeça e à face com “tiras elásticas” para evitar fugas e perdas de O2 e assegurar uma ventilação eficaz e mais altas saturações de oxigénio, Ao fim de pouco tempo, torna-se incômoda e até dolorosa. Foi algo difícil de suportar. Após vários dias de uso desta mâscara, houve zonas da face que ficaram magoadas pelo apoio e aperto que suportaram, apesar da colocação de materiais de protecção e prevenção de feridas. Foram vários dias de permanência no leito, que cada vez se foram tornando mais dolorosos e desconfortáveis, em qualquer decúbito, apesar dos cuidados que me foram prestados de prevenção de escaras. A mobilização na cama era dolorosa. Dores articulares e musculares, astenia… perda de muita massa muscular, falta de ânimo… Os levantes do leito para o cadeirão, começaram por ser tímidos devido à falta de ar (dispneia) com os movimentos, mas também toda a funcionalidade musculo-esquelética estava debilitada, comprometida e por isso, não funcional. O medo de não mais recuperar… a impossibilidade de andar a pé, pelo próprio pé, estava muito presente. Associado a tudo isto, a incapacidade para a higiene pessoal diária, de forma autónoma. O padrão de sono alterado. No início, custa ouvir todos aqueles “pis pis” das máquinas que nos monitorizam. Depois habituamo-nos. Quando acontece o primeiro banho de corpo inteiro no duche, pelo próprio pé, apesar de vigiado para prevenção de quedas… uma grande conquista! Qual pudor, qual pensamento… constrangimento… algum… mas vamo-nos habituando, também.

Nesta difícil e horrenda experiência, o MEDO, algo impessoal, invisível, abstrato, mas que marcou presença e que se fez sentir e me fez perceber a sua dimensão nociva e aterradora, nas suas variadas formas, obriga-nos a pensar muito e a temer sempre o pior! A minha Família esteve sempre presente nos meus pensamentos. Fisicamente não era possível estarem comigo. Apenas a minha esposa pode estar, numa fugaz visita, (num momento para se despedir de mim até à eternidade) e por ser Técnica Superior de Saúde na Instituição Hospitalar. Tive muito, muito medo de morrer. Sim tive! E mais medo de morrer, ainda, sem ter a oportunidade de me despedir de ninguém… de quem mais amo…

Mas… a vida deu-me uma segunda oportunidade. Para além dos saberes da ciência e da medicina, uma força maior e divina esteve ao meu lado, com certeza, que me manteve vivo! Eu acredito nesta força divina!

No dia da alta hospitalar, ver o meu filho mais velho na portaria do hospital para me trazer para casa, foi uma sensação indiscritível. Voltar a ver os meus Pais, a minha casa e sentir o abraço dos meus Filhos e Esposa, foi/é extraordinário e difícil de explicar. Ainda hoje o é!

Pensei muito, muito na minha Família. Pensei muito na minha Avó já falecida, que foi uma estrelinha que também me protegeu. Pensei em Deus, na Srª. de Fátima e em S. Pedro de Varais (Santo da minha Freguesia). Acredito que houve uma força maior, algo divino, que me protegeu.

Humberto Domingues
Enf. Especialista Saúde Comunitária
2021.09.09

Humberto Domingues
Humberto Domingues
Enfermeiro. Especialista em Saúde Comunitária

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