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Sexta-feira, 19 Abril, 2024
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O que pretendia unir acabou por afastar

 

 

 1Criar uma ligação fluvial que garantisse a travessia de passageiros e viaturas entre Caminha e A Guarda, dando desta forma continuidade a uma fronteira ancestral, e que ao mesmo tempo atraísse até Caminha os muitos turistas que anualmente visitam o Monte de Santa Tecla, o segundo destino mais visitado em toda a Galiza, depois de Santiago de Compostela, foi um dos grandes projetos a que Pita Guerreiro se propôs logo que foi eleito, em 1976, presidente da Câmara de Caminha.

A ligação entre as duas margens, feita pela “Zizita”, uma barca de madeira, era na altura uma das poucas existentes no rio Minho, para além da de Valença, feita através da centenária ponte internacional que une aquela vila, hoje cidade, à de Tui. Como forma de dar continuidade a uma ligação histórica, bem enraizada na cultura quer dos caminhenses quer dos galegos de A Guarda, Pita Guerreiro acreditou que a melhor forma de continuar este intercâmbio seria através de um ferry que, para além de passageiros, pudesse também transportar viaturas, entre elas autocarros, atraindo assim mais turismo. Com o projeto bem delineado na cabeça, o presidente da câmara de Caminha decide apresentá-lo ao seu congénere de A Guarda que, na altura, “ficou muito entusiasmado”, recorda Pita Guerreiro.

Imbuídas do mesmo espírito, as duas localidades começam então a trabalhar nesse grande projeto de unir as duas margens através de um ferry. A primeira coisa a fazer foi sensibilizar os governos dos dois países para a importância desta histórica ligação, e para a necessidade de a melhorar. Pita Guerreiro conta que isso não foi difícil, “os governos ficaram sensibilizados e até constituíram uma comissão de trabalho para avançar com o projeto”, recorda.

Tudo parecia bem encaminhado até ao momento em que um dos elementos da dita comissão faleceu, fazendo com que a mesma nunca mais voltasse a reunir. Sem ferry à vista os anos foram passando mas a necessidade de criar uma nova travessia mantinha-se bem firme na cabeça de Pita Guerreiro que nunca esqueceu o projeto. Assim, entre 1983 e 1985, o assunto volta à discussão já não sob a forma de ferry, mas de uma ponte internacional que ligasse as duas margens. Aproveitando o facto de estar no governo um homem do norte, Pita Guerreiro fala-lhe desta possibilidade mas, com o país em crise e sob assistência do Fundo Monetário Internacional, a construção de uma ponte torna-se inviável. “Falei com ele sobre a possibilidade de se construir aqui uma ponte, mas o ministro disse-me que não havia dinheiro”, conta.

Apesar de tudo Pita Guerreiro ainda consegue na altura uma verba de 10 mil contos, dinheiro que não dava para avançar com a ponte, mas que serviu para ressuscitar o projeto do ferry entretanto guardado na gaveta. O passo seguinte foi pedir orçamentos a diversos estaleiros e elaborar um projeto de impacto ambiental que avaliasse a necessidade de abrir uma canal para que a embarcação pudesse navegar. Pita Guerreiro recorda que já na altura o estudo revelou que seriam necessárias dragagens com alguma periodicidade. “Sabíamos que, pelo menos de dois em dois ou de três em três anos, era preciso dragar”.

O ferry, com capacidade para 4 autocarros, começa a ser construído a expensas de Portugal (com recurso a fundos comunitários), tendo os espanhóis contribuído com uma verba para a abertura do canal de navegação. Tanto a embarcação como o canal demoram vários anos a concluir e apesar de o ter idealizado, Pita Guerreiro não chega a inaugurar o ferry uma vez que abandona o cargo de Presidente da Câmara de Caminha antes da sua conclusão. Mas é ainda no decorrer do seu último mandato, que termina em 1993, que se estabelece com os espanhóis o protocolo que iria ditar as regras de funcionamento da embarcação, nomeadamente os custos de manutenção e exploração. Segundo Pita Guerreiro, “tratou-se mais de um acordo de cavalheiros do que propriamente um acordo jurídico”.

