São João D’Arga – Uma romaria única

0
5919

 


A Romaria de São João d’Arga, que se realiza de 28 para 29 de agosto na freguesia de Arga de São João, é considerada uma das romarias mais genuínas do Alto Minho e uma das mais típicas do país.

A festa decorre à volta do antigo mosteiro beneditino que, reza a história, chegou a ser templário. Com festa ou sem ela, o local merece uma visita atenta. Mas voltemos à romaria e às muitas tradições que lhe estão associadas.

sao joao d'arga 2
Logo pela manhã do dia 28, começam a chegar os romeiros, a maioria de automóvel, mas alguns a pé, como era costume, fazendo então os romeiros o percurso das “sete serras”.
À chegada, segundo a tradição, dão-se as 3 voltas à igreja e no interior do templo dá-se a esmola ao santo mas também ao “senhor diabo”.

Cumprida a promessa é hora de escolher um local para descansar e petiscar no farnel. Ameio da tarde realiza-se a missa, ao que se segue a procissão, na qual, para além do andor do S. João, segue também o estandarte de santo Ajinha muito venerado na serra.
Finda a procissão e todos os atos religiosos, a animação é em crescendo e de forma espontânea.

 

sao joao d'arga 3

No adro da igreja e à volta dos quartéis, juntam-se inúmeros tocadores de concertina em animadas rusgas. As gargantas afinadas soltam versos picantes de fazer em resposta às “provocações” do adversário. Soltam-se gargalhadas numa animação desenfreada.
Ao redor, as tasquinhas improvisadas servem diversos petiscos e o famoso “xiripiti”, uma mistura de aguardente com mel que, se não for bem doseada, poderá causar algumas dores de cabeça.

A festa prossegue com os concertos nos coretos onde as bandas tocam em despique. As claques aplaudem, o barulho é infernal, é o caos, ninguém se entende mas isso também não é importante.

Os carros não param de chegar e a fila de estacionamento já conta alguns quilómetros. Grupos de pessoas convergem ao santuário engrossando o “mar de gente” que por ali anda. Naquele espaço exíguo milhares de pessoas dançam, cantam, bebem e riem num entusiasmo indescritível. É assim a romaria de São João d’Arga, única e irrepetível…

Tempos houve em que a festa durava até de manhã mas hoje, por volta das 4 da madruga, o recinto encerra para que no dia 29 de manhã nada perturbe as cerimónias religiosas.
Tal como noutros tempos são muitos os grupos de pessoas que ainda se deslocam a pé até à Romaria. De Vila Praia de Âncora sao joao d'arga 4parte todos os anos um grupo com destino à serra. No ano passado foram mais de 100 pessoas a fazer o percurso que dura em média 5 horas. Tal como em anos anteriores, a Junta vai uma vez mais organizar esta caminhada que está marcada para o dia 28 de agosto às 7.30. O ponto de encontro é junto a Igreja Matriz de Vila Praia de Âncora.

Carlos Castro, presidente da Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora, explicou que esta é uma iniciativa que vinha do anterior executivo e que o atual quer manter.
“Estamos a falar de uma caminhada que já se realiza há 16 anos e que nós junta, com o apoio do executivo camarário, pretendemos manter”.

Os interessados em participar na caminhada poderão fazer a sua inscrição na sede da junta ou então no posto de turismo de Vila Praia de Âncora. A inscrição é gratuita mas obrigatória, “por uma questão de logística”, explica o presidente da junta que garante o transporte de regresso para os participantes.

Umas boas sapatilhas e uma roupa confortável são os conselhos deixados por Carlos Castro aos participantes.
Pelo caminho são feitas algumas paragens técnicas para abastecimento e por isso não há que recear porque o percurso faz-se bem.
Carlos Castro explica que se trata de um caminho religioso “no entanto, nos dias de hoje, são muitos os que o fazem apenas por diversão, por laser ou pelo gosto de caminhar.”

É um percurso centenário descrito por um antigo romeiro de Vila Praia de Âncora, já falecido, o senhor Damião Martins Figueiras. “Este romeiro todos os anos ia a São João d’Arga para procurar proteção e pedir as suas graças”.
É um percurso que é considerado de nível 1 devido à sua extensão e características do terreno. “Há determinados locais com declives acentuados, mas não é para ter medo porque há romeiros com 60 e mais anos que fazem o caminho com uma perna às costas por isso lanço o desafio a toda a gente, independentemente da idade, para que nos acompanhem”.

sao joao d'arga 5

É um trajeto que atravessa o Vale do Âncora e entra numa pequena área da bacia do Coura, cruzando os concelhos de Caminha e Viana do Castelo e sete freguesias: Vila Praia de Âncora, Vile, Riba de Âncora, Gondar, Dem, Montaria, entrando no coração da Serra d’Arga.

Para além do objetivo religioso do caminho, os romeiros que o percorrem têm oportunidade de vislumbrar paisagens belíssimas e inesquecíveis.
José Alfredo Costa já fez o caminho várias vezes e conhece-o bem. “Não é um caminho fácil, tem várias descidas e subidas mas se for feito calmamente não há problema”, garante.

sao joao d'arga 6

Ao longo do percurso cruzam-se outros grupos vindos de outras paragens. “É engraçado porque nos vamos cruzando com outros grupo de outros locais, no ano passado apanhamos um grupo que vinha de Lanheses e outro de Vila Franca do Lima. Isto era uma tradição que existia antigamente e que as pessoas não querem deixar morrer”.

Noutros tempos o próprio caminho em si era já uma verdadeira romaria. “As pessoas cantavam, dançavam e tocavam concertina pelo caminho. A festa já começava ali”.
O prazer de caminhar é a razão principal que leva José Alfredo Costa a fazer o percurso a pé até São João d’Arga. “Gosto muito de caminhar, principalmente em sítios limpos, mas também vou pelo prazer cultural e pelo convívio que se estabelece”.
sao joao d'arga 7

Alfredo Costa lembra-se de ser pequeno e ir com os avós a São João d’Arga. Desses tempos, e já lá vão mais de 50 anos, guarda imagens que jamais esquecerá.
“Lembro-me de ver as mulheres vestidas com os fatos à lavradeira e com os cabelos cheios de caracóis feitos com o azeite e o garfo. Lembro-me de ver os grupos chegarem a pé de todo o lado e a confluírem para o local. Nesse dia todos os caminhos iam dar a São João d’Arga”, recorda.

Apesar de ser uma romaria onde a tradição ainda se mantem, este ancorense considera que a mesma já começa a ser invadida por algumas “modernices”.
“Estamos a falar de uma romaria que era muito limpa de tudo, no entanto, no ano passado, já por lá vi algumas coisas menos desejáveis. Acho que a comissão de festas deveria ter um pouco mais de zelo. Já se vê por lá muita quinquilharia chinesa e roulotes que descaracterizam muito a festa. Era a festa das tendas e das tasquinhas e isso hoje já se vê cada vez menos”.

sao joao d'arga 8

Alcides Henriques é outro dos ancorenses que anualmente faz o caminho até São João d’Arga. Amante de caminhadas este ancorense chama a atenção para a beleza do caminho. “Estamos a falar de um caminho que não é só beleza paisagística. É um caminho onde se pode observar imensas espécies de animais, nomeadamente aves, cavalos selvagens, rebanhos de cabras. Em termos de flora podemos também observar várias espécies de pinheiros, castanheiros, carvalhos, choupos, salgueiros, entre outros.

O caminho, apesar de religioso, oferece inúmeras oportunidades a quem o percorre. “É um caminho do ponto de vista cultural, arquitetónico e ambiental muito rico”.

sao joao d'arga 9