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Concluído apenas em 1995, o Ferry-Boat Santa Rita de Cássia chegou a Caminha num sábado, 20 de Maio, já com Valdemar Patrício à frente do executivo caminhense. O acordo continuou a vigorar e as dragagens eram feitas por Portugal porque, ao contrário de Espanha, aqui as areias extraídas podiam ser comercializadas. A manutenção, exploração e as receitas eram divididas entre os dois, cabendo a gestão da embarcação a Caminha.

Com a necessidade de recorrer frequentemente a dragagens tal era o estado de assoreamento do rio junto à foz, as areias foram-se acumulando ao longo da marginal transformando uma das zonas mais bonitas da vila de Caminha num verdadeiro estaleiro de areias ao ar livre.

Quando chegou ao executivo, em 2002, uma das grandes batalhas da então autarca foi acabar com aquele estaleiro e dar ao espaço a dignidade que ele merecia. A presidente do executivo, Júlia Paula Costa, defendia que sendo esta uma embarcação que beneficiava as duas localidades, então era justo que os impactos também fossem repartidos.

Pita Guerreiro volta ao processo anos mais tarde, já como Governador Civil de Viana do Castelo, para tentar mediar o conflito instalado entre Portugal e Espanha.  Apesar da insistência por parte de Caminha de que os impactos deveriam ser repartidos, A Guarda continuava a fazer ouvidos moucos e a assobiar para o lado como se não tivesse nada que ver com o assunto.

Só em 2007 e depois de ter sido Caminha a dragar as areias durante anos a fio, é que Espanha manifesta vontade de ser ela a dragar. Caminha não se opõe, pelo contrário, fica até satisfeita pois finalmente o outro lado parecia querer assumir responsabilidades. A única imposição que Caminha fez na altura foi que, ao assumir as dragagens, Espanha o fizesse por um período de dez anos, idêntico àquele que tinha sido assumido por Caminha.

“Foi a única exigência que fizemos porque nos pareceu justa”, recorda Júlia Paula Costa.

Mas a vontade de dragar manifestada pelos espanhóis foi sol de pouca dura e à terceira dragagem, quando perceberam que os seus propósitos não estavam a ser bem sucedidos, anunciaram que não voltariam a fazê-lo.
A verdade é que Espanha só manifestou interesse em ser ela a dragar porque julgou que com as areias retiradas do canal, iria resolver o problema das suas praias que estavam a ficar sem areal.

Ao perceber que as areias não eram de boa qualidade e que a população se começava a manifestar contra por isso, deu o dito por não dito e abandonou o processo, passando uma vez mais a bola para o lado de Caminha. Ao não respeitar o acordo estabelecido, os galegos ficam mal na fotografia e Júlia Paula entende a atitude como uma grande falta de consideração não só para com o município de Caminha, mas também para com o governo português.

“Nós já sabíamos que a areia não tinha qualidade porque houve um ano em que a praia de Moledo sofreu uma forte erosão e nós pedimos ao Ministério do Ambiente para colocar lá areia do ferry. Fizeram-se na altura algumas análises e percebeu-se que a areia não tinha qualidade ambiental para ser colocada na praia. Eu acho incrível como é que a Junta da Galiza vem numa atitude de petulância e arrogância, dizer que quer dragar porque vai por nas praias. Nós dissemos: tudo bem mas só se for por dez anos… Quando começaram a dragar e a pôr a areia nas praias a população caiu-lhes em cima porque a areia não tinha qualidade. E depois claro, tiveram que dar um destino às areias. Como já não tinham local para depositar os inertes e os impactos provocados eram grandes, foram pô-la a alto mar, uma operação extremamente cara. Começaram a fazer contas, viram que deva muito prejuízo e desistiram do acordo. Foi uma falta de consideração muito grande tanto para com a Câmara de Caminha como para com o Governo português”, acusa Júlia Paula Costa.

Ferry corre o risco de morrer

Com o canal de navegação sem dragar há mais de três anos, o que faz com que a embarcação esteja mais vezes parada do que a funcionar devido ao assoreamento, a situação está à beira da ruptura e a ameaça do ferry poder vir a parar definitivamente começa a ganhar corpo. A navegar apenas com a maré cheia, porque na meia maré por vezes os problemas já surgem, a situação está a tornar-se insustentável quer em termos económicos quer em termos da qualidade de serviço prestado aos utilizadores da embarcação que mais das vezes está parada.

Reunidos no passado mês de abril, os dois presidentes de câmara alertaram para a necessidade de uma intervenção urgente por parte dos governos de Lisboa e Madrid, sob pena do ferry vir a parar definitivamente, ainda antes do verão, por falta de condições para navegar. É que se não houver uma dragagem a curto prazo, o ferry tem morte anunciada. Os dois autarcas decidiram por isso enviar uma carta conjunta aos dois governos a pedir uma audiência para que possam dar conta da situação.

Mas será que Caminha e A Guarda têm força e peso suficiente para convencer os dois governos de que este é um investimento prioritário? Esta é sem dúvida a grande questão que todos querem ver respondida o mais rapidamente possível.
É que, se isso não acontecer, o ferry “vai morrer” e Caminha será o único concelho português da Ribeira Minho a ficar sem uma ligação a Espanha, já que todos os outros, de Cerveira até Melgaço, têm a ligação assegurada por uma ponte.

Numa coisa todos parecem estar de acordo: “o ferry não pode continuar como está porque não só não é sustentável, como não presta um bom serviço aos utilizadores.” Mas a situação só se altera se houver vontade política por parte dos dois Governos em criar condições para que a embarcação possa continuar a prestar o seu serviço.

Ferry parado por tempo indeterminado

Neste momento o ferry está parado por tempo indeterminado para a habitual vistoria e manutenção necessárias à renovação do certificado de navegabilidade. Durante esta paragem será também feita a manutenção do pontão flutuante do cais de embarcação no lado português, bem como uma operação de limpeza à saída da doca onde neste momento existe um banco de areia que na maré baixa impede a embarcação de entrair e sair.

Segundo Miguel Alves já foi pedida autorização à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e à Capitania do Porto de Caminha para que a operação de limpeza se possa fazer. “Estamos a aguardar essa autorização que esperamos chegue em breve”.
Com a situação do assoreamento a piorar de dia para dia, as receitas a baixar e os custos a aumentar, “os estados têm que contribuir para uma solução se querem que o ferry continue a operar no rio Minho”, alerta o autarca de Caminha.
Até que chegue uma resposta de Lisboa e Madrid, continua incerto o futuro do ferry-boat Santa Rita de Cássia, que há quase duas décadas transporta passageiros entre as duas margens do rio Minho, Caminha e A Guarda.

UMA DÍVIDA DE 2,6 MILHÕES DE EUROS

pres a guarda

Mas os problemas que ao longo dos anos têm oposto portugueses e espanhóis relativamente ao ferry não se ficam pelas dragagens. Para além dos custos com a manutenção do canal, também os da embarcação têm sido nos últimos anos suportados por Caminha, violando uma vez mais o acordo estabelecido.

Feitas as contas, A Guarda que apesar de não ter responsabilidades foi arrecadando verbas ao longo dos anos, já deve a Caminha mais de 2,6 milhões de euros relativos a custos de funcionamento da embarcação.

Quando chegou à câmara em 2002, Júlia Paula Costa deparou-se com “um vazio na prestação de contas”. Segundo a autarca não havia reconciliação bancária na câmara de Caminha nem acerto de contas entre os dois municípios.
“O que aconteceu foi que a partir daí fizemos um grande esforço no sentido de conseguirmos elementos de contabilidade que nos permitissem fazer o apuramento de contas. Isso só se conseguiu em 2010. Foi nessa altura que se apurou uma diferença grande a entregar ao município de Caminha por parte da Câmara de A Guarda. Logo que nos apercebemos desta situação e depois de termos estabelecido com o município vizinho um acordo, inscrevi essa verba no Plano de Atividades e Orçamento”.

Apurada a dívida, Caminha estabelece então um acordo com A Guarda para que esta lhe fosse fazendo entregas por conta dos anos anteriores em dívida, pelo menos dos anos relativos ao exercício do atual alcaide, já que relativamente aos anteriores, José Manuel Freitas disse não estar em condições de pagar.

Apesar do acordo estabelecido, A Guarda volta a falhar com Caminha ao não pagar o valor anteriormente acordado. Perante esta situação a Câmara de Caminha decide avançar com um processo judicial para tentar recuperar o valor em dívida, incluindo a verba anterior a 2006, dívida essa que entretanto a autarquia de A Guarda disse não reconhecer por considerar que perante a lei espanhola a mesma já tinha prescrito.

De referir que nos primeiros 5 anos em que o ferry-boat funcionou, não houve problemas nas contas. A autarquia de La Guardia transferia para Caminha as receitas da bilheteira, Caminha fazia as contas, amortizava com as receitas as despesas, mas isso não era o suficiente para fazer face a todos os custos que a manutenção da embarcação implica.

Por volta do ano 2000 os galegos decidiram deixar de transferir o dinheiro para Caminha e nos 7 anos seguintes não houve qualquer transferência.

“Até 1999 ou 2000, a Câmara de La Guardia transferia para a de Caminha, a receita de bilheteira da parte espanhola. A partir dessa altura decidiu a Câmara de La Guardia não continuar a fazer essa transferência de forma indiscriminada a Portugal. Não sei o motivo dessa decisão e também não me toca a mim estar a explicar isso porque na altura não era responsável. Entre 2000 e 2007 nenhum dos concelhos prestou contas um ao outro. A partir de 2008 reunimos com Caminha e em 2010 acordámos um calendário de pagamentos. O que não se pode pretender agora é que saldemos uma dívida antiga em tão curto espaço de tempo, com todos os problemas financeiros que também estamos a atravessar. Eu entendo a parte portuguesa que quer que lhe paguemos o quanto antes, mas nós também não estamos melhor e vamos pagar conforme formos podendo”, admitia o alcaide de A Gaurda em declarações ao caminhense em junho de 2012.

Eleito em outubro de 2013, Miguel Alves cumpre em Dezembro aquilo que já vinha prometendo em campanha eleitoral, e que era resolver a questão com A Guarda pela via do diálogo sem recurso aos tribunais.
Assim, antes do final do ano, o recém eleito presidente decide solicitar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAFB), a suspensão do processo intentado pelo anterior executivo. Isso mesmo foi anunciado publicamente após a primeira reunião de trabalho promovida pelos dois municípios e que teve lugar em Caminha.

Além do pedido de suspensão do processo foi também anunciado que as receitas da bilheteira cobradas em A Guarda passariam a ser encaminhadas, a partir de janeiro de 2014, para o município de Caminha, e que o executivo galego se comprometia, nos primeiros 3 meses de 2014, a apresentar um plano de pagamento para os valores em dívida.

Segundo a Câmara de Caminha, as transferências têm sido feitas tal como estava acordado e neste momento aguarda-se ainda que seja dado a conhecer o plano de pagamentos para os valores anteriores em dívida, uma vez que a Câmara de A Guarda pediu mais algum tempo para o poder apresentar, alegando a falta de tesoureiro da autarquia.

Quanto à divida de 2,6 milhões de euros reclamada por Caminha e ao contrário do que era expectável, Miguel Alves já veio admitir que parte dela poderá ter mesmo que ser decidida em tribunal caso não haja acordo entre as partes. Trata-se dos valores anteriores a 2006 que, como referimos, A Guarda entende que já terem prescrito. Isto mesmo foi confirmado no passado mês de abril, depois dos dois municípios terem voltado a reunir, desta vez em A Guarda, para discutirem assuntos comuns, nomeadamente o da dívida.

E se o ferry parar definitivamente?

Foi esta a pergunta que o Jornal C fez aos comerciantes de ambas as margens do rio Minho com quem falou.
Que impactos terá para a economia das duas localidades a morte desta embarcação, a única ligação existente entre os dois municípios foi o que procuramos perceber. Se isso acontecer será “muito grave” e não será apenas a morte do ferry “mas também a morte de uma relação comercial e cultural de muitos anos”, garantem. Disso ninguém dúvida…

 

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Maria José Monteiro – Caminha

“O ferry faz-nos muita falta porque embora já não venha tanta gente como vinha antigamente, a verdade é que sempre traz e leva gente”.
Esta comerciante nem quer ouvir falar na possibilidade do ferry acabar e faz um apelo aos governantes para que ajudem os pequenos municípios.
“Era bom que eles fizessem uma dragagem no rego para o ferry poder continuar a navegar. As pessoas vêm à feira e no regresso não deixam de passar para vir buscar uma ou outra coisa como por exemplo o sabão de barra que, tal como antigamente, ainda se continua a vender muito bem”.
Se o ferry parar definitivamente Maria José Monteiro não tem dúvidas que será uma grande perda para Caminha. “O simples facto de vermos o ferry a navegar no rio já é um espetáculo bonito”.
Esta comerciante gosta e defende tanto o ferry que houve um ano que até o escolheu para ilustrar umas festas de Santa Rita. O cartaz exibi-o orgulhosamente num caixilho numa das paredes do seu estabelecimento comercial que já era no bisavô do marido.

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Mário Fernandes – Caminha

Mário Fernandes é comerciante na vila de Caminha há muito anos. Proprietário de uma loja de têxteis situada à entrada da vila caminhense, este comerciante não tem dúvidas da importância que o ferry tem para o comércio de Caminha. De resto esta travessia sempre foi muito importante para a economia de Caminha, “desde o tempo em que esse intercâmbio comercial era feito pelas barcas. Estávamos sempre à espera delas, principalmente da que chegava por volta das 14.30”, recorda.
Hoje em dia o comércio já não é tão forte mas mesmo assim Mário Fernandes garante que trabalha muito bem com o ferry.
“Olhe neste momento o ferry está parado e posso-lhe garantir que se nota muita diferença. Hoje é quarta-feira e dá para perceber que anda aí muito menos gente. O ferry faz muita falta porque os espanhóis até podem vir a pé, nem precisam de trazer carro porque está tudo acessível e isso convida as pessoas a virem”, explica.
Se o ferry acabar Mário Fernandes não dúvida que será muito mau para Caminha. “É uma pena porque temos boas condições em terra. Temos um bom parque de estacionamento para quem quiser vir de carro e temos acesso facilitado para os que preferirem vir a pé. Será uma pena e uma grande prejuízo para o nosso comércio que já está tão fraco”, lamenta.

fausto goncalves

Fausto Gonçalves – Caminha

Quando o ferry chegou a Caminha em 1995 Fausto Chicolinha, ao contrário da maioria dos caminhenses, não festejou. Este comerciante queria uma ponte e lamenta que os políticos caminhenses não tivessem tido a ambição suficiente para conseguir uma para Caminha.
“Recordo-me perfeitamente do dia em que o ferry chegou a Caminha. Eu estava a trabalhar aqui na loja e lembro-me de comentar com alguém que um ferry não era maus, mas também não era a opção ideal para Caminha. Eu defendia uma ponte e por isso fiquei sempre com esta mágoa pelo facto dos nossos políticos na altura não terem arriscado um passo maior”.

Ao fim de quase vinte anos a verdade é que o ferry, umas vezes melhor outras pior, tem tido um papel importante na economia local. Nesse sentido ficar sem ele seria acabar com o pouco que ainda resta. 

“Seria muito grave”, considera Fátima Pires uma das proprietárias da Casa Chicolinha em Caminha. “O ferry faz muita falta e neste momento não faz sentido estar a chorar sobre o leite derramado e a lamentar que não se tivesse feito uma ponte. A verdade é que ela não existe e por isso temos que defender o que ainda nos resta, neste caso o ferry”, atira.

Fátima Pires chama a atenção para a importância deste meio de transporte que acaba por trazer até muitos turistas, principalmente no verão”.

“Já temos tido clientes espanhóis e de outras parte do mundo que vêm vistar o Monte de santa Tecla e quando chegam lá acima ficam fascinados pela paisagem e fazem questão de vir visitar a vila de Caminha. Vêm atraídos não só pela bela da paisagem mas também pela possibilidade de poderem fazer a travessia que, embora curta não deixa de ser agradável”.

Fátima Pires explica que este tipo de turismo é importante para Caminha porque traz pessoas que gostam de visitar e fazer uma ou outra compra. Acabar com o ferry será portanto “muito grave” e esta comerciante nem quer imaginar o que pode acontecer à economia local se isso se concretizar. “Será uma perda enorme”, não tenho dúvidas disso.

No porto de A Guarda, onde existem algumas dezenas de restaurantes, tem-se notado nas últimas semanas uma diminuição de clientes, principalmente portugueses. Falámos com alguns comerciantes da zona do portinho que nos garantem que esta diminuição está muito ligada ao facto do ferry estar parado.

A importância desta ligação é vital para a economia local de ambas as margens e A Guarda, tal como Caminha, não quer ouvir falar da possibilidade do ferry acabar definitivamente. Os galegos consideram a ligação importante não só para a economia das duas localidades mas também para o turismo e até para as relações culturais que sempre foram bastante fortes entre as duas margens.

emilia goyares

Emília Goyares – A Guarda

Sentada a uma mesa de um dos restaurantes que possui no Porto de A Guarda, Emília Goyares conta que está no ramo há quase 50 anos. Os restaurantes que gere, o Riveiriña e o Marusia, já eram do sogro e tanto num como no outro, recebem frequentemente clientes vindos de todo o norte de Portugal.
“Temos clientes portugueses de toda a vida que de vez em quando aparecem para comer o nosso peixe e os nossos mariscos.
Emília Goyares diz que a grande maioria da clientela que vem de Portugal atravessa o ferry porque, além de ser um passeio turístico e agradável, fica mais barato do que ir a Cerveira e atravessar a ponte.
“Mas não são apenas os portugueses que utilizam o ferry, temos clientes espanhóis, do interior de Espanha que quando aqui vêm nos perguntam se a viagem demora muito. Quando lhes digo que demora à volta de 7 a 8 minutos, não hesitam em comer rápido para passar para o outro lado e darem uma volta por Caminha”, explica.
A importância do ferry para as duas localidades é por isso inquestionável e Emília Goyares não tem dúvidas que se a ligação acabar será “um desastre”
“O ferry é muito importante para a economia e também para o turismo desta zona e acabar com esta travessia seria matar todos estes anos de aproximação entre as duas localidades”, acrescenta.

jesus casas

Jesus Casas – A Guarda

Mesmo ao lado, no restaurante Gaviota, a opinião não diverge. Jesus Casas está no Porto de A Guarda há três anos e para este comerciante a importância do ferry é inquestionável. “Tantos para nós galegos como para os portugueses de Caminha e de toda a zona norte”.
Parado há cerca de duas semanas, Jesus Casas diz que já se nota menos movimento no porto, principalmente ao fim-de-semana. “Temos notado que há menos portugueses nestes últimos dias. Temos clientes que costumam vir e que ultimamente não têm aparecido acho que o facto do ferry estar parado pode ter alguma influência”, explica.
A possibilidade o ferry deixar de navegar por falta de condições seria “fatal” para este comerciante.
“Fatal porque estamos a falar de uma travessia que é um vínculo de união entre Portugal e Espanha, e acho que seria muito mau quer para nós galegos quer para os portugueses se isso viesse a acontecer.
Para Jesus casas “ é primordial e importantíssimo” que haja um entendimento entre Espanha e Portugal nesta matéria, sob pena das duas comunidades virem a perdem muito se isso não acontecer.

Anabell Garcia – A Guarda

A funcionar há 12 anos no Porto de A Guarda, o restaurante Trasmalho tem na sua lista de clientes habituais bastantes portugueses oriundos de diversos pontos do país, principalmente no norte. Anabell Garcia é filha do proprietário e tal como a generalidade dos comerciantes da zona vê com preocupação a possibilidade do ferry poder vir a parar definitivamente.
“Eu espero que isso não aconteça porque o ferry é muito importante não só para o comércio local como para o turismo. Representa mais uma oferta que tanto nós como os portugueses podemos dar aos turistas que nos visitam. Se acabar vamos perder todos muito com isso, não tenho dúvidas”.
Os impactos para a economia local serão “desastrosos” e por isso Anabell apela “à união entre os dois governos para que possam resolver o problema”.

Um promontório entre o céu, o mar e o rio

caminha da guarda

Do porto subimos ao ponto mais alto de A Guarda, o Monte de Santa Tecla, um destino turismo de excelência na Galiza e aquele que, depois de Santiago de Compostela, mais turistas atrai a esta zona.
Lá em cima, a beleza da paisagem é de cortar a respiração. De um lado a Guarda e o seu belo porto de mar, do outro, à esquerda o rio Minho e a vila de Caminha, e à direita o Atlântico, a praia de Moledo e o deslumbrante pinhal do Camarido.
Impossível ficar indiferente a tanta beleza, são poucos os turistas ou simples visitantes que resistem à possibilidade de cruzar o rio através do ferry. São pouco mais de 10 minutos de viagem que dão ao visitante a possibilidade de visitar também uma das vilas mais bonitas do norte de Portugal.

robelio fernandez

Robélio Fernandéz é proprietário de um restaurante situado no cimo do monte, o “Mar y Cielo” que ali está instalado há mais de vinte anos. Diariamente, com mais incidência no Verão, são às centenas e às vezes aos milhares, os turistas que visitam o monte de Santa Tecla, um marco da histórico da cultura castreja da Galiza. Dessas centenas ou milhares, muitos acabam por atravessar o rio, garante Robélio Fernandéz.

“Turistas que vêm de toda a Espanha e de outros países da Europa. Quando aqui chegam ficam muito curiosos com o barco que anda de um lado para o outro a transportar pessoas e veículos e perguntam como se pode ir até ao outro lado. Quando lhes digo que é fácil não resistem e lá vão eles encantados com a possibilidade de conhecer uma pontinha de Portugal”.

Partilhar os turistas é portanto uma prática bastante usual das duas margens, garante Robélio Fernandéz que há mais de vinte anos contata com esta realidade.

“Os espanhóis passam para lá e os portugueses para cá, principalmente ao fim-de-semana Vêm de carro e muitos de autocarro, em excursões. Ainda ontem esteve aqui um grupo que ia para Lisboa e quando eu lhes disse que o ferry estava parado ficaram cheios de pena porque queriam mesmo fazer a viagem”, conta.

A possibilidade do ferry poder parar é algo que este hoteleiro vê com preocupação. “Acho que seria um golpe muito grande no turismo porque para além de virem conhecer o Monte de Santa Tecla que é de facto um local importante de turismo, as pessoas também vêm atraída pela possibilidade de na mesma viagem poderem conhecer outro país, nem que seja só uma pequena amostra. Se calhar nós aqui não damos muito valor a isso mas uma pessoa que vem por exemplo da Argentina o dos Estados Unidos, por exemplo, essa possibilidade encanta-os. Para nós que temos estabelecimentos ligados à hotelaria e também para o resto do comércio de A Guarda em geral, é importante que o ferry continue”.

guilhermo alvarez

Guilhermo Alvarez é dono de uma pequena loja de souvenirs instalada no Monte. Trabalha na zona há 18 anos e antes de se dedicar à atividade comercial, desempenhou funções numa empresa de dragagem a operar precisamente no rio Minho.
Os problemas deste curso de água não lhe são portanto desconhecidos e Guilhermo defende que em vez de se pensar em dragagens pontuais do canal, “que não resolvem apenas remedeiam”, as autoridades deveriam pensar numa solução “mais definitiva”, que resolvesse o problema por mais tempo.

“Deviam pensar em dragar a partir da foz porque o problema é que a força do mar não deixa que as areias sigam em frente o que faz com que se acumulem junto à foz”, explica.

Apesar dos problemas Guilhermo não questiona a importância do ferry para o turismo local. “É importante porque as pessoas gostam de passar de um lado para o outro e se for de barco é ainda mais agradável. Temos muitos turistas que manifestam curiosidade em saber o que há do outro lado e nós, que conhecemos bem, dizemos que sim , vale a pena”.

E é esta mensagem de que “vale a pena”, que a população e os comerciantes querem que chegue a quem de direito. “Aos políticos dos dois países a quem pedimos que não deixem morrer esta tradição e este potencial turístico e económico para as duas margens”.

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